Não basta abrir a porta

20 anos depois - Lara


Por Lara

Acabei de voltar pra casa depois de um curso de 03 meses em Paris! Já não bastava amar minha faculdade de gastronomia, Deus foi tão demais ao ponto de me dar uma mãe chef que me coloca nos melhores trilhos da carreira...

E pensar que eu morria de medo que minha família achasse que eu só fazia gastronomia porque era a profissão da minha mãe... aprender a cozinhar com ela foi mágico, não vou negar, mas na verdade acho que foi mais uma coisa de compartilhar o mesmo amor com ela dentro das cozinhas da vida.

Aprendi muito na França, principalmente sobre doces que é minha parte favorita e confesso que é um pouco estranho voltar pra casa depois de uma temporada longe, afinal, sempre tive dificuldade de me acostumar com novas rotinas, principalmente depois que a Julia casou... acho que mesmo tendo passado três anos ainda não acostumei voltar pra casa e não ter minha irmã mais velha no vai e vem dessa casa e da casa dos meus tios.

As pessoas sempre acharam estranho eu ter uma irmã tão mais velha e tão próxima... Mas fazer o que se ela é a pessoa que mais me entende no mundo inteiro?

Engraçado que o contrario também é verdadeiro... lembro das vezes que ela, adolescente, me contava algumas coisas da vida dela só pra desabafar sabendo que o máximo que eu ia fazer seria ficar olhando pra ela com aquela cara de retardada fingindo que tá entendendo.

Ela sempre diz que os meus olhos pelo menos ajudam ela a se tranquilizar... Nunca entendi o que ela quis dizer com isso... mas enfim... acabou que a idade nunca foi empecilho pra gente ser amiga de verdade.

Só acho que a Jú sempre foi muito responsável, muito certinha... Não sei se era porque a pessoa tinha dois pais e duas mães que acabava se pressionando um pouco.... só sei que quando eu passei pelas minhas primeiras experiências, acabava sempre chocando um pouquinho minha irmã mais velha... Imagina quando eu abria o jogo com a minha mãe?... Mas não tinha jeito... se eu quisesse uma folga com o pai, precisava das duas do meu lado.

Sério... o pai é o cara mais fofo e mais chato que eu conheço. Acho que entendi o ciúme antes de um bocado de sentimentos só assistindo os shows que ele dava com a minha irmã e principalmente com a minha mãe.

Às vezes eu acho que ele só dá esses defeitos com a Dona Manuela para causar uma briga com consequente reconciliação... Iuuuu ... eles até hoje perdem a noção quando estão naquele clima de namorados adolescentes, pelo menos parece que com o tempo ficaram mais espertos e aprenderam a trancar a porta ou a dar sinais que era pra gente sumir se não quisesse ficar traumatizado.

Ok que essa sagacidade veio um pouco tarde demais... ainda não consegui apagar da minha mente o que os meus olhos inocentes viram naquela manhã de domingo... e pensar que eu só queria pedir do meu pai um copo de água porque estava com preguiça de descer as escadas... maldita preguiça...

Mas foi impagável os olhares constrangedores trocados com a Ju no dia seguinte... Foi uma ideia brilhante ter corrido para o quarto dela... Eles continuam sem saber qual foi a filha intrometida que bateu a porta do quarto deles interrompendo as atividades matinais.. kkkkk... A Ju só não me entregou porque eu disse que ia contar pra ela todos os detalhes.. Eu já era um gênio aos 13 anos...

A mãe e a Ju vivem dizendo que esse meu jeito sem noção eu puxei do pai e com o passar dos anos fico cada vez mais assustada com todas as coisas que eu e ele compartilhamos. Se não fosse minha aparência e o amor pela cozinha acho que ninguém diria que eu sou filha da minha mãe... Quero ver se o baby Arthur ou a baby Melissa puxar pra gente... A Julia vai pagar a língua dela...

Mas enquanto isso, o que essas semelhanças significam? Muitas brigas com o Seu Rodrigo, claro...

Que ele é ciumento é normal, mas também é implicante e impaciente, sempre fica me pressionando para fazer as coisas, principalmente se tenho que escolher algo e eu odeio isso, até porque acho uma hipocrisia imensa quando eu penso no quanto ele é indeciso... sério, tudo é um parto... para onde vamos viajar, que carro comprar, onde que vamos almoçar, gosta ou não gosta do namorado da Julia, affffff .... Uma vez fiquei tão irritada que fiz o seguinte comentário um tanto inapropriado: “Nossa pai, se tu demoras todo esse tempo para decidir que não vou poder viajar com meus amigos, não me surpreende ter demorado um século para decidir se queria minha mãe ou minha tia...”

Eu poderia dizer que me arrependi do que disse no exato momento que as palavras saíram da minha boca, mas para provar que eu tenho um pouco de Manuela em mim, preferi a teimosia e só depois de muito tempo fui admitir o quanto tinha exagerado e que deveria pedir desculpas ao meu pai pela besteira que falei em um momento de raiva.

Mas precisou esse episódio lamentável para que eu percebesse o quanto o assunto era delicado para ele, muito mais do que para a minha mãe que já tinha explicado toda a história para a Ju quando ela era adolescente.

Quando rolou essa briga com o pai eu já sabia de todos os detalhes há anos e a verdade é que não imaginei que fosse machucar o velho tanto assim... lembro de ter visto ele naquela noite, deitado no colo da minha mãe se lamentando por todo o ocorrido e jurando amor eterno... É muito obvio que ele ainda não se perdoou... Isso só me fez sentir mais arrependimento pela besteira e mais admiração pelo casamento deles.

Por fim o meu castigo foi merecido, mas nem liguei depois que eu e ele fizemos as pazes... Me senti premiada...

O pai é brincalhão, impulsivo, romântico e engraçado... Passei a vida toda olhando pra ele como uma mistura de pai e parceiro, que sempre me ajudava a pregar peças no João e a atormentar a vida dos namorados da Julia... Acho que ele ficou um pouco tristonho quando eu cresci e ele não só perdeu a parceira, como ainda teve que se preocupar com mais uma princesa louca para pular a cerca do reino (palavras dele!).

Barra mesmo foi quando eu e o João ficamos juntos... já não bastava o trabalho que eu tinha tido tentando convencer o próprio João que a gente não estava fazendo nada de errado, imagina contar pro meu pai que a filha está apaixonada pelo primo, que na cabeça dele, era como um irmão protetor... Foi um nó e tanto.

Nunca pensei que o meu amor e respeito pela minha mãe pudessem crescer, mas foi naquele momento que eu contei pro pai toda a verdade que eu vi a mulher se transformar numa leoa para me proteger do surto do pai e até da tia Ana... Sem ela e o tio Lucio sei que eu e o João teríamos encontrado nosso caminho juntos de qualquer jeito, mas com certeza teria sido depois de muito sofrimento.

A dinda, quer dizer, a tia Nanda, que adorou todo o rebuliço... mas normal, ela sempre achou puro entretenimento ver o circo pegar fogo...

A sorte dela é que não contei para ninguém que ela sabia de tudo e ainda colocou a maior pilha para que nós dois ficássemos juntos.... Se o pai descobre que até a casa dela foi oferecida como santuário, acho que ele fica sem falar com ela por alguns meses, mesmo depois de já ter aceitado tudo há mais de um ano.

O vô Jonas não gostou muito, mas tenho a vantagem de ser a neta favorita (não é segredo para ninguém), no fim ele acaba se rendendo ao meu olhar pidão de cachorro sem dono!

Divertido só foi contar para a vó Eva!

Imagina se o neto querido casa com a neta rejeitada! Kkkkkk ! Só rindo! A minha mãe pira se ela fizer algum comentário, claro, mas as olhadas ferinas dela só disputam com o meu sorriso irônico... O João vive me dando bronca por ficar provocando a bruxa mesmo eu tendo explicado para ele o quanto é difícil resistir... Fala sério, irritar a Eva é apenas uma pequena retribuição ao jeito que ela trata minha família... Se a minha mãe não tivesse uma alma tão boa, eu já tinha mando a velha às favas há muito tempo (com total apoio do pai)!

Mas falando sério, depois que eu contei para a Bisa e para a Ju o que eu estava sentindo pelo João e elas me deram apoio, parecia que eu podia enfrentar o mundo inteiro... Quem mais poderia dizer que amava eu e o João com a mesma intensidade? Quem mais conhecia nós dois de uma forma tão equilibrada? Se a nossa Bisa e a nossa irmã me disseram que o nosso amor era possível eu seria muito louca de duvidar.

Bom... ainda não é o final para eu dizer que agora nós vivemos felizes para sempre, mas que a vida está boa demais, isso eu não posso negar...