Nunca é tarde demais.- Drarry

Lembranças do passado. Parte 2.


Na época, ela parecia uma bruxa malvada, mas Draco supôs que "fada má" era um termo mais exato, porque Ginevra realmente parecia uma fada, sendo pequenina, com cabelos ruivos e levemente anelados que lhe caíam sobre o rosto delicado.Ela tinha profundos olhos castanhos, repletos de divertimento, um narizinho arrebitado, uma boca que era puro cupido, e uma risada irresistível. Era uma mulher adorável, fascinante e encantadora.

Ginevra tinha sido convidada para hospedar-se na casa por Sirius, um dos muitos tios de Draco. No primeiro encontro, Draco gostara dela. Ginevra encantava a todos com sua beleza impressionante e grande senso de humor.

Ela falava com muita rapidez, então Harry freqüentemente lhe pedia que falasse mais devagar ou que lhe explicasse alguma palavra em inglês. Diversas vezes, Draco a escutava dizer:— Não, não, você pronuncia isso assim...

Então caía na gargalhada com a pronúncia dele e Harry ria com ela. Foi nesse momento que Draco começou a sentir o perigo? O olhar de desejo por Ginevra que brilhava nos olhos de Harry. O modo ansioso como olhava para porta, esperando-a, e o jeito que visivelmente relaxava quando ela aparecia. Uma centena de pequenos detalhes, os quais Draco pensou que não significavam nada, até o dia que não foi mais possível continuar fingindo.

No começo, pensou que ele estivesse sozinho. Saindo debaixo das árvores para a brilhante luz do sol, viu apenas Harry, e seu coração disparou antes que notasse que ele estava se inclinando sobre uma mulher em seus braços.Mas então viu a maneira como ele beijava Ginevra com loucura, repetidamente, e entendeu que aqueles beijos nunca seriam suficientes para Harry.Ele nunca o beijara daquela forma, pensou com tristeza.

Draco ficou parado e observou, com o coração despedaçando, o mundo inteiro rompendo-se à sua volta. Escondeu-se atrás de um carvalho, embora fosse desnecessário. Eles estavam além de notá-lo ou notar qualquer outra coisa. Então o ouviu dizer.

— Desculpe-me, minha querida. Eu não tinha o direito de dizer isso quando não possuo nada para oferecer-lhe.

— Por que nós não podemos ser felizes? — Era a voz de Ginevra. — Você não me ama?

— Você sabe que eu a amo — respondeu ele quase violentamente. — Eu não sabia que podia me sentir assim. Se eu tivesse...Ele parou.

Draco escutou, o coração batendo descompassado no peito. Se ele tivesse...

— Se você tivesse me conhecido antes, não teria pedido Draco em casamento, teria?

— Nunca — murmurou ele com voz rouca.

— Você não quer se casar comigo, meu amor?

— Não me pergunte isso.

— Mas devo perguntar — persistiu Ginevra numa voz suave e excitante. — Se vamos perder um ao outro, pelo menos sejamos honestos com nossos sentimentos.

— Muito bem, eu quero me casar com você — confessou Harry num tom apaixonado. — Eu não posso, mas também não posso parar de amá-la e de desejá-la. Você está comigo em todos os momentos, dia e noite, quando estou acordado ou dormindo.

— Então, como pode me dispensar?

— Porque eu fiz promessas para Draco. Minha querida, eu lhe imploro que compreenda. Eu devo manter estas promessas. A honra é fundamental para minha família.

— Por quê? Ele não o ama mais do que você o ama.

— Mas estamos a poucos dias do nosso casamento. Como posso humilhá-lo na frente de todo mundo?

— Harry, você já pensou no futuro? Anos e anos preso ao lado de um homem que não ama.Como vai suportá-los?

O silêncio que se seguiu congelou Draco até a alma. Apenas por alguns segundos, mas o bastante para sentir que estava morrendo. Finalmente a resposta dele veio numa voz cheia de desespero.

— Sobreviverei de alguma maneira.

Draco pensara que seu coração não podia ser mais despedaçado, mas quando ouviu aquilo soube que estava errado.E estranhamente, foi o conhecimento de que não havia mais esperança que o possibilitou sair detrás da árvore, sorrindo e dizendo alegremente.

— Não há algo que vocês queiram me dizer?

Os rostos deles ficaram imprimidos na memória de Draco para sempre, Harry pálido e chocado,Ginevra com uma expressão que ele não podia ler. Mais tarde pensaria na reação deles. No momento,estava concentrado no que tinha de fazer. Ginevra falou primeiro, parecendo sem graça.

— Draco, nós não queríamos que você descobrisse dessa maneira.

— Não importa como eu descobri — replicou ele, fingindo satisfação. — O ponto é que ainda estamos a tempo de acertar as coisas.

— Eu não tenho intenção de pedir que você me liberte. A voz de Harry soou fraca.

— Mas talvez eu queira acabar com o noivado — disse Draco com um dar de ombros. — Ora, vamos, não estamos no século XIX. O mundo não vai acabar se houver uma mudança de planos de última hora.

Draco nunca esqueceu o olhar no rosto de Harry repleto de pura esperança com o pensamento de não ser obrigado a se casar com ele.

— Você... está falando sério? — perguntou ele, como se fosse incapaz de acreditar no que estava ouvindo.

— É claro que estou falando sério. — acrescentou ele — Se está apaixonado por outra pessoa... por que eu quereria você?

— Mas as formalidades...

— Esqueça as formalidades. Mudamos de idéia. Nós dois. Vamos acabar logo com isso.

Draco virou-se rapidamente, incerto de quanto tempo mais aguentaria representar a fachada de indiferença. Assim que começou a andar, ouviu Harry chamar.

— Draco...

E lá estava, a entonação que ele tinha sonhado em escutar na voz dele, carinhosa e emotiva, agora que se sentia agradecido por sua liberdade. Draco caminhou de volta para casa como se não o tivesse escutado. Ainda tinha orgulho e amor próprio correndo em suas veias.

Draco tinha poucas lembranças do que se seguiu. Houve um tumulto familiar, cena após cena, nas quais ele falou durante a maior parte do tempo, rindo enquanto insistia que tinha sido uma decisão mútua e que não poderia estar mais feliz. Duvidava que alguém tivesse acreditado, especialmente porque o noivado de Harry com Ginevra aconteceu imediatamente depois. Mas em face de sua determinação, não havia nada que ninguém pudesse fazer.Uma licença especial foi obtida com o nome de Ginevra e o casamento aconteceria no mesmo dia,na mesma igreja.

Draco acompanhou todo o processo,aparentemente sem uma única preocupação no mundo. Temia o casamento deles, mas sabia que teria de estar lá ou o mundo saberia a verdade.Por um tempo, a necessidade de fingir manteve a mente na terrível dor interna. Durante o dia, sorria e sorria. Na noite antes do casamento, a tensão de chorar em segredo o estava consumindo.

Queria gritar alto, o que era impossível naquela casa. Do lado de fora, tinha começado a chover forte, com relâmpagos ocasionais. Muito perturbado para pensar claramente, vestiu algumas roupas e saiu de casa por uma porta lateral, correndo ao longo do gramado em direção às árvores.

Enfurnado na floresta, deu vazão à sua dor, chorando como um animal ferido, e até mesmo batendo a cabeça contra a árvore, gritando:— Por que, por que, por quê?Por quê? Porque ele a ama e não a você.

Porque todo o dinheiro do mundo não é o bastante para fazê-lo querê-lo.Quando aquilo acabou, Draco não se sentiu melhor, apenas completamente exausto. Sentou-se na grama, encostou-se no tronco da árvore e sussurrou:— Por que eu fiz isso? Por que desisti dele tão facilmente? Quando estivéssemos casados, eu poderia fazê-lo me amar.

O arrependimento o fez começar a chorar de novo, mas dessa vez com fraqueza, num sofrimento devastador.Depois de uma hora, levantou-se com dificuldade e saiu da floresta tropeçando, desesperado para chegar a casa antes que o sol nascesse e pudesse ser visto.

Ele conseguiu, agradecido que ninguém o tinha visto, e subiu a escada correndo até alcançar o piso onde ficava seu quarto. Estava quase lá... o próximo corredor...

— Draco!

Seu pior pesadelo se tornou realidade. Harry estava lá em seu camisolão de dormir, atônito com a visão dele.

— O que houve com você? — perguntou preocupado. __Você saiu na chuva?

— Não estava chovendo quando saí — disse Draco, lutando para parecer normal.

— Mas está chovendo há uma hora.

— Eu caminhei bastante. Precisava de ar fresco. A volta foi demorada.

— Você está machucado — observou ele, olhando-lhe a testa.

— Eu caí — mentiu Draco. — Bati a cabeça num pedaço de madeira.

— Você precisa de um médico. Deixe-me...

— Fique longe de mim.

Ele tentou levar dedos gentis a seu machucado, mas Draco sabia que se Harry o tocasse ele não aguentaria.

— Seus dentes estão batendo — disse ele, descendo a mão na lateral do corpo. — Vá tomar um banho quente ou pegará um resfriado. Por favor, cuide-se — pediu ele, carinhosamente. — Quero que esteja bem para o casamento amanhã, principalmente porque eu devo tudo a você.

O carinho na voz de Harry o arrasou ainda mais. Draco caminhou para o próprio quarto e trancou aporta.Despindo-se, entrou num banho quente, e ficou lá, imóvel, apenas encostado contra a parede de azulejo.Após um longo tempo, o cérebro começou a funcionar de novo, o bastante para fazê-lo questionar-se porque Harry estivera no corredor àquela hora.

Então se lembrou que era perto de onde Ginevra dormia. Draco achou que tinha chorado tudo que podia, mas descobriu que estava enganado. Desta vez foi o banho que disfarçou as lágrimas.

No dia seguinte, sentou-se na igreja, olhando para as costas de Harry enquanto ele esperava pela noiva, então o viu virando-se e assisti-la se aproximar com uma expressão de tanta adoração, que Draco teve de fechar os olhos. Por um terrível momento, achou que iria realmente desmaiar, mas recuperou-se e sentou-se rígido, enquanto Ginevra tornava-se a esposa de Harry.

Agora ele estava perdido para sempre.Mas estivera perdido de qualquer forma, pensou Draco. O arrependimento da noite anterior tinha sido tolice. Ele poderia ter se casado comigo, mas nunca, jamais me amaria como ama Ginevra.

A recepção foi seguida por um baile, no qual ele dançou até a exaustão. Foi como conheceu Astória Greengrass, que pareceu surgir de lugar nenhum, uma amiga de um amigo de um amigo.

Ela era bonita, charmosa e uma grande dançarina. Os passos deles combinavam perfeitamente, e acabaram dando um show que resultou em aplausos.Quando o ritmo da música se tornou lento, Draco e Astória dançaram novamente, abraçando-se de modo romântico.

Era seu jeito de dizer ao mundo que não se importava com o casamento de Harry.Esperou que ele notasse.Mas quando ele valsou com Ginevra nos braços, Draco sabia que ele não prestava atenção em mais ninguém ao seu redor. Fitava a noiva com um olhar de pura adoração.

Draco fechou os olhos, sentindo sua farsa corajosa ameaçar despedaçar-se. Finalmente, era hora dos noivos partirem para a lua-de-mel. Determinado a continuar a farsa até o fim, Draco juntou-se à multidão para despedir-se do casal. E perguntou-se se foi por acaso que Ginevra jogou-lhe o buquê, ou por pura maldade. Ele o pegou instintivamente, antes que pudesse deter-se, então ficou parado ali, segurando o buquê que deveria ter sido seu.

Foi somente mais tarde que entendeu completamente o que aquele dia fizera por ele. Tinha passado pelo fogo e emergira mais forte, porque alguma coisa que havia sido queimada até virar cinzas nunca mais poderia ser queimada. Draco iria ressurgir como a Fenix. A partir daquele dia um novo homem nasceria das cinzas de uma amor impossível.

Matriculou-se na faculdade, estudou arqueologia e saiu do sofrimento enterrando-se no trabalho.

— Se quer saber minha opinião, você parece estar passando por uma severa crise nervosa — disse tia Andrômeda alguns meses mais tarde. — Toda vez que eu o olho, você parece que está morrendo. E em vez de ser sensato como os outros rapazes, e fazer um cruzeiro ou ir para a balada, apenas piora as coisas enterrando-se nesses terríveis livros.

Mas, longe de tornar as coisas piores, Draco sabia que "aqueles terríveis livros" o tinham salvado. Depois de um ano, seus tutores estavam prevendo grandes coisas para ele.O sofrimento finalmente se transformou em uma dor entorpecente, a qual ele conseguiu reprimir devido à sua fascinação pelo assunto que amava.E fez uma promessa a si mesmo. Nunca mais se permitiria sentir nada tão profundo e intenso como sentira por Harry.

Sabia que não poderia suportar uma segunda vez. Estava seguro agora. Podia proteger-se da mágoa. Mas tivera que pagar um preço terrível. Começou a ir a festas novamente, até mesmo desfrutando-as. Finalmente, uma noite, enquanto bebia champanhe, teve uma surpresa.

— Que bom encontrá-lo aqui!

Era Astória Greengrass, sorrindo-lhe.

— Eu o procurei mais tarde naquela noite, mas você tinha desaparecido — murmurou ela.

Eles começaram a se ver. Astória era uma boa companhia, alegre, festeira, mas de bom coração. Draco estava solitário e convenceu-se de que a afeição que sentia por ela bastaria.

Eles se casaram enquanto Draco ainda estava na faculdade e alguns meses o após casamento Astória ficou grávida.Para fazer justiça a Astória, ela realmente tinha tentado e conseguido ser fiel por quatro anos, um recorde para uma mulher fogosa feito ela. Mais Draco entendia, pois pouco tempo depois de casados descobriu que apesar de ser bissexual tinha uma maior preferência pelo sexo masculino. Ambos de comum acordo optaram por dormir em quartos separados. Para a segurança de Scorpius, eles haviam permanecido juntos por mais quatro anos.O divórcio foi amigável.

Draco não soube de quase nada sobre Harry durante esse período. Recentemente, tinha lido um artigo no jornal que anunciava que Príncipe e Princesa Potter haviam sido abençoados com um filho e herdeiro, o primeiro filho desde o nascimento da filha deles, quase dez anos antes.

Então o casamento deu certo, pensou Draco agora, decidindo que tinha feito a coisa correta, afinal de contas.Deu tudo certo para ambos. A vida foi boa para mim, também. Meu emprego é maravilhoso, sou amigo da minha ex-mulher. Tenho um filho que adoro e que acha que eu sou "legal"... Um grande elogio para um garoto de dez anos.

Sou um Homem de sorte.Então, por que retornei aqui? Draco olhou para as ruas tranquilas de Tivoli, então para a vista que levava a Roma.Porque, depois de todos aqueles anos, é hora de exorcizar o fantasma e me libertar para seguir com minha vida respondeu para si. Está na hora de ver se o passado está realmente morto e enterrado.