Acordar com aquele cheiro amadeirado que ainda me confundia, e aqueles braços quentes e fortes que me mantinham segura, fez meu coração se encher de alegria, mesmo aquele sendo o dia de nossa partida daquele maravilhoso lugar.

Legolas não dormia, me olhava acordar com um sorriso nos lábios, como se a muito me admira-se, coisa que eu não duvidava que ele tinha feito, e isso me fez sorrir mais alegre. Seu bom dia em élfico foi melodioso, e eu parcamente o respondi, embriagada com seu encanto.

Eu gostaria de passar o dia ali, em seus braços, sorrindo como uma boba para ele, admirando sua beleza e agradecendo aos deuses por fazer aquele maravilhoso elfo me amar. Mas eu sabia que em alguns instantes teríamos que levantar e continuar nossa jornada, que sairíamos daquela segurança, e caminharíamos por caminhos perigosos demais para qualquer um. Então tratei de abraça-ló forte, e cheirar profundamente em seu pescoço, rindo da mudança drástica da coloração de seu rosto.

Quando por fim deixamos a cama e fomos arrumar nossa bagagem para a viagem, fizemos em conjunto, ajudando um ao outro, com sorrisos e palpitações de corações constantes. Era tudo mágico demais, e aproveitamos cada momento ali, pois quando por fim saímos de nossa barraca de mãos dadas, a realidade nos abateu.

E foi com coragem e uma promessa muda de que seguiríamos juntos dali em diante, que fomos até os outros.

Os outros arrumavam apressados suas bagagem, Pippin era o mais desordenado. Logo vieram elfos que sabiam falar a nossa língua trazendo muitos presentes em forma de comida e roupas para a viagem. A comida era, na maior parte, composta de bolos muito finos, feitos de uma farinha que, assada, era de um tom marrom-claro, e na parte interna tinha cor de creme. Gimli pegou um dos bolos e olhou-o com um ar duvidoso, me fazendo rir de sua face em dúvida.

—Cram. -disse ele numa voz muito baixa, enquanto quebrava um canto crocante e o mordiscava. Mas a expressão em seu rosto mudou rapidamente, e ele comeu todo o resto do bolo, com grande apetite.

—Basta, basta! -gritaram os elfos rindo. -Você já comeu o suficiente para um dia longo de marcha.

Eu já e a perguntar o que era "Cram" quando o Anão continuou.

—Pensei que era apenas um tipo de cram, semelhante àquele que os homens de Valle fazem para levar em viagens a lugares desertos.

—E é. -responderam eles. -Mas nós o chamamos de lembas ou pão-de-viagem, e é mais nutritivo que qualquer comida feita pelos homens, e mais saboroso que o cram, pelo que todos dizem.

—Mas melhor que economizem a comida. -disseram eles. -Comam um pouco de cada vez, e só quando necessário. Pois estamos lhes dando essas coisas para que sejam de serventia quando tudo mais faltar. Os bolos se mantêm frescos por muitos dias, se não se quebrarem se forem mantidos em sua embalagem de folhas, como os trouxemos. Apenas um pode manter um viajante em pé durante um longo dia de trabalho, mesmo que esse viajante seja um dos altos homens de Minas Tirith.

Depois os elfos desembrulharam e nos deram as roupas que tinham trazido. Para cada um trouxeram um capuz e uma capa, feitos de acordo com nosso tamanho, e do tecido sedoso produzido pelos Galadhrim, que era leve, e nem por isso deixava de ser quente. Era difícil para mim precisar suas cores, pareciam ser cinzentos com a nuance do crepúsculo sob as árvores, apesar disso, quando movimentados ou colocados sob outra luz, eram verdes como a água sob as estrelas, ou castanhos como campos fulvos à noite, e de um prata escuro sob a luz das estrelas. Cada capa era presa ao pescoço por um broche semelhante a uma folha verde raiada de prata.

—É lindo. -eu disse animada desfilando com minha capa, fazendo todos rirem.

—São capas mágicas? -perguntou Pippin, olhando-as admirado, colocando em palavras meus pensamentos.

—Não sei o que quer dizer. -respondeu o líder dos elfos ali. -São trajes bonitos, e o fio é de boa qualidade, pois foi feito nesta terra. São vestimentas élficas, com certeza, se é isso que quer dizer. Folha e ramo, água e rocha: elas têm a beleza de todos esses elementos sob nosso amado crepúsculo de Lórien, pois colocamos o pensamento de tudo o que amamos nas coisas que fazemos. Mas são vestes, não armaduras, e não repelirão lanças ou lâminas. Mas vão servi-los bem: são leves de usar, quentes e frescas o suficiente, conforme a necessidade. E vão encontrar nelas uma grande ajuda quando precisarem se esconder dos olhos inimigos, se andarem entre as rochas ou entre as árvores. Realmente, a Senhora os tem em alta conta! Pois ela mesma, com suas aias, teceu esse material, e nunca antes tínhamos vestido forasteiros com as roupas de nosso próprio povo!

Depois de comer nossa refeição matinal, nós dissemos adeus ao gramado perto da fonte. Tínhamos um peso em nossos corações, pois o lugar era lindo e tinha se tornado para nós como nossa própria casa, embora não fossemos capazes de contar os dias e noites que passamos ali. Enquanto paramos um pouco para olhar a água cristalina sob a luz do sol, Haldir veio andando na nossa direção, atravessando a relva verde da clareira. E eu, assim como Frodo, o cumprimentei com alegria.

—Estou voltando das Fronteiras do Norte. -disse o elfo. -E estou sendo enviado para ser o guia da Comitiva novamente. O Vale do Riacho Escuro está cheio de vapor e nuvens de fumaça, e as montanhas estão inquietas. Há rumores nas profundezas da terra. Se algum de vocês tivesse pensado em voltar para casa pelo Norte, não conseguiria passar por ali. Mas venham! Seu caminho agora é pelo Sul.

Conforme passamos através de Caras Galadhon, vimos que os caminhos verdes estavam vazios, mas no alto das árvores muitas vozes murmuravam e cantavam. Contudo nós caminhávamos em silêncio. Finalmente Haldir nos conduziu, descendo as encostas ao Sul da colina, e chegamos assim outra vez ao grande portão cheio de lamparinas, e a ponte branca. Assim fomos passando e deixando para trás a cidade dos elfos. Então saímos da estrada pavimentada e tomaram uma trilha que entrava num denso maciço de pés de mallorn e seguia em frente, descrevendo curvas através de florestas sinuosas cobertas de sombra prateada, sempre conduzindo-nos para baixo, para o Sul e para o Leste, em direção às margens do Rio.

Já devia passar do meio dia, e andamos um pouco mais de 2 quilômetros quando por fim vimos na margem do Veio de Prata, a alguma distância acima do encontro das correntezas, um ancoradouro de pedras e madeiras brancas. Ali estavam ancorados muitos barcos e barcaças. Alguns estavam pintados com cores claras, e brilhavam como prata, ouro ou verde, mas a maioria deles eram brancos ou cinzentos.

Três pequenos barcos cinzentos tinham sido preparados para nós, e eu tinha certeza disso pois nestes os elfos colocavam mantimentos. Vi que eles acrescentaram também rolos de corda, três para cada barco. Pareciam finas, mas fortes, sedosas ao contato, de uma tonalidade cinzenta semelhante à dos trajes élficos que nos foram presenteados.

—Que são estas coisas? -perguntou Sam, pegando uma corda que estava sobre o gramado.

—Cordas mesmo! -respondeu um elfo que estava nos barcos. -Nunca faça uma longa viagem sem uma corda! E uma corda que seja comprida, forte e leve. Estas são assim. Elas podem ser úteis em muitas ocasiões de necessidade.

—Não precisa me dizer isso! -disse Sam. -Vim sem nenhuma corda, e tenho me preocupado desde então. Mas estava perguntando do que estas são feitas, pois sei um pouco sobre a fabricação de cordas: é coisa de família, como se pode dizer.

—São feitas de hithlain. -explicou o elfo. -Mas não há tempo agora para instruí-lo na arte de sua fabricação. Se tivéssemos sabido que o oficio lhe agradava, poderíamos ter-lhe ensinado muito. Mas agora, infelizmente, a não ser que você volte aqui alguma vez, deve ficar satisfeito com nosso presente. Que seja de serventia!

Vi que Sam falaria algo mais, mas este parou de boca aberta quando o senhor Celeborn e a senhora Galadriel se aproximaram.

—Viemos para dar-lhes nosso último adeus. -disse ela. -E para favorecê-los com as bênçãos de nossa terra.

—Embora tenham sido nossos hóspedes. -disse Celeborn. -Vocês ainda não comeram conosco, e portanto convidamos a todos para um banquete de despedida, aqui, entre as águas correntes que os levarão para longe de Lórien.

Os elfos forraram grandes toalhas brancas na extremidade de Egladil, sobre a relva verde, e ali o banquete de despedida aconteceu, mas eu percebi que Gimli e Frodo comeram e beberam pouco, concentrando toda a atenção apenas na beleza da Senhora e de sua voz. Agora ela não parecia mais perigosa ou terrível, nem cheia de poderes ocultos. Já tomava, aos nossos olhos, a aparência que os elfos nos últimos tempos algumas vezes têm para os homens: presente, e ao mesmo tempo remota, uma visão vivente daquilo que já foi deixado há muito para trás pelas velozes Correntezas do Tempo.

E eu não sabia dizer se isso me deixava feliz ou triste. Olhei para o elfo ao meu lado, sorridente, carinhoso e cuidadoso, e resolvi que aquele não era o momento para ocupar minha mente com tais pensamentos obscuros, a partida em si já era mais do que o suficiente para se pensar.

Depois que todos tinham comido e bebido, Celeborn, sentado na relva, falou de novo sobre a viagem, e, levantando a mão, apontou para o Sul, para as florestas além do que meus olhos podiam ver.

—À medida que seguirem descendo o rio. -disse ele. -Perceberão que as árvores vão desaparecer, e que estarão entrando numa região desolada. Ali o Rio corre num vale rochoso por entre altas charnecas, até que finalmente, depois de muitas milhas, chega à alta ilha de Rocha do Espigão, que nós chamamos de Tol Brandir. Ali ele estende seus braços ao redor das encostas íngremes da ilha, caindo então com grande estrondo e fumaça nas cataratas de Rauros, no Nindalf, o Campo Alagado, como se diz na língua de vocês. Aquela é uma região de pântanos morosos, onde o rio se torna tortuoso e muito dividido. Ali, por meio de várias desembocaduras, recebe as águas do Entágua, que vem da Floresta de Fangorn no Oeste. Às margens do Entágua, deste lado do Grande Rio, fica Rohan. Do outro lado ficam as colinas desoladas de Emyn Muil. Naquele ponto o vento sopra do Leste, pois as colinas se debruçam sobre os Pântanos Mortos e as Terras-de-Ninguém, em direção a Cirith Gorgor e aos portões negros de Mordor. Boromir e quem quer que o acompanhe à procura de Minas Tirith farão bem em deixar o Grande Rio acima de Rauros e cruzar o Entágua, antes que ele atinja os pântanos. Apesar disso, não devem subir muito aquele rio, nem se arriscar a ficar presos na Floresta de Fangorn. Aquela é uma terra estranha, e pouco conhecida. Mas não há dúvida de que Boromir e Aragorn não precisam desta advertência.

—Realmente ouvimos falar de Fangorn em Minas Tirith. -disse Boromir. -Mas o que ouvi me parece ser, quase tudo, contos de velhas avós, como aqueles que contamos a nossas crianças. Tudo o que fica ao Norte de Rohan está agora para nós tão distante que a imaginação pode voar livremente. Há muito tempo, Fangorn fazia divisa com nosso reino, mas há muitas gerações de homens nenhum de nós visita aquela região, para poder provar se são verdadeiras ou falsas as lendas que chegaram até nós, vindas de anos longínquos.

—Eu próprio já estive algumas vezes em Rohan, mas nunca atravessei a floresta em direção ao Norte. Quando fui enviado como mensageiro, passei pelo Desfiladeiro num ponto próximo às Montanhas Brancas, e atravessei o Isen e o rio Cinzento chegando à Terra do Norte. Uma viagem longa e cansativa. Calculo que tenha viajado quatrocentas léguas, e isso levou muitos meses, pois perdi meu cavalo em Tharbad, no vau do rio Cinzento. Depois daquela viagem, e da estrada que trilhei com esta Comitiva, não duvido muito que consiga encontrar um caminho através de Rohan, e de Fangorn também, se houver necessidade. -contou Aragorn.

—Então não preciso dizer mais nada. -disse Celeborn olhando para Boromir. -Mas não despreze a tradição que vem de anos longínquos, talvez as velhas avós guardem na memória relatos sobre coisas que alguma vez foram úteis para o conhecimento dos sábios.

Nesse momento, Galadriel se levantou do gramado, e tomando uma taça da mão de uma de suas aias, encheu-a com hidromel branco e ofereceu-a a Celeborn.

—Agora é o momento de fazermos nosso brinde de despedida. -disse ela. -Beba, Senhor dos Galadhrim! E não vamos permitir que nossos corações se entristeçam, embora a noite possa estar se aproximando e o crepúsculo já esteja chegando.

Então ofereceu uma taça a cada um de nós, e propôs um brinde de boa viagem. Mas quando bebemos, ela ordenou que nos sentassem de novo na relva, e cadeiras foram colocadas para ela e para Celeborn. As aias pararam em silêncio ao seu lado, e por uns instantes ela olhou para nós. Finalmente, falou de novo.

—Bebemos uma taça de despedida. -disse ela. -E as sombras se adensam entre nós. Mas antes que partam, trouxe comigo presentes que o Senhor e a Senhora dos Galadhrim agora oferecem a vocês em memória de Lothlórien. -e com um sorriso ela me olhou. -Mas antes gostaríamos de pedir a você criança, que cante algo para nós, pois desde sua ultima canção nossos corações se sentem ansiosos, e apesar de que é nosso intuito que fique, sabemos que esse não é seu desejo. Então por favor, cante algo que possa nos acalmar, para que enfim possamos a deixar partir.

Eu olhei para o senhor e a senhora de Lórien, e tentei acalmar o nervosismo que me assolou ali, procurando em minha mente um música que os agradasse.

—Eu irei cantar, mas me perdoem se minha voz não acertar o tom, pois eu não acho que consiga cantá-la tão bem como quem me ensinou. -todos me sorriram alegres, e mesmo sem saber se era o certo eu resolvi cantar a música que Arwen me ensinou. -Ngil cennin eriel vi, Menel aduial, Glingant sui mîr, Síliel mae. Ngil cennin firiel vi, Menel aduial, Dûr, dûr i fuin, Naenol mae. An i ú nathant, An i naun ului, A chuil, anann cuiannen, A meleth, perónen.

De todos ali, Aragorn era o que possuía a face mais espantada, que logo se transformou em um sorriso terno e saudoso. E eu podia ver que agora o seu coração como o de muitos estava enfim em paz, apesar da música não ter uma tão amável assim.

—Sua voz realmente traz uma grande paz a nossos corações, e somos muito gratos por usar nossa língua para canta-la. -foi a primeira vez que vi algo parecido com felicidade estampada no rosto de Celeborn. -Dou-lhe minha benção em agradecimento por preencher os corações de meu povo com tamanho amor, que sua jornada seja segura. Por isso à chamo primeiro para dar-lhe seu presente.

—Para você que nos presenteou com uma canção que fez com que nos lembrássemos das dores e amores do mundo, nós lhe daremos dois pequenos presente. O primeiro é esse conjunto de flechas, para que seu arco fiquei completo. E em segundo, esse conjunto de adagas, pois uma espada é boa mais não condiz com seu tamanho e estilo de luta. Já que pelo que ouvimos do Filho de Tanduil, em sua primeira luta contra os orcs, você não recebeu nem mesmo o mais ínfimo dos golpes, e só machucou por tentar ajudar seus amigos na luta contra o Troll das cavernas. -Legolas estava vermelho e com a cabeça baixa quando o olhei. -E que todos me ouçam quando eu digo que você criança, ainda se provará mais corajosa, pois ninguém em tão tenra idade jamais passou por tantas dificuldades e se manteve como era.

—Obrigada. -murmurrei envergonhada fazendo uma reverencia desajeitada.

O conjunto de adagas parecia ser de prata, com a bainha talhada com vários desenhos de folhas, e seu cabo era de árvores brancas, mallorn, eu supunha. Mas era leve como pluma, e afiada como minha espada.

—Aqui está o presente de Celeborn e Galadriel para o líder da Comitiva. -disse ela a Aragorn, dando-lhe uma bainha feita sob medida para sua espada. Era coberta por uma gravura de flores e folhas feita em ouro e prata e que trazia inscrito, em runas élficas formadas por muitas pedras, o nome de Andúril e a linhagem da espada. -A lâmina que for retirada desta bainha não será manchada ou quebrada, mesmo na derrota. -disse ela. -Mas há alguma outra coisa que deseja de mim em nossa despedida? Pois a escuridão ira nos separar, e pode ser que não nos encontremos de novo, a não ser longe daqui, numa estrada que não tem retorno.

E Aragorn respondeu:

—Senhora, conhece todos os meus desejos, e há muito tempo guarda o único tesouro que procuro. Mas ele não lhe pertence, e não poderia oferecê-lo a mim, mesmo que estivesse disposta, apenas atravessando a escuridão é que poderei chegar até ele. -e eu tive de segurar minha enorme curiosidade para não perguntar que tesouro seria este.

—Mesmo assim, talvez isto possa aliviar seu coração. -disse Galadriel. -Pois foi deixado aos meus cuidados para que entregasse a você, caso passasse por esta terra.

Então ela ergueu de seu colo uma grande pedra verde-clara, engastada num broche de prata, moldado na forma de uma águia com as asas abertas; ao erguê-lo, a pedra brilhou como o sol através das folhas na primavera.

—Esta pedra dei a Celebrian, minha filha, e ela a sua própria filha, e agora ela chega até você como um símbolo de esperança. Assuma neste momento o nome que foi predito para você, Elessar, Pedra Élfica da casa de Elendil!

Então Aragorn pegou a pedra e fixou o broche sobre o peito, e aqueles que olhavam para ele ficaram admirados, pois não tínhamos ainda notado sua altura e sua postura de rei, e tivemos a impressão de que muitos anos de luta caíram de seus ombros.

—Agradeço-lhe pelos presentes que me deu. -disse ele. -Ó Senhora de Lórien, de quem nasceram Celebrian e Arwen, Estrela da Tarde. Que maior elogio poderia eu fazer?

A Senhora curvou a cabeça, e então voltou-se para Boromir, oferecendo-lhe um cinto de ouro, a Merry e Pippin ofertou pequenos cintos de prata, cada um com uma fivela moldada na forma de uma flor de ouro. A Legolas ofereceu um arco semelhante aos usados pelos Galadhrim, mais comprido e robusto que os arcos da Floresta das Trevas, e cuja corda era feita de fios de cabelo élfico. Vinha acompanhado de um feixe de flechas igual ao meu.

—Para você, pequeno jardineiro e amante das árvores. -disse ela a Sam -Tenho apenas um pequeno presente. -colocou na mão dele uma pequena caixa de madeira cinza, sem adornos, a não ser por uma única runa de prata sobre a tampa. -Aqui está escrito um G de Galadriel. -disse ela. -Mas também pode significar “gramado” na sua língua. Esta caixa contém terra de meu pomar, e nela está a bênção que Galadriel ainda pode conceder. A terra não impedirá que você se desvie do caminho, nem irá defendê-lo de qualquer perigo, mas se a guardar e finalmente voltar a ver sua terra, então talvez possa recompensá-lo. Embora possa encontrar tudo deserto e abandonado, haverá poucos jardins na Terra-média que florescerão como o seu, se espalhar esta terra lá. Então poderá se lembrar de Galadriel, e ter uma vista distante de Lórien, que você viu apenas em nosso inverno. Porque nossa primavera e nosso verão já passaram, e nunca mais serão vistos de novo na terra, a não ser em lembranças.

Sam corou até as orelhas e murmurou qualquer coisa inaudível, enquanto agarrava a caixa e tentava fazer uma reverência.

—E que presente um anão pediria aos elfos? -perguntou Galadriel, voltando-se para Gimli.

—Nenhum, Senhora. -respondeu Gimli. -A mim basta ter visto a Senhora dos Galadhrim, e ter ouvido suas gentis palavras.

—Escutem vocês todos, elfos. -exclamou ela para aqueles à sua volta. -Não deixem ninguém dizer que os anões são ávidos e indelicados! -eu ri com aquilo, -Mesmo assim, com certeza Gimli, filho de Glóin, você deseja algo que eu possa ofertar. Revele seu desejo, eu lhe peço! Você não deve ser o único convidado a ficar sem um presente.

—Não quero nada, Senhora Galadriel. -disse Gimli, fazendo uma grande reverência e gaguejando. -Nada, a não ser que talvez... a não ser que seja permitido pedir, não, desejar um único fio de seu cabelo, que ultrapassa o ouro da terra como as estrelas ultrapassam as gemas da mina. Não peço tal presente, mas a Senhora me ordenou que revelasse meu desejo.

Os elfos se agitaram e murmuraram atônitos, e Celeborn observou o anão admirado assim como eu, mas a Senhora sorriu.

—Diz-se que o talento dos anões está em suas mãos e não em suas línguas. -disse ela. -Mas não se pode dizer o mesmo de Gimli. Pois ninguém jamais me fez um pedido tão ousado, e ao mesmo tempo tão cortês. E como posso negá-lo, já que fui eu quem ordenou que ele falasse? Mas, diga-me, o que você faria com um presente desses?

—Guardá-lo-ia como uma relíquia, Senhora. -respondeu ele. -Em memória das palavras que me disse em nosso primeiro encontro. E se eu algum dia retornar às forjas de minha terra, será colocado num cristal indestrutível, para ser a herança de minha casa e um testemunho de boa vontade entre a Montanha e a Floresta até o fim dos dias.

Então a Senhora desfez uma de suas longas tranças e cortou três fios dourados, colocando-os na mão de Gimli.

—Estas palavras acompanharão o presente. -disse ela. -Não vou predizer, pois todas as predições são vãs nestes tempos: de um lado está a escuridão, e do outro só há esperança. Mas se a esperança não falhar, então digo a você, Gimli, filho de Glóin, que suas mãos vão se encher de ouro e, apesar disso, o ouro não vai dominá-lo. -eu me arrepiei dos pés a cabeça, fazendo Legolas me olhar preocupado. A força daquelas palavras era enorme. Mas Galadriel continuou como se aquilo não fosse nada.

—E você, Portador do Anel. -disse ela voltando-se para Frodo. -Dirijo-me a você por último, embora não seja o último em meus pensamentos. Para você, preparei isto. -ergueu um pequeno frasco de cristal: brilhava quando ela o virava em sua mão, e raios de luz branca emanavam dele. -Este frasco contém a luz da estrela de Eärendil engastada nas águas de minha fonte. Brilhará ainda mais quando a noite cair ao seu redor. Que essa luz ilumine os lugares escuros por onde passar, quando todas as outras luzes se apagarem. Lembre-se de Galadriel e de seu Espelho!

Frodo pegou o frasco, e por um momento, enquanto ele brilhava entre eles, nós vimos a Senhora novamente como uma rainha, grandiosa e bela, mas não terrível. Ele fez uma reverência e não soube o que dizer.

Depois a Senhora se levantou, e Celeborn nos conduziu de volta ao ancoradouro. Uma tarde dourada se deitava sobre a terra verde daquele belo lugar, e a água brilhava em tons de prata.

—Venham! -disse Haldir. -Está tudo pronto agora para vocês. Entrem nos barcos! Mas tomem cuidado no início! -eu fui até ele o agradecendo por tudo, e ele me desejou uma boa viagem.

—Prestem atenção a essas palavras. -disseram os elfos. -Esses barcos são de construção leve, e são espertos e diferentes dos barcos de outros povos. Não afundarão, não importa quanto os carregarem, mas são teimosos se forem mal conduzidos. Seria bom que se acostumassem a embarcar e desembarcar, aqui onde existe um ancoradouro, antes de partirem correnteza abaixo.

Nos dividimos da seguinte forma: Aragorn, Frodo e Sam num barco, Boromir, Merry e Pippin em outro, e no terceiro fomos eu, Legolas e Gimli, que tinham agora se tornado grandes amigos. Logo percebi que no nosso foram colocadas a maioria dos mantimentos e das mochilas.

Os barcos eram movimentados e dirigidos com remos curtos, que tinham lâminas largas em forma de folha. Quando tudo estava pronto, Aragorn nos conduziu num teste, subindo o Veio de Prata. A correnteza era forte e nos avançávamos devagar.

Sam ia sentado na proa, agarrado às bordas e olhando ansioso para a margem que se distanciava. A luz do sol, brilhando na água, ofuscava seus olhos. Quando passamos além do campo verde, as árvores se aproximavam da beira do rio.

Aqui e ali, folhas douradas voavam e flutuavam na correnteza ondulada. O ar estava muito claro e calmo. E tudo estava quieto, a não ser pelo canto alto e distante das cotovias.

Finalmente tudo ficou pronto. Gritando adeus, os elfos de Lórien, com grandes varas cinzentas, nos empurraram para a correnteza, e as águas ondulantes nos levaram lentamente para longe. Nós estávamos quietos, sem se mover ou conversar. Na margem verde próxima à água, a Senhora Galadriel parou sozinha e em silêncio.

Quando passamos por ela, todos nos voltamos, e nossos olhos observaram-na lentamente flutuando para longe. Pois foi essa a impressão que tivemos: Lórien estava se distanciando, como um navio claro cujos mastros eram árvores encantadas, navegando para praias esquecidas, enquanto nós sentávamos desamparados na margem do mundo cinzento e sem folhas.

Enquanto olhávamos, o Veio de Prata passou, entrando nas correntezas do Grande Rio, e os barcos viraram e começaram a tomar velocidade em direção ao Sul. Logo a forma branca da Senhora era pequena e distante. Ela brilhava como uma janela de vidro sobre uma colina ao longe no sol poente, ou como um lago remoto visto de uma montanha: um cristal caído no colo da terra. Então eu tive a impressão de que ela levantara o braço num último aceno, e distante, mas perfeitamente claro, vinha com o vento o som de sua voz cantando uma música de adeus.

De repente o rio fez uma curva, e as margens se ergueram dos dois lados, e a luz de Lórien se escondeu. Àquela bela terra em que eu jamais voltaria.

Enfim nós voltamos nossa atenção para a viagem. O sol estava à nossa frente e ofuscava nossos olhos cheios de lágrimas. Gimli chorou abertamente em seu adeus.