— Aquele? — disse o proprietário, cochichando uma resposta, erguendo a sobrancelha sem voltar a cabeça. — Não sei ao certo. É um dos errantes, os guardiões, como os chamamos. Raramente fala, no máximo conta uma história diferente, quando lhe dá na cabeça.Desaparece por um mês, um ano, e então aparece de novo. Chegou e partiu com bastante frequência na última primavera, mas não tem vindo muito aqui nos últimos tempos. Nunca ouviu seu verdadeiro nome, mas é conhecido como Passolargo. Suas pernas longas andam numa velocidade muito grande, mas ele não conta a ninguém o motivo de tanta pressa. Não dá para explicar o leste e o oeste, como dizemos aqui em Bri, referindo-nos às excentricidades dos guardiões e do pessoal do Condado, sem querer ofender o senhor. É interessante que tenha perguntado sobre ele. Pois ele fez o mesmo a pouco sobre si.

Ao perceber que olhávamos para ele, este fez um pequeno aceno chamando Frodo, que ficou tenso e indeciso.

—Pode ir, se assim desejar meu bom amigo, não sinto más intenções sobre aquele homem, na verdade, diferente de sua aparência ele me parece ser uma boa pessoa. -Frodo me sorriu mais calmo e foi até o homem.

—Aonde foi o senhor Frodo? -apontei com a cabeça sem me virar, e Sam teve uma visão total do que ocorria atrás de mim. -O senhor Frodo não me parece está apreciando a conversa com o homem. -me virei no exato momento que Passolargo apontava para o balcão, e assim como Sam e Frodo observei abismada um Pippin embriagado falar sobre a festa de Bilbo e apontar para Frodo.

—Bolseiro? Ali está um Bolseiro, Frodo Bolseiro, meu primo de terceiro grau por parte de mãe. -vi Frodo correr, mas só entendi o real estrago da situação em que estávamos quando este ao puxar Pippin caiu e simplesmente sumiu.

Todos, sem exceção, sugaram o ar assustados, e no alvoroço nos olharam feio. Vi de relance Passolargo na beira da escada puxar um Frodo aturdido para descer em direção ao nosso quarto, e avisei a Sam.

—Peço desculpas pelo ocorrido senhor Carrapicho. Não foi intenção de meu amigo assustar as pessoas. -algumas delas já saiam do local rabugentas e verdadeiramente assustadas, e a grande maioria ainda nos olhava feio.

—Tudo bem senhorita, mas peça a seu amigo que não me apronte mais dessas enquanto estiverem aqui. -e bateu na testa mais uma vez. -Acabei de me lembrar de algo muito importante. Diga a seu amigo Monteiro que já passo em seu quarto, tenho algo a tratar com ele.

—Sim senhor, e novamente me desculpe pelo incomodo. -sai as pressas para o quarto onde todos já deveriam estar.

—Chamam-me Passolargo. E embora possa ter esquecido, seu amigo prometeu conversar comigo em particular. -respondeu ele enquanto eu entrava pela porta. Me assustei com uma espada longa apontada para meu pescoço. -E quem seria a senhorita, e o que faz aqui?

—Tire isso do pescoço dela. -gritou um Sam irritado.

—Me chamo Aura senhor Passolargo. E este também é meu quarto. -sorri calma, sabia que aquele homem jamais me faria mal. Ele me olhou e abaixou a espada fazendo uma pequena reverência.

—Peço que perdoe os mal modos de um velho viajante, mas entenda que não esperava uma jovem viajando com um grupo de Hobbits, muito menos dividindo um quarto com eles.

—Ora seu... -Merry se enfureceu, mas eu me pus a frente o parando.

—Entendo bem o que dizes, e não se preocupe, não me sinto nem um pouco ofendida, na verdade eu não poderia estar em lugar mais e menos seguro agora, se é que me entende.

—O senhor disse que poderia me dizer algo do meu interesse. -começou Frodo. -O que é?

—Várias coisas! -respondeu Passolargo. - Mas, é claro, tenho meu preço.

—Que quer dizer? — perguntou Frodo secamente, e nos olhávamos de um para o outro.

—Não se assuste! Direi o que sei, e darei bons conselhos ao senhor, mas vou querer uma recompensa.

—E qual será ela? Eu pergunto. -disse Frodo com raiva na voz.

—Nada que não esteja ao seu alcance. -respondeu Passolargo com um sorriso lento, como se adivinhasse os pensamentos de Frodo. - Apenas isto, deve me levar junto com vocês, até que eu queira abandoná-los.

—Ah, é?! -retorquiu Frodo surpreso, mas não parecia muito aliviado. -Mesmo que precisasse de mais um companheiro, eu não concordaria com uma coisa dessas, não antes de saber mais sobre o senhor e suas atividades.

—Direi o que sei, e deixarei a recompensa por sua conta. Ficará feliz em garanti-la, depois de me ouvir.

—Então prossiga! -disse Frodo. -O que o senhor sabe?

— Muito! Muitas coisas obscuras. -disse Passolargo com uma voz triste. - Mas em relação ao seu negócio... -ele se levantou e dirigiu-se até a porta, abrindo-a e olhando para fora rapidamente. Depois fechou-a sem fazer ruído e sentou-se de novo. -Tenho ouvidos atentos. -continuou ele, abaixando a voz. -E, embora eu não possa desaparecer, já cacei muitas coisas ferozes e espertas, e geralmente posso evitar que me vejam, se desejar. -olhou-nos um por um, parando por um tempo em mim curioso. -Agora, não me leve a mal! -grunhiu ele, logo que Frodo levantou-se da poltrona e Sam ficou em pé com ele. -Cuidarei melhor do segredo do que vocês.E é preciso muita cautela! -inclinou-se para frente e olhou-nos nos olhos. -Vigiem cada sombra! -disse ele em voz baixa. -Cavaleiros Negros passaram por Bri. Na segunda-feira,um desceu pelo Caminho Verde, pelo que dizem, e um outro apareceu mais tarde, subindo o Caminho Verde vindo do Sul. -fez-se silêncio. Finalmente Frodo falou para nós.

—Deveria ter adivinhado pelo jeito com que o porteiro nos recebeu. -disse ele. - E o proprietário da estalagem parece ter ouvido alguma coisa. Por que fez pressão para que nos juntássemos ao grupo? E por que raios nos comportamos como perfeitos idiotas? Deveríamos ter ficado aqui, quietos.

—Teria sido melhor! -disse Passolargo.

—Bem, apesar da aparência de patife, eu sei que tenho, não tenho? -disse Passolargo, crispando o lábio e com um brilho estranho nos olhos. -Mas espero que possamos nos conhecer melhor.Quando isso acontecer, quero que me explique o que aconteceu na sua queda, pois aquela pequena travessura...

—Foi puro acidente! -interrompeu Frodo.

—Imaginei! -comentou sombriamente Passolargo. -Acidente, então! Aquele acidente os colocou numa situação perigosa.

—Não muito mais perigosa do que já era. -arremedou Frodo. -Eu sabia que esses cavaleiros estavam me perseguindo, mas agora, de qualquer forma, parece que perderam meu rastro e foram embora.

—Não deve contar com isso! -disse Passolargo categoricamente. -Eles voltarão. E mais estão a caminho. Há outros. Sei quantos são. Conheço esses Cavaleiros. -parou, e seus olhos ficaram frios e duros. -E há algumas pessoas em Bri que não merecem confiança. -continuou ele. -Bill Samambaia, por exemplo. Ele tem o nome sujo na região de Bri,e pessoas estranhas o visitam. Devem tê-lo notado em meio ao grupo, um sujeito moreno e sarcástico. Estava bastante íntimo de um dos estranhos do Sul, e eles se esgueiraram para fora logo depois do seu "acidente". Nem todos esses sulistas têm boas intenções, e quanto a Bill Samambaia, este venderia qualquer coisa a qualquer pessoa e seria capaz de fazer maldades só para se divertir.

—O que Samambaia vai vender, e o que o meu acidente tem a ver com ele? -perguntou Frodo, ainda determinado a não entender as alusões de Passolargo.

—Informações sobre você, é claro. -respondeu Passolargo. -Um relatório da sua façanha seria de grande interesse para certas pessoas. Depois disso nem precisariam saber seu "nome verdadeiro". -todos nos olhamos nesse momento. -Parece-me muito provável que saberão de tudo antes do fim da noite. Já é o bastante? Pode fazer o que bem entender a respeito da minha recompensa, levar-me como guia ou não. Mas devo dizer que conheço todas as terras entre o Condado e as Montanhas Sombrias, pois andei por elas durante muitos anos. Sou mais velho do que pareço. Posso ser útil.Terão que abandonar a estrada aberta depois do que aconteceu esta noite, os cavaleiros estarão vigiando noite e dia. Vocês podem escapar de Bri, e conseguir avançar enquanto o sol estiver alto, mas não vão chegar muito longe. Eles vão alcançá-los num local deserto, em algum lugar escuro onde não possam conseguir socorro. Querem que os encontrem? Eles são terríveis!

Sim, aquelas coisas me assustavam, me davam pesadelos. Ele não precisava nos assustar, já estávamos assustados o suficiente por toda uma vida. Tinha certeza que se um dia eu voltasse para casa, teria mais pesadelos do que antes. Escondi a sombra de um sorriso que queria despontar em meu rosto com o pensamento de que minha mãe jamais me aterrorizaria de novo, ela era agora fichinha comparada aos Cavaleiros Negros.

Os hobbits o olhavam, e eu deixei meus devaneios para descobrir o porque de tanta observação. Vimos surpresos seu rosto se contorcendo, como se estivesse sentindo dores, e as mãos agarravam os braços da poltrona apertando-a como se esta fosse um insulto a sua pessoa. A sala estava muito quieta e a luz parecia ter diminuído. Por um tempo, Passolargo ficou parado, com os olhos distantes, como se vagasse em lembranças longínquas, ou escutasse ruídos da noite ao longe.

—É isso! -exclamou ele depois de uns momentos nos assustando (quase pulei de onde estava). -Talvez eu saiba mais do que vocês sobre esses perseguidores. Vocês os temem, mas não os temem o suficiente, ainda. Amanhã terão que escapar, se puderem. Passolargo pode levar vocês por caminhos que raramente são usados. Vão deixar que os acompanhe? -ele perguntou agora mais calmo.

Os hobbits começaram a discutir entre si, e Sam parecia o mais irredutível em deixa-lo vir conosco.

—O senhor é amigo de Gandalf, ou estou enganada? -ele me olhou curioso e avaliativo. -Foi ele que pediu para que viesse ao nosso encontro, não foi? -mas antes que ele pudesse me responder alguém batia na porta.

Frodo abriu a porta para o estalageiro, e este disse ter algo que lhe foi confiado por Gandalf, uma carta para ser mais preciso, e depois de muita confusão onde o senhor se assustou com Passolargo em nosso quarto, e uma pequena briga entre o senhor Carrapicho e Frodo, onde este ultimo teve de admitir seu verdadeiro nome para que o homem enfim lhe estendesse acarta que lhe pertencia. "Sr. FRODO BOLSEIRO, BOLSÃO, VILA DOS HOBBITS, NO CONDADO", assim estava endereçada.

Nesta carta Gandalf o mandava fugir logo e o encontrar em Valfenda que ele iria assim que pudesse. Dizia também que poderíamos -com sorte- encontrar na estrada seu amigo "Passolargo" (e isso gerou algumas caras surpresas na sala), que estava por dentro de todo o assunto e o poderia ajudar. Prometeu que se não conseguisse chegar lá, Elrond Meio-Elfo o aconselharia e ajudaria. Pedia fervorosamente que não viajasse à noite e que não "o usasse novamente por motivo algum". E lhe dizia o verdadeiro nome de Passolargo.

—Qual o seu verdadeiro nome? -perguntou Frodo para confirmar com o que estava escrito na carta.

— Sou Aragorn, filho de Arathorn, e se em nome da vida ou da morte puder salvá-los, assim o farei. -senti uma forte tontura, mas apenas me vi caindo e quando percebi já estava no chão, todos me olharam assustados e eu coloquei a mão na testa sentindo-a ainda forte. -Você está bem? -Aragorn agora a minha frente me colocava no colo preocupado, e pouco depois senti-o me colocar no colchão.

—Precisamos sair desse quarto. Por favor senhor Carrapicho, o senhor poderia nos ajudar? -o homem estava em divida com Gandalf e com Frodo por ter se esquecido de enviar a carta, então prontamente se dispôs a nos ajudar. -Não podemos sair, eles estão vindo. -os hobbits me olharam ficando brancos de medo.

—Quem está vindo? -perguntou o pobre estalageiro.

—Cavaleiros Negros, e estão se aproximando rapidamente. -o homem empalideceu. -Por favor nos coloque em outro quarto sem dizer a ninguém, precisamos sair daqui agora.

—Como sabe que estão vindo? -perguntou-me um revoltado Aragorn.

—Explicamos no novo quarto, por hora saiba que só chegamos vivos aqui graças a ela. -Frodo se pôs a minha frente protetor. -Consegue se levantar? -perguntou-me cuidadoso apertando minha mão.

—Acho que... -Aragorn me colocou em seus braços novamente.

—Vamos, não temos tempo a perder. Ficarão em meu quarto, nele ninguém desconfiará que estão, e não chamaremos atenção indo para lá.

—Mas não tenho como colocar camas para todos... -começou o homem mas Aragorn o cortou.

—Não precisarão de camas, a movimentação chamará atenção desnecessária, apenas leve alguns lençóis, os forraremos no chão e dormiremos assim. E não importa o que aconteça, confirme que os hobbits nunca chegaram a sair do quarto depois que voltaram a ele. -comandou Aragorn saindo comigo em seus braços do quarto com os outros pegando tudo e correndo em seu encalço.

Não houve barulheira ou algazarra, a mudança de quarto foi tão silenciosa que nem um rato teria nos notado, e logo estávamos todos acomodados no pequeno quarto do Guardião. Eu fui colocada na cama cuidadosamente e todos os outros se organizaram no chão. Em menos de vinte minutos os rapazes em sua maioria já cochilavam. Apenas eu, Frodo e Aragorn permanecíamos bem acordados.

—Estão aqui. -murmurei baixinho e como que cronometrado Aragorn apagou a vela com a ponta dos dedo nos deixando no escuro.

Poucos minutos depois observamos horrorizados pela janela a nossa frente os Cavaleiros Negros fincarem suas espadas nas nossas antigas camas e ficarem furiosos ao não matar realmente ninguém ali. Os outros acordaram assustados com os silvos agudos de revolta dos monstros. Não ousamos trocar nenhuma palavra quem dirá um olhar, e mesmo depois de muito tempo que as criaturas horrendas tinham se esvaído para nos caçar, permanecemos em silêncio. Nenhum de nós conseguiu dormir mais aquela noite.

Antes de o sol nascer já nos arrumávamos apressados, e o café já estava posto para nós.

Bem! -disse Aragorn. -Com suas permissões Passolargo será o seu guia. Pegaremos uma estrada difícil. Mesmo que consigamos deixar Bri sem dificuldades, não é de esperar que possamos sair sem sermos notados. Mas tentarei fazer com que nos percam de vista o mais cedo possível. Conheço um ou dois caminhos que saem desta região sem passar pela estrada principal. Assim que dispersarmos os perseguidores, iremos em direção ao Topo do Vento.

—Topo do Vento? -perguntou Sam. -O que é isso?

—É uma colina, ao norte da estrada, mais ou menos a meio caminho entre Valfenda e Bri. De lá se pode ter uma boa vista de toda a região, e teremos uma chance de olhar à nossa volta. Gandalf vai naquela direção, se for atrás de nós. Depois do Topo do Vento, nossa viagem vai ficar mais difícil, e teremos de escolher, entre vários perigos, quais iremos enfrentar.

—Quando viu Gandalf pela última vez? -foi a vez de Frodo perguntar. -Sabe onde ele está ou o que está fazendo?

—Eu não sei. -disse ele. -Vim com ele para o Oeste na primavera.Frequentemente eu ficava vigiando os limites do Condado nesses últimos anos, quando ele estava ocupado em algum outro lugar. Raramente ele permitia que o Condado ficasse sem proteção.Vimo-nos pela última vez em primeiro de maio, no Brandevin. Ele me disse que os negócios com você tinham corrido bem, e que você estaria partindo para Valfenda logo que possível. Como sabia que ele estava ao seu lado, fiz uma viagem por conta própria.E a coisa não saiu bem, não há dúvida de que ele recebeu alguma notícia, e eu não estava perto para ajudá-lo.

—Como podemos ter certeza de que os Cavaleiros Negros não nos esperam próximos daqui? -perguntei ansiosa, estava me sentindo melhor, mas o medo que vinha sentindo ultimamente não estava me fazendo nenhum bem.

—Pedi para o estalageiro enviar um de meus cavalos cidade à fora, a noite, com as roupas sujas de vocês, ele poderá cavalgar por dias se não for pego. -afirmei mais tranquila. -Agora comam rápido que precisamos ir, principalmente a senhorita, está com uma cor estranha desde o ocorrido.

Comemos e a todo o momento um deles me oferecia algo para comer, preocupados com minha saúde. Sam foi o primeiro a terminar e saiu do quarto com suas coisas, mas não demoramos a segui-ló. Frodo pagou por nossa estadia, e quando fui agradecê-lo envergonhada ele apenas me disse.

—Se todo o meu dinheiro pagasse metade da dívida que tenho como você, então senhorita Aura, eu a daria de bom grado. -não havia como lhe responder, então apenas lhe sorri agradecida.

Aragorn colocou todas as coisas deles no cavalo, assim como as suas, e se ficou surpreso por eu não possuir nada, não demonstrou. Nos guiou pela estrada lamacenta da cidade ainda escura, e eu podia jurar que olhos nos observavam pelas frestas das portas e janelas das casas. Passamos pela porta derrubada do muro de madeira e o cheiro de sangue era forte ali.

—Eles pisotearam o porteiro. -disse um pesaroso Aragorn.

—Pobre homem. -comentei tristemente.

Caminhamos em silencio por algum tempo, até que nos desviamos da estrada e Aragorn começou a falar sobre o caminho que pegaríamos. Seu plano, pelo que podíamos entender sem conhecer a região, era ir em direção a Archet primeiro, mas manter a direita e passar pela aldeia do lado leste, e então atravessar o mais diretamente possível as terras selvagens, até chegar ao Topo do Vento. Fazendo esse caminho, se tudo corresse bem, provavelmente evitaríamos segundo ele, uma grande volta que a estrada dava em direção ao Sul, para desviar do Pântano dos Mosquitos. Mas, é claro, não aguentaríamos passar pelo pântano sozinhos, e a descrição feita por Aragorn não era nada encorajadora.

Posso dizer com toda a certeza que se não fosse pelo ocorrido da noite passada estaríamos nesse momento apreciando melhor nossa viagem. O sol ainda nascia, e por isso não estava tão quente, a floresta era bonita, e parecia nos passar uma tranquilidade incomum, sem falar em nosso guia que caminhava confiante a nossa frente, mesmo por caminhos estreitos e que pareciam poucos usados, com toda certeza nos perderíamos ali sem ele. Mais de uma vez parei para colher algumas ervas medicinais e algumas que nos serviriam de tempero que encontrava pelo caminho, não sabia quando ou se precisaria usa-las, mas sempre me diziam que seguro morreu de velho. Sabia que Aragorn me observava de rabo de olho sempre que eu parava para colher algo, mas até o momento nada comentou sobre o assunto.

Por três dias caminhamos sem problemas, não havia mais nenhum sinal dos cavaleiros nem nada que nos perseguisse. Saímos da floresta e adentramos em um terreno pedregoso e lamacento, precisávamos tomar cuidado redobrado para manter os pés secos mas a medida que avançávamos mais perigosa a situação se tornava.

Aragorn nos explicou que o pântano era enganador e traiçoeiro, e não havia trilha permanente, nem mesmo para eles, os Guardiões, porque os charcos sempre mudavam de lugar.

As moscas começavam a atormentá-nos, e o ar se enchia de nuvens de pequenos mosquitos que nos subiam pelas mangas e entravam nos cabelos. Fiz o que pude com um coque bem apertado acima da cabeça, mais nada podia fazer com aquele vestido, mas não deveria reclamar, tinha três mudas de roupa agora dada-me pela mulher do estalageiro, e nem tinha tido tempo de agradece-lá por isso.

—Estou sendo devorado vivo! -gritou Pippin. -Pântano dos Mosquitos! Aqui tem mais mosquito que pântano!

—O que comem para sobreviver quando não conseguem pegar um hobbit? -disse Sam amuado, coçando o pescoço.

—Ou homens! -completei já cansada de brigar com os mosquitos e de me bater. Mas me arrependi de abrir a boca quando engoli alguns.

Por dois dias sofremos com aquelas pestes nos comendo vivos, na primeira noite não conseguimos dormir, mas na seguinte o cansaço nos venceu. Mas foi no meio do quinto dia que deixamos as ultimas poças do pântanos, com Sam dançando alegremente por se livrar enfim dos malditos mosquitos.

Agora no horizonte ao leste, podiam ver uma fileira de colinas. A mais alta delas ficava à direita e um pouco separada das outras. Tinha um topo em forma de cone, levemente aplainado na parte mais alta.

—Aquele é o Topo do Vento. -disse calmo Aragorn. -A Estrada Velha, que deixamos lá atrás à nossa direita, passa ao sul dele perto de sua base. Chegaremos lá amanhã por volta do meio-dia, se formos reto naquela direção. Suponho que seja o melhor a fazer. -ele suspirou parecendo cansado. -Gostaria de encontrar Gandalf lá, mas a esperança é pequena. Se é que ele está vindo para cá, pode ser que não passe por Bri, e assim não saberá o que estamos fazendo. E, de qualquer forma, a não ser que por sorte cheguemos lá quase juntos, não nos encontraremos, não será seguro para ele ou para nós permanecer ali esperando por muito tempo. Se os Cavaleiros não conseguirem nos encontrar na região deserta, é provável que também se dirijam para o Topo do Vento. De lá setem uma vista completa. Na verdade, há muitos pássaros e animais nessa região que poderiam nos ver aqui onde estamos, de lá da colina. Nem todos os pássaros são confiáveis, e existem outros espiões mais maldosos do que esses.

Olhamos todos para o céu à procura dos tais pássaros espiões, nos sentindo desolados.

—Seguiremos seu conselho Passolargo, nos manteve seguros até aqui, não chegaríamos tão longe sem seus conselhos e caminhos, então se acha que não devemos esperar não esperaremos. -ele me olhou e continuei nada tranquila. -Mas por favor, não vamos ficar no topo, alguma coisa me diz que algo ruim nos acontecerá lá. -todos me olharam assustados, e Aragorn afirmou. Sabia que não era só um pressentimento, sabia que algo de ruim aconteceria, lembrava vagamente de que alguém se machucava lá, mas não lembrava como nem o porque.

—O que nos aconselha a fazer? -perguntou Frodo preocupado.

—Eu acho. -respondeu Aragorn devagar, como se não tivesse muita certeza. -Eu acho que a melhor coisa a fazer é ir direto para o leste saindo daqui, o mais direto que pudermos, andando na direção das colinas, e não direto para o Topo do Vento já que nossa jovem companheira não acha seguro. Ali poderemos pegar uma trilha que passa pelo sopé das colinas; ela nos levará perto do Topo do Vento pelo lado norte, há uma caverna escondida. Ali sim decidiremos o que fazer.

Caminhamos em silencio sobre o que me parecia um solo seco, haviam pocas plantas ali, a noite montamos acampamento, e Aragorn decidiu que deveria fazer vigia, estávamos muito expostos. Fiquei um bom tempo sem conseguir dormir, até que um ronco engraçado de Pippin me fez rir, e ouvi a risada breve de Aragorn, resolvi então me levantar e conversar.

—Posso te incomodar um pouco? -perguntei me levantando.

—Não posso imaginar nenhuma conversa com a senhorita que me seria um incomodo. -sorri de leve e me aproximei sentando ao seu lado.

Respirei fundo, aquela seria a primeira vez que conversaríamos a sós, e eu bem sei que ele tinha muitas perguntas para mim, assim como eu tinha para ele.