Novamente Alice

A rachadura no globo de neve


| ALICE |

Sem que eu percebesse meus pés já se moviam rapidamente para fora do jardim, meus instintos seguiam a procura de qualquer sinal da minha mãe, os gritos dela continuavam e eu continuava tentando convencer a mim mesma de que era apenas um exagero e que nada havia acontecido, era apenas exagero de um garoto estranho que falava coisas confusas e eu não compreendia.

Mas minha mãe sempre foi a pessoa mais discreta e elegante que já conheci, ela sempre foi sensata, mesmo quando algo a assustava ela tentava se manter calma, algo deveria estar acontecendo, eu não sabia se poderia ajudar ela de verdade, mas eu precisava tentar.

Olhei de relance para trás, o garoto seguia meus passos, mas parecia focado no caminho ao redor, como se tivesse tentando encontrar algo ou alguém, as atitudes dele me procupavam, mas ele não era minha prioridade.

—Mãe! - Gritei ao sair de jardim e passar a correr em direção a varanda da casa. —Por favor esteja bem... - murmurei baixinho, tentando segurar as lágrimas. Ouvi seu grito mais uma vez, parecia estar vindo de dentro de casa.

—Alice, espera! - Ouvi o garoto me chamar, tentando segurar meu braço e me impedir de correr. —Não podemos ser imprudentes, eles são perigosos.

Parei em frente a varanda e o encarei irritada:

—Se são tão perigosos assim é mais um motivo para que eu faça algo!

—Você não entende, isso é tudo maior do que imagina, eu estive te observando, você não conhece esse mundo, não pode simplesmente lutar contra algo que não entende... Temos que encontrar sua avó, ela vai entender tudo e poderá nos ajudar.

— Ta de brincadeira? Minha avó é louca e pelo visto você também! - Eu praticamente gritei, me desvencilhando de seus braços e voltando a encarar a porta principal, correndo em direção a ela.

— Sua avó não é louca! - Ele correu atrás de mim e segurou minha mão no momento em que eu pretendia girar a maçaneta da porta, por algum motivo ela parecia emperrada.

— Você por acaso a conhece? - Retruquei forçando a maçaneta.

— Não exatamente... - Ele sussurrou, tentando me impedir.

— Então como sabe? – Minha pergunta pareceu irritá-lo ainda mais, ele abriu a boca para responder, mas um novo grito da minha mãe nos assustou. —Mãe! - Forcei a porta e a abri, empurrando o garoto para o lado.

Entrei na sala procurando algum sinal de esperança, mas meu coração perdeu o ritmo e eu acabei travando exatamente onde estava enquanto me lembrava de como se respirava.

Minha mãe estava ali ajoelhada no meio da sala e quando me olhou nos olhos deixou escapar um forte soluço.

-Alice... - Sussurrou baixinho sem forças, o sangue dos seus ferimentos por todo corpo manchava todo o seu vestido e ela parecia cada vez mais fraca. — Alice... - Sussurrou de novo, fazendo com que a onda de lágrimas que eu tentei segurar por todo esse tempo saísse sem pudor. — Alice... - Dei alguns passos em sua direção com certa dificuldade, sentindo a dor pesar em meu peito, minha mãe me lançou um olhar difícil de traduzir. — Eu... Te amo...

Senti minhas mãos tremerem quando uma risada soou do topo da escada, em questão de segundos uma forte ventania nos atingiu e nos derrubou, tentei usar meus braços como apoio para não me machucar e senti o ar ficar um pouco mais pesado.

— Mãe... - Murmurei preocupada, a encarando no exato momento em que um homem ruivo e mascarado havia aparecido e erguido uma de suas mãos sobre ela.

— É um aviso, Alice! - Ele começou a fechar a mão lentamente e minha mãe pareceu começar a sufocar.

— Não! - Gritei entre lágrimas, me levantando um pouco tonta e correndo em sua direção.

O homem me lançou um último olhar.

— Não ouse quebrar o equilíbrio das trevas! - Ele disse, por fim, fechando as mãos com força e desparecendo de vez.

Minha mãe caiu no chão, sem forças, o olhar vazio, os ferimentos aumentando gradativamente a mancha de sangue em volta de si e sua respiração parecia um tanto mais fraca.

- Mãe... - Me ajoelhei ao seu lado, tremendo enquanto tocava seu rosto, ela sorriu fracamente, me fitando por um segundo e logo seu olhar perdeu o foco.

Ela não mais respirava.


. . .

Olhando ao redor tudo estava estranho, distorcido, a realidade parecia ter sido alterada, meu corpo estava travado no lugar e, por mais que eu deseja-se me mover, tudo o que podia fazer era permanecer onde estava, sentindo o frio cortar minha pele e o tremor me dominar.

-Era o que estava tentando lhe dizer... - White resmungou, se ajoelhando a minha frente e entrando em meu campo de visão. -Eu sei que é pedir demais que acredite em um estranho, sei que nunca me viu em sua vida e sei que não imaginou que coisas assim fossem reais, mas eu estou para o bem de sua família e precisamos da sua avó.

Eu olhava para minhas mãos, estavam cobertas de sangue, meu vestido estava manchado, meus sapatos estavam sujos, minha sanidade estava começando a desaparecer e meu coração estava manchado, não de sangue, mas de dor e ódio.

—Minha mãe... - Sussurrei ainda tremendo, White segurou calmamente minha mãos e começou a me levantar.

—Eu sei como se sente, Alice... Mas aqui não é seguro. - Ele sussurrou, me afastando um pouco do sangue e do corpo sem vida a nossa frente.

—Não... Não... Mãe!

—Minha pequena... - A portinha que levava a cozinha se abriu e de lá vi minha avó saindo, ela parecia um pouco mais pálida que o normal e seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar.

—Vovó! - Solucei e voltei a chorar, sentindo a dor voltar com mais força, ao mesmo tempo em que um pequeno sentimento de alívio tentava ganhar espaço.

—Alice, aqui não é seguro... - Ela sussurrou, caminhando a passos largos em nossa direção. - Eu vi quando chegaram, mas não podia fazer muita coisa, foi tudo tão... Rápido! Eles levaram até mesmo os outros... Mas a minha filha...

Corri até ela com o pouco de força que me restava e me joguei em seus braços.

—O que está acontecendo? - Perguntei sentindo a fúria e a dor vencerem o alívio. -A mamãe...

Minha avó me abraçou e lançou um olhar a White.

—Não é o mesmo que eu conheci... - Ela resmungou e ele baixou os olhos. -Mas eu reconheceria a marca do coelho branco em qualquer lugar. - Ela respirou fundo, lançando um olhar transtornado a minha mãe e passando a me puxar para longe, assim como White estava tentando fazer. - Foi a rainha? - Ela perguntou, não conseguindo conter as lágrimas.

—A rainha está morta, mas tem uma sucessora... - White respondeu, olhando diretamente em seus olhos. -Alice, por favor, precisamos da sua força e sua sabedoria.

Minha avó negou em silêncio, me abraçando mais forte.

— Eu não sou mais a mesma de antes. Meu tempo já passou, pequeno coelho. Uma velha como eu não seria muito útil e... - Ela respirou fundo. - Não sei se tenho forças para tamanha perda.

— Que bom que sabe! - Uma voz sussurrou atrás de nós, fazendo meu corpo se arrepiar.

Outro homem havia surgido, este não havia usava máscara, mas parecia tão perigoso quanto o primeiro. Ele segurou minha avó com força e a afastou de mim, olhando em meus olhos com um sorriso disfarçado.

White parou ao meu lado, era óbvio o quando estava irritado.

—Solte-a! - Ordenou, mas o homem apenas pareceu rir.

Ele usava uma capa longa e preta, possuía o cabelo preto com as pontas vermelhas e os olhos de ambas as cores, o homem empurrou minha avó para trás, estranhamente mais dois soldados ruivos apareceram e a seguraram enquanto o estranho se aproximava mais de mim forma sutil, como um animal feroz prestes a atacar sua presa.

— Ora, ora vejamos se não é o coelhinho branco e suas doninhas irritantes! - Ele comentou em um tom irônico.

— Maldito insuportável, você se acha demais! - White se pôs ao meu lado e retirou do pescoço uma corrente transparente, a quebrando com a mão. A principio nada aconteceu, mas em poucos segundos ela passou a brilhar e a se transformar numa espada toda feita de cristal.

— Meio tarde, não? - O homem sorriu de lado e apontou aos dois soldados que haviam surgido, ambos desapareceram naquele instante, levando minha avó junto e fazendo mais alguns soldados ruivos aparecerem atrás de si.

— Não! Vó... - Estremeci aonde estava e, como que por um impulso, corri em direção do homem e tentei acerta-lhe um soco, o que foi em vão, pois ele desviou e me segurou pela gola do vestido.

— Vejam só esse projeto de Alice, até que é um pouco perigosa em... - Assim que ele terminou de falar me jogou para dois soldados que me seguraram com força.

—Me soltem seus monstros! Sorte de vocês que ninguém nunca quis me ensinar a lutar! – Ameacei chutar um deles, mas meus movimentos estavam limitados e eles eram bem mais fortes.

O líder deles apenas riu.

Sem perder tempo, White correu em direção ao homem que novamente desviou, mas diferente de mim ele foi mais rápido e passou direto sem problemas, indo em direção aos soldados que me seguravam, cortando a mão de um deles e o braço do outro, ambos gritaram e desapareceram, me libertando.

— Como esperado coelhinho, mas sua destreza não foi suficiente, não é mesmo? Afinal eu já consegui o que queria! - O suposto líder começou a rir, me apavorando mais ainda, White segurou meu braço, procurando uma abertura. — Não é tão esperto quanto pensava, não é? - Alguns dos soldado começaram a desaparecer e nós nos aproveitamos que a formação deles havia sido desfeita para fugir na direção da saída, os soldados já iam atrás de nós quando o homem os impediu. — Deixe-os, eu disse que já consegui o que quero! Por enquanto eles não me interessam!

. . .

Nós corremos sem pensar muito, passamos longe dos jardins e nos enfiamos no meio do bosque, minha casa ficava isolada, uma mansão perto de bosques e florestas e pouca civilização, jamais pensei que aquilo fosse de ser bom algum dia.

Quando paramos notei que White parecia desolado, ou melhor, irado, ele havia se apoiado em uma das arvores, deixando algumas mechas brancas do cabelo caírem sobre os olhos.

— White, tem... Tem algum jeito, não tem? De salvar minha avó? – Minha voz quase falhou, eu não conseguia sequer entender o que aconteceu ou como, eu só podia pensar em minha mãe... Em minha avó... Eu nem sequer sabia onde poderia estar os outros...

— Sim, até que tem, mas... - Ele hesitou por um instante e desistiu de falar, ainda parecia não se conter em si mesmo de tanto ódio, eu podia perceber isso só de olhar para sua expressão.

— Mas nada, me fala logo como eu a salvo!

— Não é tão fácil assim, Alice. - Ele me encarou pela primeira vez desde que chegamos ali.

— Mesmo assim, por favor, White, me diga... Como?

— É perigoso, não é uma boa...

— NÃO IMPORTA, É A MINHA FAMÍLIA, POR FAVOR, ME FALA!

— O que você, Alice, poderia fazer contra um inimigo que nem ao menos conhece? Ou melhor, contra qualquer um? - Ele me encava em desafio, eu senti o medo e a raiva me consumirem, de certo modo ele tinha razão, mas mesmo assim juntei toda minha coragem e o respondi olhando nos olhos:

—Por que não me deixa em paz então? Se não quer ajudar então me deixe aqui, sozinha, certamente vai ser mais útil! - Reclamei em alto e bom som, fazendo ele me encarar sem entender, mas eu estava cansada, se não poderia fazer nada então ficaria aqui e esperaria ser levada também. —Ela é minha avó, é tudo que tenho, por favor, White, não sei se sabe o que é uma família, mas eu digo que minha avó é o que resta da minha e eu quero muito ela de volta.

White, que a pouco estava perplexo com a minha reação, agora sorria satisfeito, custava saber se era comigo ou com ele mesmo.

Ele suspirou e se afastou, pareceu ter um dialogo consigo mesmo.

Depois de se decidir, com um estalar de dedos ele fez um buraco enorme aparecer atrás de mim, no primeiro instante eu me assustei, depois comecei a me desequilibrar, ameacei desviar, mas antes que conseguisse fugir fui empurrada por White:

— Se é assim que deseja... Vamos até onde podemos ir, ou melhor, até onde você pode ir... No país das maravilhas!