nota dez:

tulips

Nevava.

Era tudo que Rose Weasley conseguia pensar enquanto o Ford Anglia 105E deluxe sacolejava pelas ruas esburacadas dos diversos bairros bruxos cujos nomes pareciam desconhecidos, mas que exibiam identificações em placas de nanquim com exímia perfeição. O jeito menos bruxo e mais tradicionalmente trouxa de seguir de forma preguiçosa para casa, pensou; ainda num local onde se conseguiria cortar o espaço-tempo em menos de alguns segundos usando o mínimo de magia possível. Aquele silêncio, que poderia ser incômodo em proporções inimagináveis, serviu para adormecer os ânimos de uma ira quase incontrolável que sugava boa parte da racionalidade de Rose, e contra o estofado envelhecido do banco de carona os cabelos ruivos desbotados e as bochechas afogueadas murcharam em um suspiro dolorosamente profundo à medida que uma música antiga de um grupo ainda mais antigo, reverberava em um volume inaceitável pelos vidros condensados, enquanto o vento quente fazia os olhos de Rose Weasley arderem e as pontas dos dedos pouco a pouco descongelaram, tornando possível movimentá-los uma única vez até Rose uní-los novamente debaixo das coxas; ela tinha certeza que Hermione Granger vigiava todo e qualquer mínimo movimento que fizesse, por mais insignificante que parecesse. No fundo, sabia que estava sendo monitorada, que a quantidade de vezes desbloqueando o celular ou cutucando o canto das unhas foi o suficiente para fazer Hermione puxar o enferrujado freio de mão com tudo ao estacionar.

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Não tinham chegado em casa, definitivamente aquele não era, nem de longe, o habitual vilarejo: de casas tortas e chaminés fumegantes, igualmente desproporcionais. Ao invés de seguir pelas ruas escorregadiças que serpenteavam A Toca, Hermione e Rose pararam em uma padaria conhecida de um antigo bairro trouxa, onde, na opinião de sua mãe, vendiam os melhores doces e os chocolate quente mais gostoso do mundo inteiro, com uma excepcional mistura que não se poderia encontrar em qualquer muquifo bruxo pelas proximidades. Pelo menos era o que Hermione pensava, foram as experiências que teve ao longo dos vários anos transitando entre um mundo e outro, no final das contas. Passaram-se minutos que se converteram em horas, enquanto aquele silêncio, que parecia a cada instante mais rígido e igualmente difícil de se espatifar, prosseguiu.

Rose Weasley nunca tinha notado como as mãos pálidas de Hermione eram finas e delicadas, assemelhando-se a uma porcelana perfeitamente polida. Mas a culpa jamais foi só dela, afinal de contas passavam pouquíssimo tempo dividindo os mesmos ambientes, convivendo com as mesmas pessoas, administrando o exato círculo de amigos. Hermione tinha os vínculos dela, laços com pessoas ricas, importantes e cheias de uma vida mesquinha e medíocre, apesar das aparências. Rose frequentava o seu clube favorito do livro, também tinha os encontros às sextas nos bares das esquinas de bairros que nunca sequer pensou que fosse visitar um dia, lembrou-se de ter comprado uma cama grande demais, para acomodar em um apartamento grande demais, em um bairro...grande demais. Os exageros pareciam debochar da sua cara com certa frequência.

Hermione não exigiu saber muito sobre nada do que tinha acontecido àquela noite. Ao invés disso, ela destravou as portas, se desvencilhou do cinto que a prendia ao banco do motorista, procurou a carteira socada em algum lugar no fundo da bolsa e inspirou profundamente ao empurrar a maçaneta para longe e saltar entre o calçamento e o vão da porta. Recolheu o casaco no encosto do banco e vestiu por cima dos ombros sem se dar ao trabalho de enfiar os braços pelas mangas, aquilo tinha sido o aviso silencioso de que voltaria logo, em breve, que não faria muita questão de se demorar lá dentro, ainda que gostasse do ambiente requintado e confortável, ainda que as cadeiras de estofado vermelho e vinil a remetesse e mergulhasse em lembranças boas e adormecidas de certa forma. Aquilo não tinha nada a ver com ela, não era sobre o que Hermione jamais conseguiu ser, mas sobre quem Rose lutava para se tornar.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.