Emma

—Henry já está descendo. – informei retornando para a sala onde o conde e a condessa estavam sentados com Gideon entre eles, balançando os pés impacientes.

—Não precisa apressá-lo, Emma. – Belle proferiu. – Não estamos com pressa... Sem falar que não deve estar sendo fácil deixá-lo ir para longe, ainda mais que está nas férias do colégio. Aposto que deve querer ficar com ele a cada minuto. Sei disso, porque detesto me separar do meu pequeno. – explicou, bagunçando os cabelos castanhos do menino que fez uma careta, desviando do afago da mãe.

—De fato não é algo fácil, Sra. Gold... Mas o conde tem direito de passar um tempo com seu afilhado. – respondi, sentando-me.

Escutei um suspiro profundo saindo de Belle que estava com a cabeça baixa e uma expressão infeliz no rosto. Durante os onze anos que permaneci casada com Neal, a condessa tentara a todo custo retomar a amizade que um dia tivemos, todavia eu não a deixei se aproximar como um dia deixara. Era grata por tudo o que fizera por mim e tudo o que me ensinara, no entanto estar perto dela deixava-me sem ar e apertava meu peito de um modo insuportável. Belle me lembrava muito seu primo e lembrar-me dele era cutucar um machucado não cicatrizado.

Relanceei um olhar disfarçado para a mulher, estudando suas feições tão sérias. Eu nunca mais a tinha visto sorrir ou brincar como um dia presenciara. Era quase como se naquele dia, tantos anos atrás, algo tivesse sido quebrado, sem chance de consertos e eventualmente, fora jogado fora.

Uma parte importante.

—E como estão os negócios, Emma? – o conde indagou, tirando-me do devaneio em que me encontrava.

Pisquei, limpando a garganta.

—Muito bem, senhor... Não vou mentir que tive um pouco de problemas para me adaptar sem Neal para me ajudar na parte burocrática... Mas ele me deixou com bons advogados. Irei para a inauguração da filial em Lyme com meus pais no final de semana. E mudei a loja para Londres, que é onde tenho maior demanda de pedidos. Diminui a loja daqui. – expliquei. – Estou trabalhando na próxima coleção.

—Eu adoraria ver! – Belle exclamou. – Espero que as roupas estejam coloridas, diferente das que está usando agora. – indicou meu vestido cinza. – Já fez mais de um ano que Neal infelizmente partiu. Seu período de luto chegou ao fim.

Um clima estranho se assentou na sala. Mais de um ano já havia se passado desde que meu marido partira e ainda assim era estranho esse pensamento. Neal me dera uma vida tranquila e na medida do possível tivemos momentos felizes. Éramos bons amigos, cuidávamos um do outro e nos amávamos de um modo pacifico. Não havia momentos de paixões insanas, não tínhamos a necessidade de nos ver o tempo todo e nem nos tocar. Havia noites que dormíamos em quartos separados, porém sempre tentávamos dividir a cama. Ele havia cumprido com sua palavra de se esforçar para me dar uma boa vida, mesmo em seus últimos momentos quando a pneumonia estava o levando embora.

Neal havia me dado nosso filho que era o meu maior presente.

—Mas Emma decidiu manter o meio luto e acho que tomou a decisão certa. – o conde retrucou para a esposa. – Ainda está recente demais.

—Emma é nova, querido.

—Sigo com a minha vida quando achar que devo, condessa. – falei, não querendo soar rude. – Ainda não me sinto pronta para seguir. Eu amava Neal.

Belle enrugou a testa, como se não concordasse com o que eu estava dizendo e pressionou os lábios. Eu sabia em quem ela estava pensando. Em Killian. Sabia disso porque não havia um dia que eu não pensasse nele e ansiasse por ter algum tipo de notícia. Tinha conhecimento de algumas coisas que ouvia quando estava em Londres, mas não sabia dizer o que era verdade ou não. Sabia que havia abandonado a cidade e voltado para Hertfordshire com os pais, onde se enclausurou. Ajudava seu tio com a fábrica de lá, mas ninguém sabia dizer o que mais fazia. A condessa e eu parecíamos ter entrado em um acordo mutuo de nunca tocar no nome dele, mesmo que ambas estivessem se mordendo para deixar o assunto vir à tona.

Segurei a respiração com força com a lembrança do dia do meu casamento onze anos atrás. Na forma que quebrei meu garoto de olhos azuis, rejeitando-o quando estava tão feliz. Estilhaçava minha alma recordar dele de joelho pedindo para eu me casar com ele. Lembrar dele no fundo da igreja com a esperança no olhar de que eu corresse para seus braços.

Aqueles últimos momentos que tivemos juntos assombrava-me todos os dias e estava deitado ao meu lado todas as noites, principalmente quando Neal e eu estávamos tendo relações. A culpa que eu sentia por aquele dia, recusava- se a deixar meus ombros. Era Jones que vinha em minha mente sempre que me deitava com meu marido, como era seu corpo que queria junto ao meu, seu coração batendo no mesmo ritmo, provando nossa sincronia.

Não se passava um dia que não imaginasse como seria se eu tivesse o escolhido, mas ir atrás dele não era uma opção. Sabia que Killian deveria me odiar com todo o seu ser, afinal, ele conseguira sair do contrato, e correra para mim, e eu correra dele, assustada demais.

Machucada e desconfiada demais de suas palavras.

—Tio Gold! – Henry cumprimentou com vivacidade ao entrar correndo na sala. – Tia Belle. – parou de supetão, inclinando-se para frente em uma reverência.

—Veja como está grande! E tão parecido com seu pai, garoto. – o conde observou, fazendo com que Henry se aprumasse com orgulho ao ser comparado ao pai.

—Você precisa parar de crescer, mocinho. Logo estará maior que sua mãe e eu! – Belle exclamou, ficando em pé. – E como vai o colégio?

—Está bem, mas preferia não ter que voltar. Não gosto de deixar minha mãe sozinha... Quem irá protegê-la agora que meu pai não está mais aqui? – indagou, virando-se para mim. Abri os braços em um pedido para que se encaixasse ali, o qual meu menino rapidamente acatou, descansando a cabeça em meu peito.

—Ele é bem apegado a você. – a condessa comentou. – Mas só o deixaremos longe de sua mãe por duas semanas. – garantiu. Apertei Henry um pouco mais forte, não gostando da ideia de separá-lo de mim, contudo sem poder negar que fosse.

—Gideon pode ficar conosco depois? – ele quis saber. Olhei para o rapazinho miúdo e tímido que ajudara a cuidar nos primeiros meses de vida, sendo atingida por uma saudade do passado agonizante.

E uma vontade desesperada de voltar para ele, com o olhar que tinha agora das coisas.

—Se os pais dele deixarem, claro.

—Papai? – Gideon murmurou, os olhos castanhos implorando. Desde que Henry começou a andar, era comum o menino vir para casa para brincar. Ele se transformava em uma criança completamente diferente longe dos pais... Ou do pai. Era mais solto, levado até, com um riso grande de criança de sua idade. Gideon gostava de caminhar, então por muitas vezes saíamos nós dois apenas para andar, quando nos sentíamos inquietos. Sempre tivemos isso em comum, desde quando ele era apenas um bebê.

—Vamos ver. – respondeu secamente. – Acho que já devemos ir.

—Escreva-me, querido. – pedi, beijando sua testa e ajeitando seu cabelo. – E obedeça o Sr. e Sra. Gold.

—Tudo bem, mamãe. Escreva-me a senhora também, para que eu fique sabendo que está bem.

Assenti, soltando-o sem vontade alguma. Eu já deveria estar acostumada a deixá-lo ir, porque era assim todo final de verão desde que completara sete anos e fui obrigada a mandá-lo para o colégio. Tinha medo do que poderia acontecer a ele lá. Henry era muito inocente e bondoso, os outros meninos poderiam se aproveitar disso para machucá-lo. Tinha medo de perdê-lo para sempre toda vez que o verão chegava ao fim e o outono começava.

A despedida nunca era fácil, não importava qual fosse a ocasião. Fosse para ir passar uns dias com os Golds, fosse para ir para o colégio.

Acompanhei-os até a entrada e de longe vi meus pais no jardim. Minha mãe cuidava das plantas, todas as preferidas de minha avó Eva, e meu pai a observava com um sorriso no rosto e olhos apaixonados. Branca cortou uma pulmonária e a entregou para David, que riu, segurando em sua mão e a puxou para um beijo casto. Senti meu sorriso se abrindo ao observar a cena e meu peito sempre com a sensação de vazio, encheu-se de ternura.

—Sabe que existe alguém que ainda a espera, não sabe? – Belle murmurou ao meu lado, também fitando meus pais. – Alguém que você ama de verdade, Emma... Sei que, há muitos anos não me considera sua amiga, todavia eu ainda sinto que sou... Não deixe a infelicidade tomar mais espaço de sua vida. Onze anos atrás você fez a escolha que achou melhor para você no momento e sei que não se arrepende dela. Vi que teve uma boa vida, eu estive aqui. Porém não foi plenamente feliz e sim com lampejos de felicidade. Você ainda é nova e tem a chance de ser plenamente feliz ao lado da pessoa que sempre sonhou. Felicidade verdadeira todos os dias e não apenas lampejos dela. Não apenas obrigação como fora seu casamento com Neal.

Estudei-a atentamente e por fim, balancei a cabeça, cruzando os braços, fechando-me para ela, como sempre fazia quando corria o risco da condessa entrar demais.

—Eu tenho trinta e cinco anos. Ninguém em sã consciência iria me esperar. – retruquei. – E meu casamento com Neal não foi obrigação nenhuma, condessa. Eu sabia muito bem o que estava dizendo quando aceitei o pedido dele.

O olhar de Belle se tornou pesaroso.

—Talvez ele não esteja em sã consciência. Talvez sua idade não importe a mínima. Talvez tudo o que ele quer é a menina dos olhos verdes em seus braços, não importa a idade, aparência ou a classe social.

Mordi a parte interna da bochecha, tentando ignorar a forma que meu coração batia dolorido em meu peito e como meus olhos se encheram de lágrimas de repente. A ideia de que Jones ainda sofria, causava-me dor, porque nunca quis que ele se sentisse dessa forma.

—Apenas pense, Emma. Você ainda tem chance de ter uma vida assim. – indicou meus pais. – Não deixe mais a teimosia e desconfiança em seu caminho... Isso ficou no passado. Meu primo já pagou pelos nove anos e por aquela noite, que não foi planejada!

—Não fiz o que fiz por vingança.

—Lá no fundo, foi e você sabe. – rebateu. – Claro, não foi intencional, porém ainda estava ressentida por todas as outras coisas. Apesar de ter dito que estava perdoado, você guardou toda a mágoa dos nove anos longe, da forma que ele a tratou quando voltou para o condado, e então juntou a sua desconfiança sobre a noite de vocês e foi aí que tudo transbordou.

Fiquei em silêncio, sem saber como rebater sua fala, principalmente por estar certa.

Eu sentia os olhares em mim. Eu sabia que deveria estar prestando atenção ao padre e a cerimônia do meu casamento, porém eu não conseguia. Tinha que lutar contra a minha vontade de virar a cabeça e procurar por Killian para saber se estava ali para mim, como um dia pedi que me convidasse para seu casamento para que eu estivesse lá por ele.

Sabia que meu pedido para que fosse, foi de certa forma maldoso, afinal, Jones havia ido até lá para pedir minha mão, como sempre prometera fazer. Com um anel. Com um pedido de joelho e ansiedade exalando de seu corpo com a resposta. Com felicidade no olhar por aquele momento.

Por estar cumprindo com sua palavra.

Eu não queria que tivéssemos nos despedido daquela forma. Queria que tivéssemos nos resolvido e não sido separados brigados, como fora. Acreditava que se conseguisse fazê-lo me ouvir ele entenderia o meu lado e me apoiaria, independente do que acontecera entre nós. Poderíamos entrar em um acordo de que aquela noite nunca aconteceu.

—Emma Swan Charming? – um chamado austero, fez-me retornar para o presente e olhei para Neal, que fingia esperar tranquilamente, porém percebi o temor em seus olhos.

Abri a boca para responder a palavra monossilábica que colocaria um fim em tudo aquilo, quando cedi a minha vontade e procurei por Killian, sem encontrá-lo, até que meus olhos foram atraídos para uma forma saindo do fundo da igreja. As orbes azuis reluziram de esperança quando se fixaram em mim e fui capaz de ouvir todos os pedidos contidos nela.

“Venha para mim.”.... Escolha-me.”.... “Case-se comigo.... Vamos fugir daqui”

Senti a pressão em minha mão esquerda que Neal estava apertando, mas não fui capaz de desviar de Jones. Tudo o que passamos juntos se desenrolava em minha mente, desde o primeiro instante, a primeira interação que tivemos até nosso último momento em meu quarto na casa do conde. Senti-me velha ao olhar para trás, para a garota de quinze, dezesseis, dezessete... Vinte e quatro anos, apaixonada e esquecida por seu garoto. Ainda fiel a ele, mesmo sem uma notícia.

Apesar dos momentos bons, eles foram raros... Poucos, em comparação com os anos de dor e dificuldades que tive. Durou apenas um verão. Um verão que fora cheio de promessas para um futuro que nunca tivemos certeza.

Nossas boas lembranças era de um único e breve verão de quando eu tinha quinze anos. Seguida de um batalhão de recordações dolorosas de nove anos, em que voltava para casa, esperando encontrá-lo ali, depois de um dia terrível no trabalho. Nove anos que fui esquecida e que quando voltara, permiti-me ser a outra, mesmo que não tivesse a intenção de desrespeitar Milah quando ainda era noiva dele. Deixei que Killian continuasse com suas carícias mesmo sabendo que não deveria, porque não tínhamos certeza se ele conseguiria sair do contrato.

Permiti que ele me usasse. Permiti que Jones tivesse tudo de mim mais uma vez sem certeza do que teria em troca.

Entreguei-me para ele, para então vê-lo ir embora no dia seguinte como se não fosse nada.

Eu havia dado chances demais, para sempre acabar machucada no final, sendo colocada em segundo plano.

Não daria mais uma. Não iria destruir a única chance de eu ter alguém comigo. Alguém que se importava com meu bem estar.

Killian não merecia isso. Não merecia que eu sacrificasse mais nada por ele.

—Aceito. – consegui murmurar, voltando a fitar Neal que soltou o ar aliviado. Pela minha visão periférica vi Belle fechar os olhos e balançar a cabeça desapontada. Limpei a garganta e empinei o queixo. – Eu aceito. – repeti com mais forçar e certeza.

E a última coisa que vira de Jones, foram suas costas, quando ele deixou a igreja correndo.

—Nunca fui vingativa. – atalhei, fitando-a nos olhos. – Só não podia mais abrir mão de nada para dar a ele. Seu primo sempre me deixou em segundo plano na primeira oportunidade que tinha se isso garantisse que teria uma vida melhor. Não venha tentar me fazer sentir culpada.

—Isso não é verdade. – retrucou. – Ou você ainda acha que decidi passar o natal com os Odom por pura vontade?

Dei um passo para trás, tentando compreender o que estava nas entrelinhas de suas palavras.

—É isso mesmo. – respondeu ao pensamento que se formara em minha mente. – Ele escreveu pedindo que eu fosse buscá-la para que tivesse a chance de ter uma boa vida... Ele implorou para que eu achasse um modo de levá-la. O que não foi difícil, porque eu realmente gostei de você logo de cara. – deu de ombros. – Se você está aqui hoje, com suas lojas, é por causa dele... E que eu me lembre, foi você quem insistiu para que ele fosse a primeira vez. Ele sempre disse que não queria deixá-la para trás.

—Belle! – Gold chamou-a com impaciência. Gideon estava parado ao seu lado e Henry voltava do jardim, acenando para meus pais, que retribuíam. – Até mais ver, Emma. Cuidaremos bem dele.

—Tenho certeza que sim. Comporte-se, Henry... Boa viagem, condessa. – desejei, fazendo uma reverência para ela, que retorceu os lábios como se estivesse contrariada e me deu as costas.

Observei todos se ajeitarem dentro da carruagem e a vi partindo. Henry acenou até o momento que saíram da propriedade e quando não podia mais vê-los, caminhei até o jardim, sentando-me ao lado de meu pai e descansando a cabeça em seu ombro.

—Está tudo bem? – ele quis saber, beijando minha testa. Aquiesci, segurando em sua mão. – Não parece... Sabe, apesar de você já ter trinta e cinco anos, ainda conheço minha menina. Qual o problema?

Endireitei-me e beijei sua bochecha demoradamente, querendo me esconder em seu abraço como fazia quando mais nova.

—Não gosto de me separar de Henry, apenas isso... Seu brinco-de-princesa está linda, mãe. – elogiei a planta que ela mais gostava.

A mulher pequena se levantou orgulhosa, tirando as luvas e admirou seu trabalho.

—Não, é? Sua avó iria adorar!

—Tenho certeza que ela adora. Deve estar feliz de ver finalmente um jardim com tantas flores... Estão com tudo arrumado para o final de semana? – inquiri me levantando. Tinha umas papeladas para preencher no escritório e não podia ficar muito tempo à toa como estava.

—Sua mãe já preparou tudo. – David confirmou, abaixando-se e puxando uma florzinha amarela, entregando-a para mim. – Uma celidônia para você.

Aceitei-a e contemplei a pequena flor. Celidônia significava “alegrias virão”. Era a flor que minha avó Eva costumava me dar todos os dias.

Suspirei, ao constatar que o vazio em meu peito, que estranhamento pesava, era exatamente isso: falta de alegria verdadeira, algo que me fizesse feliz.

—Assim eu espero, pai.

[...]

Fechei os olhos, inspirando fundo o cheiro salgado do mar e sendo acariciada com pouca cortesia pela brisa que vinha dele. O barulho das ondas que se formavam e quebravam, parecia querer me levar a outro mundo, conforme iam limpando minha mente de qualquer pensamento, deixando-a em branco.

Estava sentada em uma amurada, as pernas balançando com o mar abaixo. Toda vez que a água se chocava nas pedras, respingava gotas frias em mim, o que causava uma sensação estranha e deliciosa. Eu havia chegado pela manhã em Lyme e tinha visitado alguns lugares, conversado com algumas pessoas que era necessário para saber como estavam os preparativos para a inauguração da loja, logo mais à noite. Os músicos estavam certos, assim como a cantora que apresentaria as arias. As comidas já estavam prontas e as bebidas terminavam de ser estocadas.

Neal me deixara com uma equipe extremamente competente de empregados.

Sabia que deveria estar no apartamento alugado para o final de semana, descansando para a noite, como meus pais estavam, todavia eu precisava ir até ali, caminhar na areia, descalça, sentindo os grãos se prenderem no meio dos meus dedos e correr atrás das espumas das ondas que quebravam na praia. Eu adorava o mar e o aroma que vinha dele, como me envolvia e parecia ser capaz de congelar o momento.

Descobrira que a aquilo me acalmava e silenciavam as coisas em minha cabeça, desde a primeira vez que visitara o litoral em minha lua de mel com Neal. Ele me levara para Marselha, que parecia ter saído de um sonho e que se tornara um dos meus lugares preferidos no mundo, ao mesmo tempo que enchia ainda mais meu coração de culpa.

—Baronesa? – uma voz baixa chamou as minhas costas. Empertiguei-me ao sentir meu corpo todo se arrepiar de pavor e abri os olhos, virando o pescoço para trás, sem me atrever dizer uma palavra.

Ali, parada, parecendo incomodada, estava a pessoa que causou meu tormento por tantos anos, pelo puro prazer de me provocar dor. Estava diferente da última vez que a vira, desde aquela tarde que tomara a melhor decisão de minha vida, mesmo com tudo que acontecera depois; se tinha uma coisa que eu não me arrependia, era de ter ido embora para Berks. Seus ombros estavam relaxados, assim como sua expressão era serena. Seus olhos eram gentis e se mostravam culpados, envergonhados de algo. Os cabelos que sempre costumavam estarem presos em um penteado ridículo, agora era usado em uma trança lateral que caia por sobre seu ombro esquerdo.

Um leve sorriso melancólico surgiu em seus lábios e a mulher se endireitou, empinando o queixo.

—Não me reconhece mais, sua inútil? – indagou com um tom brincalhão, enquanto eu franzia a testa para ela, colocando-me de pé.

—Milah. – cumprimentei-a com um breve aceno de cabeça.

Ela sorriu e devolveu o cumprimento, aproximando-se de mim com cautela.

—Sei que eu sou a última pessoa que você gostaria de ver na sua vida... – começou. – Sei de como... Infernizei você durante anos, sem motivo algum. Tenho consciência de tudo de errado e imperdoável que fiz em minha vida. – Milah engoliu em seco, forçando-se a manter seus olhos presos aos meus. – Tem anos que quero ir ao seu encontro e conversar com você, Emma. – declarou e arregalei os olhos surpresa com a informação. – Todavia sempre perdia a coragem, por sentir vergonha de tudo que fizera e sem saber se seria recebida ou se receberia a porta fechada em minha cara. Sempre tive noção de que não me trataria mal, como vingança, contudo tive medo de não ter a chance de ser ouvida... Então ouvi que estaria em em Lyme com seus pais para a inauguração da loja... Fui até o apartamento, mas me informaram que não estava. – falou. – Foi quando a reconheci de longe, sentada enquanto voltava para a casa... Tive que tentar vir aqui conversar com você, para conseguir ter a paz de consciência que tanto almejo em alcançar. Você poderia me ouvir, baronesa? Prometo não tomar tanto de seu tempo.

Olhei-a com desconfiança, de cima a baixo, estudando seu rosto marcado com a ansiedade e pela primeira vez, vi verdade e arrependimento naqueles olhos claros. Vi sentimentos e uma vontade de ser perdoada. De se tornar uma pessoa melhor.

—Claro, Milah. – concordei, de forma plácida, mantendo-me distante se caso estivesse errada. – Tenho que... Voltar para casa agora, para começar a me arrumar para a inauguração, mas terei um tempo livre, por volta das seis e meia. Apareça no apartamento que estarei esperando-a. – pedi. – Está bom para você esse horário? Caso contrário podemos deixar para amanhã...

Milah negou com a cabeça.

—Hoje está ótimo... Não consigo esperar mais... Estou esperando tem um bocado de tempo. – confessou sem graça. - Muito obrigada, baronesa. Espero que quando me ouvir, consiga tirar essa dúvida que está explicita em seus olhos sobre minhas intenções e perceba, que sou uma pessoa que está em busca de redenção... Garanto que não sou mais aquela mulher.

[...]

Minha mãe abriu a porta, enfiando a cabeça para dentro e ficou me observando enquanto terminava de prender meus cabelos. Nada muito elaborado, como sempre, apenas uma mecha de cada lado presas atrás com grampos. Naquela noite havia adicionado algumas pedrinhas brilhantes para combinar com o vestido que usava e não ficar simples demais. Um colar de pedra amarela pendia em meu pescoço em formato de sol, combinando com o azul escuro que usava.

—Você tem visita. – Branca anunciou a face em uma careta.

—Ah sim. Já estou indo... Ou melhor. Peça para que ela venha até aqui. – pedi, borrifando perfume em meus pulsos.

Minha mãe hesitou, abrindo mais a porta.

—Tem certeza?... Digo, é Milah Odom ali na sala.

Sorri, colocando-me em pé e andando até ela.

—Milah me pediu uma chance e aprendi com a senhora que devemos dá-la quando percebemos que as pessoas estão realmente arrependidas. Eu sinto que a intenção dela é das melhores, mãe, então irei dar essa chance a ela.

Branca abriu um sorriso luminoso e esticou a mão, afagando meu rosto.

—Que orgulho que eu sinto da mulher que você se tornou, filha. Sempre tive orgulho... Mas veja tudo o que conquistou, tanto no plano físico, como no plano espiritual. Perdoando aqueles que lhe fizeram mal... Se fosse antes, você não teria essa atitude.

—É que eu aprendi também, que quando perdoamos, ficamos mais leves. Carregar pesos conosco apenas atrasa nossa caminhada em direção a algo melhor. Há anos não sou mais aquela pessoa teimosa e geniosa.

A pequena mulher assentiu, fitando a aliança que eu ainda usava.

—Neal ajudou-a a tomar as rédeas e a desacelerar. – constatou. – Ele foi a melhor coisa que aconteceu para você...

Forcei um sorriso e concordei com sua fala.

—Mas o fato de ter sido a melhor coisa, não quer dizer que foi a que a fez feliz. – concluiu. – Talvez a pessoa que é hoje, que se tornou enquanto esteve ao lado de Neal, foi para acompanhar o ritmo dele. Você sempre foi agitada e brilhante, como se água borbulhante corresse em suas veias... E quando se casou, tornou-se morna. Não estou dizendo que é algo ruim isso, só que... Parece que deixou aquela Emma para trás como forma de castigo pela sua escolha. Como se sentisse que não merecia mais aquela coragem, ousadia... Aquele brilho... – Branca ponderou por um instante. – O peso que você carrega não é das pessoas que precisa perdoar e sim do perdão que precisa receber.

Conti um suspiro que ameaçou surgir.

—Pedir perdão, Emma, é o que mais nos livra dos pesos que atrapalham nossa caminhada. Requer coragem para pedir perdão. Coragem e sinceridade. Porque um perdão pedido sem vontade, de nada adiante.

—Eu não me sinto culpada por escolher Neal... Não acho que devo pedir perdão a Killian. – retruquei e praguejei mentalmente ao ver os lábios de minha mãe se esticando como se tivesse tido uma confirmação.

—Você acabou de se entregar. – observou divertida. – E eu nem precisei fazer nada, nem toquei no nome dele... E saiba que continua teimosa. Acabou de comprovar isso.

Balancei a cabeça, voltando a me sentar no banquinho da penteadeira.

—Eu sou a última pessoa que ele deve querer ver na vida... A senhora lembra que no início mandei cartas, nunca obtive respostas... Eu tentei ser presente como amiga na vida dele.

—Killian nunca a quis como amiga, filha. Soube disso da primeira vez que o vi na cerca dos trigais, admirando-a. Parecia um bocó, babando de boca aberta e quando você se aproximou, ele só faltou sair correndo ao perceber que tinha sido visto. – riu sozinha, os olhos distantes e com uma certa nostalgia, que começava a deixá-los marejados. Branca piscou e fungou. – Às vezes, por incrível que pareça, sinto falta daquela época, da simplicidade das coisas.

—Eu também sinto, mãe. Apesar de tudo, tivemos momentos muito felizes.

Branca concordou, dando-me as costas.

—Irei pedir para Milah entrar, que não podemos nos atrasar para a inauguração da Pervinca... Peço para que tragam chá?

—Por favor, mãe. E algumas bolachinhas também.

—As de manteiga?

—Exatamente essas.

Ela assentiu, rindo sozinha de um pensamento que tivera e se retirou, sumindo pelo corredor e tão logo ouvi passos hesitantes se aproximando. Coloquei-me de pé, aguardando que Milah aparecesse, o que levou apenas alguns segundos. Ela ainda usava o mesmo vestido de mais cedo, todavia os cabelos agora estavam presos em um coque. A morena fez uma reverência, estancada a porta, como se não soubesse o que fazer.

—Entre, Milah. E fique à vontade, por favor. – indiquei a cama para que ela se sentasse e fui fechar a porta. Observei-a tentar se ajeitar, enquanto estudava as malas abertas no canto do quarto. – Não achei que compensava desfazê-las, já que vou embora amanhã pela noite. – expliquei e Milah anuiu, como se entendesse. – Então... Está em Lyme com seus pais? Como estão eles?

As perguntas fizeram com que ela voltasse sua atenção para mim. Milah brincou com um enfeite do vestido nervosamente e limpou a garganta.

—Eu moro agora em Lyme. Cansei de Londres tem alguns anos. – falou com um dar de ombros. – Lá ficou meio insuportável depois que minha mãe faleceu.

—Ah. Eu sinto muito, Milah. – murmurei com sinceridade. – Faz muito tempo?

—Uns dez anos, mais ou menos. Ela meio que piorou depois daquele dia em que Killian e eu rompemos o noivado... Bem, que ele rompeu comigo para ir atrás de você. – fez um gesto sem graça em minha direção.

—Jones não foi atrás de você para reatar o noivado? – inquiri, puxando o banquinho da penteadeira para perto da cama.

Milah fez que não, soltando um riso dolorido.

—Só voltei a vê-lo uns dois anos depois, mais ou menos, quando fui passar uma temporada em Hertfordshire com meu pai e a Loreta... Loreta era a amante de meu pai, curiosamente, a mulher me aceitou como filha. Vivi com eles por uns anos, mas quando ficou claro que eu não me casaria, decidi sair de Londres e vir viver na casa que era dela aqui... – mexeu as mãos de modo vago. – Eu quase não o reconheci quando trombei com ele, estava sem barba... Sabe, fiquei surpresa quando descobri que estava casada, mas não com Killian. – comentou. – Porque... Ele fez de tudo mesmo para romper nosso noivado.

—É complicado e uma longa história. – balbuciei.

—Ah, eu sei. Você não acreditou que ele voltaria... Killian e eu desenvolvemos uma certa amizade, trocamos correspondências sempre e ele me contou tudo. – explicou. Deixei a exasperação tomar meu corpo ao saber que Jones trocava cartas com ela, mas nunca respondera uma minha. – Enfim, eu vim até aqui para pedir perdão a você por todos aqueles anos. Por todos os insultos... Nunca fui e nem serei melhor que você, Emma... Sem falar que somos meio que parecidas... Ou éramos, não sei.

Franzi a testa, tombando a cabeça para o lado.

—O que quer dizer?

Ela sorriu docemente e olhou nos meus olhos.

—Killian não lhe contou? – questionou atônita, balancei a cabeça negativamente. – Eu não sou filha do visconde. Minha mãe se apaixonou por um criado e bem... Eu sou o resultado. – indicou a si mesma. – Senti-me péssima quando descobri isso e pensei em tudo que havia feito, não só você, como outras criadas passarem, sendo que eu era meio que uma de vocês... Eu nem sei explicar o motivo pelo qual era daquele jeito, eu só sinto vergonha daquela Milah e gostaria de poder passar um mata-borrão em tudo que fiz. A última vez que nos falamos, eu fui horrível com você, uma verdadeira quenga... – ela riu ao se chamar daquele modo. – E eu sinto muito. Muito mesmo e o seu perdão, é o que mais preciso, porque as coisas que eu fiz, foi por puro ciúmes e medo de perder Killian, porque eu sempre percebi que havia outra pessoa e quando deduzi que era você, fiquei louca, eu não podia perdê-lo... Na época eu achava que o amava do modo romântico, mas a verdade, é que eu sempre tive medo de acabar sozinha... Sei que a machuquei de vários modos, todavia, você é capaz de me dar o seu perdão? – indagou, segurando em minha mão, quando uma batida soou na porta e minha mãe entrou com a bandeja. Milah rapidamente se levantou e foi ajudá-la, limpando a mesinha. – Muito obrigada, Sra. Charming.

Branca piscou para ela, indicando que continuássemos conversando e se retirou. Milah continuou em pé, despejando o liquido escuro em duas xicaras e colocando um pouco de açúcar. Ela equilibrou as duas nos pires e entregou uma para mim.

—Então? – indagou com ansiedade.

—Eu já a perdoei tem algum tempo, Milah. – respondi, bebericando o chá quente. – Não precisa mais se preocupar quanto a isso. Na verdade, foi por me tratar daquela forma que estou aqui hoje. Foi por não aguentar mais que aceitei ir embora. Agora tenho estudos, minhas lojas, uma boa vida...

—E você é feliz? – quis saber. – Desculpe pela pergunta, porém a sinto diferente. Como se faltasse algo.

—Sim, Milah. Eu sou feliz. Por que não haveria de ser?

Ela ergueu as sobrancelhas, bebendo chá, como se pensassem em uma resposta, mas não quisesse soltá-la.

—Sinto-me mais leve. – segredou por fim. – Muito obrigada, Emma.

Ponderei por um instante, estudando-a e decidindo se fazia a pergunta ou não que estava em minha mente.

—Você... Disse que encontrou Killian em Hertfordshire... – comecei sem olhar para ela. – Ele está bem? Está casado? Trabalhando? Não tenho notícias dele tem uns anos. Os pais dele e nem o próprio Jones responderam minhas cartas.

Milah se endireitou.

—Bem? Diria que ele está levando, em base no tom das palavras dele quando escreve. Casado? Por favor, Emma. – atalhou com certo deboche. – Claro que não. Killian disse que nunca encontrou ninguém com quem quisesse passar o resto da vida a não ser uma pessoa que... Estava casada. – Milah arqueou uma sobrancelha em minha direção. – Trabalhando? Muito. Ele comprou a fazenda daquele fazendeiro que fomos ao baile...

—A fazenda Webber? Mas... O nome continua o mesmo.

—Killian não quis mudar. Em respeito ao homem e aos negócios. Nenhum dos filhos do fazendeiro quis assumir, então quando Jones voltou para Hertfordshire, ele começou a trabalhar com o velho para aprender como administrar e quando senhor Webber morreu, Killian a comprou. – explicou. – Essa é a única coisa que Jones parece feliz quando fala nas cartas.

—Eu vivo ouvindo falar sobre a fazenda Webber quando estou em Londres... Eu... Eu não fazia ideia que... Killian agora é o dono.

Milah sorriu, pousando a xícara no chão e se sentando aos meus pés, colocando as mãos em meu colo.

—Sabia que Killian comprou a fazenda para você? – instigou em um sussurro como se contasse um segredo. Neguei brevemente com a cabeça. – Pois bem, ele comprou. Um dos motivos pelo qual ele voltou a trabalhar na fazenda, foi para estar perto de você... Quando chegou a hora do fazendeiro, Killian entrou com uma proposta para comprá-la. O homem tinha propostas melhores, mas ele a deu para Jones, porque sabia o motivo pelo qual a queria. Killian comprou a fazendo para dar o seu reino a você quando voltasse, afinal, você é a princesa dos trigais. – concluiu como se fosse óbvio.

Soltei o ar sem nem perceber que o estava prendendo e gemi, apertando as mãos de Milah. Meu coração parecia ter perdido a força para bater ao ouvir suas palavras, sem acreditar que poderia ser verdade e achando de certa forma maldoso o que ela estava dizendo, por lhe causar dor.

—Você é a terceira pessoa em menos de uma semana que deixa no ar que deveria ir atrás dele.

Ela riu, tombando o corpo para frente e aproximou o rosto do meu, como se de repente tivéssemos nos tornado amigas de anos e não apenas resolvido nossas diferenças minutos atrás.

—Eu não estou deixando no ar, Emma. Eu estou dizendo que você deve ir atrás dele, que Killian ainda a espera... Vocês já tiveram pessoas demais atrasando a vida que deveriam ter juntos. Não seja uma dessas pessoas. Ainda há tempo. – incentivou com vivacidade. – E se... Eu sou a terceira pessoa que lhe diz algo do gênero em menos de uma semana, significa que o universo está te dando uma dica do que fazer agora... Killian a machucou mais de uma vez, eu entendo. Assim como sei que ele não fez por mal... E da mesma forma que você o machucou, sem ser sua intenção. Nós, na condição de humanos, cometemos erros que machucam os outros, mesmo sem ser proposital. Por esses erros, essas imperfeições, que sabemos que somos humanos. Se não tivéssemos que aprender com nossas falhas, não estaríamos aqui. Seriamos seres divinos, sem passar pelos estágios de aprender a perdoar... A amar o outro, a entender o próximo e aceitar suas diferenças. – Milah respirou fundo, relanceando os olhos para o relógio que ficava no canto do quarto. – Todos nós cometemos algum erro que machucou um ao outro. Eu a machuquei. Killian a machucou e me machucou sem ser intencional. E eu o machuquei de várias formas... Se ele foi capaz de me perdoar, por que não perdoaria você?

—Eu disse não para Jones. Casei-me com outro, mesmo depois de ter me entregue para ele... Não acreditei em sua palavra de que voltaria... Mas... Você sabe como terminou da primeira vez... Eu não podia abrir mão uma segunda vez da minha vida...

—Foi por vingança? – quis saber com seriedade e neguei com um aceno lento de cabeça.

—Não. Eu acho... Não sei. Digo a mim mesma que não foi por vingança, porém, algo aqui dentro grita que foi por esse motivo. Para me vingar dele pelos nove anos... Pela noite que tivemos... Por ter ido embora no dia seguinte... – suspirei, fechando os olhos com força ao finalmente colocar para fora. – Eu fui uma pessoa horrível.

—Não foi, não. Foi humana. E como eu disse não é tarde, ainda há tempo. Você estava machucada demais, queria que Killian se sentisse daquela forma, pelo menos uma vez, afinal, ele sempre a teve a disposição. Você sempre o esperou até que decidiu que deveria se valorizar... Jones sabe disso, Emma. Sabe que você não estava errada, ele entende sua escolha, por mais que tenha machucado... E pelo visto machucado ambos.

Pressionei o dorso da mão na boca, lutando contra o tremor que atingia meus lábios, com a vontade chorar que ameaçava. Eu tinha medo de ir atrás dele, ao mesmo tempo que era tudo o que eu sempre quisera fazer, mesmo quando Neal ainda era vivo. Quantas vezes cogitei em correr para Killian, implorando por mais uma chance? E como forma de controlar esses impulsos, entrei de cabeça nos projetos da loja, evitando deixar espaços para certos pensamentos... Com o tempo, aprendi a afastá-lo de minha mente para conseguir viver com Neal e ser alguém suficiente para ele, todavia sempre me senti vazia ao “desacelerar” como minha mãe dissera para poder acompanhá-lo. Sentia falta dos sentimentos a flor da pele, do coração batendo tão forte no peito que parecia querer sair da caixa que o protegia. Da sensação de quentura com os toques, dos arrepios causados pelos beijos, das trocas de olhares que iniciavam conversar profundas... Eu sentia falta de tudo aquilo que Killian Jones me proporcionara desde o primeiro instante por apenas olhar e sorrir para mim.

Sentia uma falta desesperada de ser amada por ele, de estar em seus braços e ser capaz de esquecer o mundo.

—Bom... Eu devo ir, que você já está atrasada para a inauguração de sua loja. – Milah observou com um pedido de desculpas, colocando-se em pé. – Pense em tudo que conversamos e escreva-me para me contar de sua escolha... Irei adorar trocar cartas com você, Emma, sinto-me meio sozinha aqui.

Levantei-me também, tentando fazer a mente a voltar para os meus afazeres da noite e não ficar rondando com as palavras de Milah sobre Killian.

—Aqui... Apareça por lá se sentir vontade. – estendi um convite para ela que o pegou sem hesitação. – E pode escolher um vestido por minha conta.

Milah correu o indicador pelo envelope, desenhando o nome “Pervinca” e contornando a pequena flor azul que era a marca da loja.

—Qual o significado? – instigou após mais alguns segundos admirando o papel.

—Para você. – estendi a florzinha azul em direção a Killian, que a pegou e a girou entre seu polegar e indicador. – Me lembra o azul de seus olhos.

—Eu que deveria te dar flores, Swan. – resmungou, ajeitando a flor atrás da orelha e puxou-me para o seu peito, onde eu alegremente me ajeitei. Descobrira que estar ali, era o meu lugar preferido do mundo todo. Eu poderia muito bem viver dentro de seus braços para o resto dos dias. – Fiquei bonito? – inquiriu, empinando o queixo para que eu o estudasse.

—Maravilhoso. – respondi, erguendo os lábios para ele, em um pedido para que me desse um beijo. – Essa é a pervinca. – expliquei.

—E significa?

—Boas lembranças. Você sempre me dá boas lembranças, todas as noites. Amo lembrar do seu sorriso e como seu peito vibra com a risada que se forma aqui dentro. Amo a lembrança da forma como me olha, mantém-me aquecida o dia todo, assim como a recordação dos seus toques... Essa flor inteira me lembra você. – confessei. – Sempre que a vejo, você me vem à cabeça, porque desde que te conheci, Killy, você é todas as minhas boas lembranças.

Killian sorriu e me girou, fazendo-me deitar e ficando sobre mim.

—Eu prometo que serei todas as suas boas lembranças... Se me prometer será as minhas também.

—Para a vida toda?

—Para a vida toda. Porque é o tempo que quero lhe dar boas lembranças, minha menina.

—Então eu prometo, Killian. Prometo ser todas as suas boas lembranças.

—A flor pervinca significa “boas lembranças” e a azul é a minha preferida dessa espécie. – dei de ombros.

—Esse tom de azul lembra os olhos de Killian. – comentou. – Até quando estava tentando tirá-lo da cabeça, você fez algo para sempre tê-lo por perto. – constatou rindo fascinada. – Nunca iria pensar em algo assim... É como se fosse uma homenagem para ele e ninguém nunca percebeu... Emma Swan Charming, que mente você tem! – exclamou e senti um sorriso tímido aparecer. – E eu vou adorar ir, muito obrigada. Apenas preciso ir em casa para colocar uma roupa que esteja à altura evento.

—Desde que não seja um vestido quadriculado preto e branco... – cantarolei provocativa, recebendo um olhar cerrado dela.

—Para sua informação, aquele vestido foi desenhado pelo melhor modista daquela época... – atalhou, fingindo estar ofendida. – E a última vez que eu o vi servia como toalha de mesa para a cozinha de Hertfordshire.

—Sem querer ser rude... Você parecia um tabuleiro de xadrez.

Milah fez uma careta, acompanhando-me pelo corredor até a sala, onde meus pais esperavam. David estava vestido elegantemente em um vestuário negro e Branca em um vestido violeta.

—Eu sei. Não sei o que tinha na cabeça quando eu o escolhi... Mas aquele vestido que Killian te deu... Ah que inveja eu senti! – grunhiu, encrespando a testa. – Deixe-me ir, porque quero chegar lá e ainda ter aqueles mini sanduiches. – falou, olhando para os meus pais. – Com o tempo aprendi, que a comida é a melhor coisa desses eventos. –sussurrou para eles.

—Acho a mesma coisa. – David concordou. – Mas devo dizer que as festas organizadas pela minha filha aqui conseguem nos fazer esquecer a comida.

—Veremos. Até mais tarde e muito obrigada mais uma vez, Emma. – proferiu, a mão na maçaneta e sem esperar por maiores formalidades, escapou pela porta, quase como se tivesse deixado de andar e flutuasse.

Meus pais se levantaram, as expressões de espanto idênticas.

—Não parece nada com aquela moça que te infernizava. – meu pai comentou.

—Ela parece finalmente feliz... Como se tivesse se aceitado e gostasse de quem é.

—Milah agora sim, irradia toda a beleza que deveria. – David concluiu. – É isso o que acontece quando as pessoas aprendem a pedir perdão e lutam para se tornarem pessoas melhores.

Andei até ele, pousando minha mão no interior de seu cotovelo e deitei a cabeça em seu ombro.

—Milah sem dúvida mudou. E merece que coisas boas aconteçam com ela, neste caso, a felicidade que está sentindo é mais que merecida... – devaneei, estudando a porta por onde a morena saíra e sentindo o impulso dizendo-me o que eu deveria fazer. – Vamos que não poderei ficar muito tempo na festa. – comuniquei.

Minha mãe enrugou a testa confusa.

—Uma viagem surgiu e precisarei partir esta noite... É meio que urgente.... Tenho uma promessa para tentar cumprir. – expliquei sem maiores detalhes e guardei o sorriso triunfante que quis surgir, para o momento certo.

Apenas esperava poder usá-lo quando ele chegasse.