Emma

Eu aguardava impacientemente ao lado do Sr. Gold e Belle o momento que Neal fosse embora. Não que eu estivesse ansiosa para que ele partisse. Longe disso, estava de certo modo triste por Cassidy precisar ir, contudo, naquele momento, sua presença estava me privando de ir conversar com Jones.

E meu Deus, como eu estava ansiosa para falar com ele!

Quando Killian entrou na biblioteca mais cedo, desconfiei por um momento do que meus olhos estavam vendo. Cheguei a pensar que estava ficando louca e que minha consciência pesada havia o fabricado por não ter enviado a carta, convidando-o para a minha leitura. Eu havia a escrito, da melhor forma que consegui e com o mínimo de erros possíveis, inclusive havia pedido para Belle revisá-la para mim, no entanto, acabara descartando-a, imaginando que seria tolisse e que se Jones pudesse já teria dado um jeito de vir me visitar. Enviar a carta talvez o deixaria mal se caso não pudesse sair de Londres e por esse motivo, rasguei-a sem nem pensar duas vezes.

Porém a condessa percebera a ausência da correspondência quando fora enviá-las e tratou de redigir uma nova, convidando-o. E não poderia estar mais grata por ela ter feito isso. Eu estava tão feliz por Killian ter estado ali na minha primeira leitura, vendo que agora eu conseguia e que nunca mais o importunaria com pedidos para que lesse para mim.

Queria perguntar o que achara.

E principalmente saber se estava orgulhoso.

—Eu irei escrever para você. – a voz de Neal fez-me desviar os olhos do céu, que entrava em transição para noite, adquirindo um tom rosado e roxo, com algumas estrelas surgindo tímidas ao longe, e prestar atenção nele.

—Oi?

—Disse que irei escrever para você. – afirmou uma vez mais, abaixando o rosto em direção ao meu, fitando-me intensamente.

—Eu irei adorar trocar cartas com você, Cassidy. – garanti, com um aceno de cabeça para dar mais ênfase no que dizia, vendo os lacaios terminarem de ajeitar as bagagens dele no bagageiro e segurando o suspiro de alivio que quis sair por ter noção que estaria livre em breve para ir atrás de Jones que sumira desde a hora que chegara.

—Acho que me despeço aqui. – declarou, segurando minha mão e levando-a até seus lábios, depositando um beijo lento nos nós dos meus dedos. – Foi um prazer conhecê-la, Emma.

—O prazer foi todo meu, Cassidy. – atalhei, fazendo uma leve reverência e dando um passo para trás, querendo retornar para dentro da casa logo.

Killian perdera o jantar... Será que ele havia se alimentado?

—Faça uma boa viagem e volte sempre que sentir vontade, Neal. – Belle falou, enquanto abraçava-o brevemente. – Ficaremos felizes de recebê-lo.

—Obrigado, Belle. Pode ter certeza que voltarei antes que possa sentir minha falta. – afirmou com um sorriso, os olhos fixos em mim, o que me fez desviar o olhar, levemente incomodada por ser alvo de um possível motivo para Neal querer retornar ali o mais breve possível.

—Ou nós iremos visitá-lo. – o conde sugeriu, adiantando-se para apertar a mão do sobrinho. – E desse modo você aproveita e visita seus pais, menina, já que Neal mora no meio do caminho para seu condado. - comentou

—É uma ótima ideia. Posso acompanhá-la e conhecê-los. – concordou animado.

Limitei-me a aquiescer, dando um sorriso amarelo.

—Vai ser maravilhoso, se não atrapalhá-lo. Estou morrendo de saudade deles. – disse. Ele sabia bem como eu estava sentindo falta dos meus pais. Ainda não havia tido retorno da carta que mandara e isso começava a me deixar receosa que as coisas não estivessem tão bem por lá.

Cassidy murmurou “bom, bom” com um sorriso iluminando seu rosto, enquanto gesticulava uma despedida com as mãos, indo para sua carruagem. Acenamos para ele assim que o veículo começara a se afastar, balançando lentamente pelo caminho até os portões e assim que eles se fecharam percebi os ombros de Belle caírem como se estivesse aliviada.

Sr. Gold entrou assim que o barulho das rodas no cascalho desapareceu, todavia fiquei um tempo mais do lado de fora com Belle, que observava atentamente a fonte.

—Estou feliz que Neal partiu. Não aguentava mais. – segredou com um tom de voz culpado, descendo as escadas da entrada e sentando-se na beirada da fonte, mergulhando as pontas dos dedos na água. – Eu gosto dele, Emma, mas para mim o aceitável a se ficar na casa de alguém é no máximo duas semanas, não dois meses. Sinto que eu perco a minha liberdade e parece que tudo o que faço é para deixar o hospede feliz. – bufou e revirou os olhos, olhando para mim com um sorriso. – Claro que isso não se aplica a você ou Killian, já que sou muito chegada em ambos... Posso ser eu mesma quando são vocês.

—Fico feliz em ouvir isso, condessa. Já estava pensando em entrar e arrumar minhas malas.

—Ah não! – exclamou segurando meu pulso. – Não diga isso nem brincando ou prenderei você em um quarto sem janelas, cheio de livros, folhas para que desenhe e escreva... Ou eu poderia falsificar sua letra para que não desconfiassem que está sendo mantida em cativeiro. Sou muito boa nisso. – declarou com orgulho. – Poderia ser uma criminosa se quisesse. Iria extorquir muitas libras, apenas falsificando assinaturas.

—Talvez eu a prenda nesse quarto e a obrigue a falsificar as assinaturas. – retorqui, batendo de leve meu ombro no dela. – Onde está Killian que eu não o vi o resto da tarde? Ele não foi embora, foi? – perguntei finalmente, com certo temor de qual seria sua resposta.

A mulher ficou em silêncio, olhando para baixo e por um instante, indaguei-me se ela teria me ouvido. Então em um movimento rápido ela ergueu a mão, respingando água propositalmente em mim.

— Posso pedir um favor? – indagou, séria.

—Claro, condessa. Quantos quiser.

—Então pela milésima vez: pare de me chamar de condessa ou Sra. Gold. Apenas Belle. Você chama meu primo pelo primeiro nome. Até mesmo Neal. Agora eu tenho que ser tratada com toda essa formalidade? Eu, Emma? – reclamou com exasperação. – Achei que havíamos atingido o nível máximo da amizade, lembra?

Assenti uma única vez.

—Prometo tentar... Belle. Só é difícil, porque é minha patroa.

—Non. – esticou o dedo indicador. – O conde é seu patrão. Ele que paga os seus serviços. – observou, colocando-se de pé uma vez mais. – Vou entrar e ver Gideon, preciso acordá-lo, caso contrário não dormiremos esta noite... Está dispensada. – informou. – Mas se precisar, irei chamá-la. E quanto a Killian: ele está no quarto de hospedes do segundo andar, terceiro quarto do lado direito. Meu primo não desceu para o jantar porque estava cansado demais da viagem, pediu para que levassem a comida lá.

Acenei afirmativamente com a cabeça, levantando-me.

—Então sendo assim, irei para o meu quarto, fazer minhas atividades que não tive tempo hoje. – comentei, decepcionada por não poder falar com Jones aquela noite.

Belle parou e ficou me fitando com as sobrancelhas arqueadas, uma expressão cética no rosto.

—Pelo amor de tudo! Vá falar com ele logo. Você acha que Killian, meu primo que escreveu sobre... – ela esticou as mãos como se fosse segurar em meus seios. – E como quer desbravar as terras desconhecidas da sua femin...

—Belle! – grasnei, olhando para o chão.

—Brincadeira. Ele não escreveu isso... A segunda parte pelo menos, de querer desbravar... – a mulher balançou as mãos com descaso. – Enfim, você acha que Killian não vai abrir mão do sono dele para falar com você? Ele veio até aqui para vê-la e aposto que está doido para colocar a conversa em dia. – um sorriso malicioso desenhou os lábios de Belle. – E não precisam colocar isso em dia, viu?

—Eu detesto seu lado francês. – gemi baixinho por ela sugerir algo mais além da conversa.

Eu queria ter algo mais, porém sabia que não podia. Sempre disse que era para respeitar Milah, mas a verdade, eu percebera, que lutava tanto em negar os beijos e os toques, era porque sempre tive a consciência de que precisava me respeitar. Retribuir Jones, mesmo sabendo que ele detestava a outra e que não tinha a mínima vontade de casar-se com ela, era o mesmo que concordar com menos do que eu merecia. Era praticamente a confirmação que estava tudo bem em termos aquilo, porque ele não se sentia da mesma forma com a noiva.

E Killian possuía um compromisso. Um compromisso que ele não queria, mas mesmo assim, um compromisso.

Retribuir seus beijos seria desrespeitoso para mim, pois se chegassem aos ouvidos dos outros, eu poderia ser tratada como uma amante.

—Meu primo me disse a mesma coisa hoje cedo. – disse, seu semblante voltando a ser sereno. – Vá, Emma. Não precisa se preocupar com as línguas de ninguém por aqui. – tranquilizou-me, erguendo um pouco a saia do vestido e entrando na casa, deixando-me sozinha.

[...]

Bati na porta com certa hesitação ao perceber tudo silencioso do lado de dentro do quarto e aguardei, esperando ter alguma resposta. Tentei uma vez mais, com mais vontade e como tudo permaneceu quieto, pousei a mão na maçanete e a girei, encontrando-a destrancada.

Entrei no quarto com cuidado e apesar de estar escuro, ainda era possível enxergar sem o auxílio de uma vela por conta do resto de luz do lado de fora. Reconheci o contorno do corpo de Killian e ouvi sua respiração pesada.

Aproximei-me da cama e o encontrei com o rosto enfiado no travesseiro, a boca meio aberta, que deixava um filete de baba escorrer pelo canto. Sentei na beirada do colchão e me deitei, ficando bem próxima a ele, observando por um minuto suas feições relaxadas.

—Killy. – chamei-o com um sussurro, próximo a sua orelha. – Killian. – cutuquei sua bochecha, descendo para o pescoço e afagando o lugar com o indicador, traçando uma veia saltada. – Jones. – falei mais alto e apertei seu nariz.

Seus olhos abriram de uma vez, assustados e então eles se fixaram em mim, ficando felizes por um momento, antes de se tornarem carrancudos, assim como seu semblante.

—O que está fazendo aqui? – perguntou aborrecido, sentando-se e procurando a vela.

—Queria falar com você. – respondi simplesmente, ajeitando-me nos travesseiros.

—Só agora? Seu amigo não precisa da sua companhia mais um pouco, não? – atalhou com a voz seca, acendendo o candeeiro.

Tombei a cabeça para o lado, estudando sua nuca e sorri ao reparar que seus cabelos estavam amassados, tentando chegar a uma conclusão sobre seu tom de voz hostil comigo.

—Ou você está irritado porque eu o acordei, ou está com ciúmes. – sugeri. – Se for a primeira opção, eu entendo. Fico bem irritadiça quando sou acordada... Então irei deixá-lo voltar a dormir e podemos conversar amanhã. Boa noite. – despedi-me dele, pulando da cama e indo para a porta.

Antes que eu esticasse a mão para a maçaneta, Killian segurou meu braço, impedindo.

—Vejo que era a segunda opção. – constatei, virando-me para ele. – Você está com ciúmes de mim com meu amigo?

Jones riu, sarcástico, a expressão ainda azeda.

—É claro! – afirmou, soando quase exasperado. – Qualquer homem que chegar perto de você é uma ameaça no momento. Eu fico... Eu não consigo me concentrar mais nas minhas coisas, porque minha cabeça fica aqui o tempo todo, pensando se... Alguém já apareceu para levar seu coração embora.

—Se alguém fizesse isso, seria muito bizarro e você deveria procurá-lo em algum antro de bruxas. – comentei com seriedade.

—Você entendeu o que eu quis dizer. – retrucou, puxando-me para um abraço. – Meu Deus, como eu senti sua falta, minha menina. – murmurou, em meu ouvido, enfiando o nariz em meus cabelos. – Esses dois meses foram uma verdadeira tortura.

Retribuí o abraço, permitindo-me descansar nele de olhos fechados. Killian cheirava a sabonete agora, sem nenhum traço de fumaça de charuto que o acompanhava quase sempre desde que eu o reencontrara. Uma de suas mãos fora parar em meus cabelos e ele brincava tranquilamente com os cachos, puxando-os de leve. Senti seu peito estremecer, como se uma risada estivesse sendo gerada ali dentro, criando forma antes de se permitir sair pelos seus lábios. Seu coração batia ritmadamente, não muito lento e nem muito rápido, era um ritmo alegre, que no mesmo instante inspirou o meu a bater da mesma forma de tão boa que era a melodia.

—Eu estou muito, muito orgulhoso de você, minha menina. – ele contou em um sussurro morno em meu ouvido que fez cada pelinho do meu corpo se arrepiar de deleite ao ouvir aquilo. – Está lendo sozinha. Sempre soube que um dia iria conseguir.

—Ainda está bem ruim.

—Está ótimo. Você está aprendendo, daqui um tempo estará lendo perfeitamente... Assim como escrevendo. Vi a carta que mandou para os meus pais. – afastei-me um pouco para poder vê-lo quando identifiquei o ressentimento em sua voz. – Por que não escreveu para mim também?

—Eu escrevi. Escrevi convidando-o para ver minha leitura, mas no último momento a rasguei, porque achei que não poderia vir e não queria que se sentisse culpado por não comparecer.

—Ainda bem que Belle escreveu. Eu me odiaria se tivesse perdido esse momento... Você está bem? Anda feliz aqui? – quis saber e eu aquiesci, voltando a esconder o rosto em seu peito.

—Muito, muito feliz, Killy. Eu adoro esse lugar e sua prima...E como andam as coisas? – indaguei, sem me soltar, apertando-o um pouco mais forte ao sentir seu corpo se retrair. Ergui o olhar para seu rosto. Seu lábio inferior estava crispado e o superior encrespado. Jones tentou me deixar mais próximo a ele, enquanto descansava a bochecha em minha cabeça.

—Nada bem, Emma... Maldito contrato que assinei sem ler. – praguejou. – Mas eu juro para você que estamos tentando.

—Sua gente é estranha demais. – comentei, desenrolando meus braços do redor de seu tronco. – Você já está praticamente preso a Milah e ainda nem se casou.

—Estou preso a Milah dentro dos limites da Inglaterra. Em qualquer outro país esse contrato não existe e não me prende. – objetou, seguindo-me quando fui me sentar na cama.

Apoiei as mãos no colchão e deixei o corpo pender um pouco para trás.

—Está sugerindo que eu fuja com você?

Killian ficou em silêncio, olhando pela janela, o maxilar trincado, antes de voltar a me fitar.

—É uma opção, se estiver disposta. Podemos ir para a Escócia, então decidimos onde gostaríamos de viver... Talvez um lugar quente... Podemos ir para a Espanha.

—Claro... Porque somos ótimos falantes de espanhol, certo? – retruquei com sarcasmo.

—O litoral da França é um ótimo lugar. Marselha é linda.

Balancei a cabeça em uma negativa, deixando o corpo cair todo na cama, balançando as pernas, enquanto observava o dossel.

Se fosse antes, eu faria qualquer coisa para estar com Killian. Inclusive fugir se fosse necessário... Mas agora, minha cabeça não deixava que eu fosse tão impulsiva como quando adolescente.

Como quando concordei em ir encontrar Jones no meio da noite, logo após conhecê-lo. Se fosse hoje eu diria “não” para o seu convite. Não, pois eu iria temer suas intenções. O fato que possuía um lindo sorriso, não queria dizer que seria uma boa pessoa. E se levar em consideração que ele ficara por uns bons dias apenas me observando pela cerca antes de começar a trabalhar nos trigais, era um bom motivo para desconfiar de seu intento.

Eu estava sentada imóvel na cama, reprimindo a ansiedade. Eu vira Killian aquela tarde. Eu havia dito “sim” para ele sobre nos encontrar. Eu esperava que viesse me buscar a qualquer momento.

Eu estava nervosa.

Uma batida leve na janela chamou minha atenção e encontrei os olhos azuis observando-me alegres, acompanhando o sorriso que pintava seus lábios.

Levantei-me e abri-a sem fazer barulho, olhando sua mão estendida para me ajudar a descer.

—Emma? – chamou-me em um sussurro. – Você mudou de ideia?

Ponderei sobre sua pergunta.

—Não... Sei. Posso mesmo confiar em você?

O rapaz a minha frente ficou sério, assumindo um ar solene ao segurar minha mão.

—Pode, Swan. Eu prometo para você que pode.

E com essas duas sentenças, ele fizera todo o meu temor desaparecer e eu simplesmente fui, porque estranhamente, eu sentia que podia confiar em suas palavras.

Andamos lado a lado, sem dar as mãos e sem papear. A falta de conversa me incomodava um bocado, ainda mais que seus olhos não deixavam meu rosto por um só momento.

—Então... Como é a cidade? – perguntei, virando-me para ele. – Nunca sai daqui; mas ouvi histórias de lá... Parece ser incrível.

Jones fez uma careta.

—Só se você gosta de uma vida agitada. Londres é bem barulhenta e cinzenta. Agrada os olhos no início, todavia, em poucos dias já está sentindo falta da tranquilidade do campo. – respondeu. – Sem falar que a cidade corrompe demais os corações puros, acredito que não iria gostar.

Franzi o cenho, sentando-me no chão.

—O que quer dizer com isso?

Killian me acompanhou, ficando de frente para mim, as pernas cruzadas.

—De uma forma ou de outra, eles acabam te convencendo a ser quem não é para agradar a sociedade. Eles... Comprimem sua essência para que possa atender as necessidade deles. A vida na cidade corrompe as melhores pessoas. – suspirou pesaroso e olhou para cima. – Mas apesar disso, não é de tudo ruim se você for apenas passar uma temporada para visita.

—Tenho vontade de ir ver as peças... A esposa do dono da Taverna vive me contando das óperas, peças e recitais que assiste quando vai até Londres.

—Se sua vontade para ir até Londres é essa, talvez possamos combinar de ir...

—Você e eu? – instiguei descrente.

Jones riu, aproximando-se.

—Não, menina. Com meus pais junto. Temos família em Londres, quando formos podemos levá-la se assim quiser.

Sorri, puxando uma espiga de trigo para ocupar as mãos.

—Eu adoraria... Quem sabe? Você gosta de lá?

Ele deu de ombros, tomando uma de minhas mãos nas suas.

—Aprendi a gostar. Porém sempre vou preferir o campo... As pessoas aqui são mais verdadeiras e menos corrompidas, o único problema são as faltas de oportunidade... Mas vamos trocar de assunto que isso está indo para um lado muito deprimente.

—Tudo bem. – concordei, mesmo querendo ouvir mais. – O que quer falar?

Killian fez um bico, mexendo-o enquanto pensava.

—Sobre você. Quando é seu aniversário?

—Vinte de junho. – respondi prontamente. – Cheguei junto com o verão... Talvez por esse motivo eu o adoro tanto. É minha estação preferida... Então vem a primavera. A que eu menos gosto é o inverno, nem sempre temos agasalho e lenha para nos aquecer. Então temos que dormir todos juntos... – deixei minha fala morrer ao perceber que Killian sorria levemente. – Eu desembestei a falar, não é? Desculpa, costuma acontecer com frequência. Por vezes meus pais têm que pedir para eu lembrar de respirar ou falar mais devagar, eu começo a me embromar toda e ninguém entende... Mas isso só acontece quando fico ansiosa ou nervosa.

—Está nervosa comigo? – inquiriu baixinho.

Fiz algo entre o sim e o não.

—Um pouco nervosa por estar aqui com você e também nervosa se caso alguém nos ver. – confessei. – Mas ninguém vem até o campo a noite, não é mesmo? Foi por esse motivo que escolheu aqui para ser nosso ponto de encontro... Assuma a conversa ou ficarei falando o tempo todo. Faça as perguntas. – pedi, indicando com as mãos para que começasse, não me atrevendo a dizer mais nada, antes que alguma bobagem saísse de minha boca e ele começasse a achar que eu era realmente uma tola de cabeça vazia que não valia seu tempo.

Jones deitou-se ao meu lado, segurando minha mão.

—O que me diz, Swan?

Demorei um tempo para responder.

—Eu tenho meus pais e eles dependem de mim. Não posso abandoná-los. Não me sugira isso, pois sempre irei escolher os dois. Seus pais têm estudos e sabem como se manter, têm recursos para isso. Os meus não. E meu Deus! Eu estou quase morrendo de saudade deles aqui, imagina se eu for para outro país? – questionei, virando a cabeça para encará-lo. – Eu o amo, Killian, com cada fibra do meu ser, entretanto não quero que seja meu e nem quero ser sua nessa condição. Não é correto. É desrespeitoso para comigo mesma.

—Então creio que terei que continuar sofrendo em Londres, enquanto imagino se alguém já apareceu aqui. – resmungou, desviando o olhar rapidamente.

—Ei, Killy. – murmurei. – Vamos mudar de assunto. – pedi. – Quanto tempo irá ficar?

—Não mais que cinco dias. A fábrica está em expansão, preciso estar lá.

—Poxa. – soltei desanimada. – Então vamos ter que fazer esses cinco dias valerem a pena... Tem alguma coisa em mente?

Jones ficou em silêncio, como se pensasse na pergunta, então, voltou-se para mim, com olhos brilhantes e no mesmo instante meu corpo formigou, ficando quente, ao perceber qual seria sua intenção e seus planos.

Fiquei em pé, mesmo que a vontade que me consumia era acatar todos os planos dele, sem nem questionar.

—Vou deixar você pensar com carinho no que quer fazer e amanhã você me avisa. – informei. – Porque isso que está se formando em sua mente agora, está fora de cogitação. – declarei e o vi abrir a boca para protestar. — “Ah, mas Emma, nós nos beijamos naquela noite”— eu o imitei. – Sim. Mas apenas, porque achei que não o veria mais e deixei me levar. Vamos fazer atividades de amigos. – declarei. – Você pode me ajudar com as tarefas e podemos fazer caminhadas. Se fizer bastante calor tem uma cachoeira não muito longe, umas três milhas daqui... Podemos ir nadar. Ah! Posso cuidar das suas unhas também, uma das coisas que mais gosto é de limpar as minhas unhas com limão...

Killian bufou, voltando a se jogar no colchão e colocou um travesseiro no rosto, soltando um som abafado contra ele, antes de voltar a me fitar.

—O problema é que eu não sei fazer programa de amigos com você, Swan. Toda vez que tento, involuntariamente meus lábios acabam tentando se juntar aos seus e minhas mãos tentam segurá-la.

—“Involuntariamente” – zombei. – Sua sorte é que eu sei fazer isso e tenho um autocontrole invejável. Nós iremos nos divertir, Killy. Como amigos. E será as melhores recordações que terá. – prometi, jogando um beijo para ele, escapando pela porta.

[...]

Apesar de garantir que sabia o que iriamos fazer, para ser totalmente honesta, eu não tinha ideia, porque nunca fizera aquilo com Killian.

Deveria ser fácil como fora com Cassidy, não deveria? Deveria ser como no passado, só que agora sem os beijos que aconteciam com frequência ou os toques.

Apesar dos questionamentos, quando acordei pela manhã, eu estava feliz só de lembrar que Jones estaria ali hoje e nos próximos dias. Forcei meu coração bater de forma mais tranquila e menos esperançosa, para que fosse fácil agir perto dele. Aquele pedaço pulsante em meu peito sabia ser bem inconveniente quando se tratava de Killian. Queria porque queria tomar o controle do corpo todo e executar as ações pensantes que era trabalho do cérebro. Ignorava-o, quando tentava colocar algum juízo ali dentro. Considerava-se o órgão mais inteligente, apenas porque era o que sentia com mais intensidade. Dizia-se o dono da verdade por ter passado pelas grandes dores da decepção e os maiores júbilos da vida, permanecendo inteiro, mesmo que tenha demorado meses para juntar os pedaços ou semanas para desinflar por causa da felicidade que o arrebatava vez ou outra.

Eu tinha que constantemente lembrá-lo e me lembrar, que apesar de enxergar a verdade de longe e saber onde buscar a felicidade, ele era impulsivo em demasia e sua impulsividade acabava machucando a nós dois.

Quando sai do quarto para ir até o de Gideon, encontrei Belle amamentando-o com Jones a tiracolo observando-os, seus olhos fixos no pequeno enquanto segurava sua mãozinha e sorria igual bobo, um sorriso muito semelhante ao da condessa.

E apenas com isso, toda a preparação que fizera no quarto foi por água abaixo, porque meu coração entrou em frenesi ao ver a adoração com que Killian olhava o bebê da prima, como se mal pudesse esperar para ser sua vez de estar passando por aquele momento.

Entrei, dando um pigarro para avisar que estava ali e dois pares de olhos claros se ergueram para mim, cumprimentando-me alegremente. Fiz o mesmo processo que fazia todas as manhãs e aguardei perto da janela em silêncio, não querendo destoar o clima bom que estava ali dentro.

—Emma. – Belle chamou-me virando o pescoço para trás tentando me ver.

—Sim, condessa? – adiantei-me e a mulher bufou, fitando Jones com as sobrancelhas arqueadas.

—Diga-me o que você fez para que ela o chamasse pelo primeiro nome? - questionou, levantando-se e entregando Gideon para mim. – Porque eu não sei mais o que faço.

Killian sorriu, seguindo-me até o trocador e ficando ao meu lado.

—Não sei ao certo. Emma sempre me chamou de Killian desde que nos conhecemos e eu falei “Apenas, Killian”...

—Eu já expliquei. – retruquei, olhando de soslaio para ela. – Jones era meu igual quando o conheci, já você, Belle, é alguém beeeeeeem acima de mim, em quesito social.

—‘Tá certo. Regras sociais e blá blá blá... Poderíamos todos viver como selvagens e seríamos mais felizes. – resmungou, fechando o robe. – Irei me trocar... E ah! Kill, ouvi dizer que vai ter uma feira na vila amanhã e eu definitivamente quero ir.

Jones soltou um som de desagrado, descansando a testa em meu ombro.

—Aposto que Srta. Swan gostaria de ir. – a morena falou despretensiosamente. – Você irá dizer não para ela?

—Ela não quer ir nada.

—Quero sim! – afirmei e Killian me olhou exasperado. – Eu adoro feiras, sempre ia com Tinker quando tinha e passávamos a noite festejando.

—Então amanhã você irá nos acompanhar até a feira. – Belle cantarolou, saindo do quarto.

Comecei a rir por causa da expressão de Jones que parecia ter sido condenado a forca.

—Seu primo não gosta de feiras, pequeno. – comentei com Gideon. – Quem não gosta de feiras? Uma pessoa muito chata, não é? – indaguei pegando-o e colocando no berço para tomar sol. – Vai ser divertido, Killy.

—Certamente. – rebateu aborrecido. – O que iremos fazer agora?

—Agora nada, preciso trabalhar. – atalhei. – Tenho duas horas livres depois do almoço e geralmente no finalzinho da tarde, como ontem. Nós podemos ir caminhar no pomar depois do almoço, as árvores estão começando a ficar carregadas de frutas. E no finzinho da tarde, nós podemos ir visitar os jardins do castelo de Windsor, então quando voltarmos, podemos jogar damas. Eu levo o tabuleiro para o seu quarto e chá.

—Já fez todo nosso itinerário pelo visto. – mussitou. – E pela madrugada?

—Como assim “e pela madrugada”? Pela madrugada nós iremos dormir... Se Gideon deixar, é claro.

—Nós podemos ir dar uma volta. Aqui faz bastante calor... Talvez podemos adiantar aquela visita a cachoeira?

—Na madrugada nós dormimos, Killian. – repeti lentamente. – Não iremos sair, porque somos mais vulneráveis pela madrugada. Pare de tentar. – repreendi-o. – Onde foi parar aquele homem que me respeitava tanto? Mesmo que deteste Mlah, você se enfiou em um compromisso com ela. Ficar tentando me convencer a ceder é o mesmo que dizer que está tudo bem em eu ser a outra. Sempre que tenta me persuadir a correspondê-lo, mesmo que esteja louca para fazer, não nego, demonstra que acha que devo aceitar menos do que mereço. Não o quero pela metade. Não quero satisfazer suas vontades para no fim ser aquela a acabar com o coração em pedaços mais uma vez quando não conseguir sair desse noivado e acabar casado. Tudo o que restará será minha alma manchada por ter me desrespeitado e me entregue para a luxuria. Estou tentando de verdade, fazer nossa amizade funcionar. Todavia, você precisa me ajudar.

—Você acha que eu não vou conseguir?

Pressionei os lábios, esticando-os em um sorriso desanimado.

—Ao que tudo indica você não irá. Está dois meses tentando. A próxima estação já é verão. – constatei.

O maxilar de Jones trincou e ele olhou para Gideon que nos encarava com olhos arregalados, a boquinha aberta como se quisesse falar alguma coisa, mas acabara esquecendo, diante do nosso pequeno desentendimento. Por fim, Killian assentiu e saiu do quarto sem dizer mais nada.

Pelo resto da manhã eu não o vira. Assim como Belle que se enfiou na biblioteca com ele e o filho, deixando-me sem nada para fazer. Fiquei por um tempo em meu quarto, fazendo minhas atividades, antes de deixá-las de lado por não conseguir me concentrar. Então desci para a cozinha, a fim de conversar um pouco com as outras criadas e ajudar por lá. Sentia de certa forma, falta de me encontrar no meio delas e de ficar naquele ambiente, sentindo os aromas. Ajudei a fazer o pão do almoço. Lavei a louça.

E recebi uma carta de Hertfordshire.

Sequei as mãos no avental que usava e escapei pela porta, indo para o pomar. No caminho, colhi um limão e cortei-o no meio com a faca que havia deixado no bolso. Empolerei-me no castanheiro e rompi o selo que reconheci como sendo dos Hood.

“Querida, Emma

Que alegria foi receber a carta que escreveu! Palavras não serão suficientes para expressar o quanto seus pais estão orgulhosos. Quando fui até sua casa para ler para eles, tive que parar por várias vezes, pois ambos não se aguentavam. Sua mãe ria de felicidade sem parar e seu pai não conseguia parar de chorar de orgulho... Bom, não vou negar que não foi nada fácil segurar as lágrimas enquanto lia as palavras que escreveu sozinha, já que sei que sempre foi seu maior sonho ser capaz de colocá-las no papel.

Informo que seus pais estão bem. Morrendo de saudades, mas bem. Recentemente o médico precisou fazer uma visita a seu pai, todavia não era nada para se alarmar. E eles pediram para que não se preocupe com dinheiro, o que está mandando é mais que o suficiente, afirma sua mãe... Apenas David que percebo que está sentindo sua ausência em demasia. O que entendo completamente, afinal, vocês dois sempre foram bem próximos. Ele vive dizendo que você é tudo de mais precioso que tem na vida e sempre está em seu antigo quarto quando vou visitá-los. Seu pai fala de você com tanto amor, que imagino como deve estar sendo difícil... Sua mãe já é um pouco melhor em esconder, por mais que é visível como se sente um pouco perdida e ainda a procura. De vez em quando, Branca ainda aparece na taverna e fica constrangida ao perceber o que fizera. Não deve ser fácil se separar de um filho e me aperta o coração saber que em breve terei que mandar Roland para o colégio.

Eles estão ansiosos para que venha visitá-los. Assim como todos nós estamos.

Sua amiga Tinker, ainda está morando com eles e os ajudando como ela afirma que prometeu para você. A moça está trabalhando conosco agora, pela manhã e a parte da tarde... Graham está bem também. Está frequentando a taverna durante o dia com mais assiduidade que antes e só posso imaginar que o motivo seja uma certa baixinha loura com traços delicados que lembram uma fada.

Bem Roland vive perguntando por você e quando irá vir brincar com ele. Meu pequeno está doido para mostrar como está melhor no arco e flecha. Robin vem treinando todos os dias com ele. E por falar no meu marido, por mais que não admita, sei que está sentindo sua falta também, afinal, você era a única que fingia achar graça nas piadas dele, agora ninguém mais se preocupa em rir, mesmo que seja só por educação.

Vou ficando por aqui, Emma. Diferente de sua vida aí, a nossa continua um pouco do mesmo, então não há muitas novidades a serem contadas. Seus pais estão bem, estamos todos cuidando dos dois da melhor forma que podemos. Todos nós sentimos saudade de sua luz e não fique se sentindo, senhorita Swan, caso contrário nego até a morte que escrevi isso e afirmo que esta carta que está segurando em suas mãos é falsificada.

Mande notícias assim que possível. Seus pais estão ávidos por elas e suas cartas. Compraram até uma linda caixinha para que possam guardá-las.

Falamo-nos em breve.

Regina”

Respirei fundo, apertando a carta contra meu peito quando ele se fechou, fazendo-me sentir a aguda e irritante dor da saudade, que me visitava com frequência quando eu parava para pensar em meus pais em outro condado.

Ter ido para tão longe deles, foi sem dúvida, uma das escolhas mais dolorosas que já tinha feito.

—Pela sua expressão é uma carta muito boa. – Killian observou. Olhei para baixo, encontrando-o com as feições calmas. – Como chegou aí?

—Uma coisa que não sabe, é que quando criança, eu adorava correr no meio dos meninos e subir árvores. – contei, encolhendo as pernas e o chamando para se juntar a mim no galho. – E chegar aqui não é difícil. Esse é baixo. Basta pisar naquela parte funda do tronco e dar impulso. – expliquei, indicando um tipo de buraco.

Jones prontamente se aproximou, fazendo o que eu instruíra e se ajeitando em minha frente. Dei a carta para que ele lesse e peguei sua mão livre, passando o limão em suas unhas atentamente, tentando deixá-las brancas e brilhantes como as minhas costumavam ficar. Quando finalizei uma exigi a outra e prontamente Killian colocou-a em minha mão.

—Que nenhum dos meus amigos da cidade fique sabendo que tratei das unhas. – atalhou com sarcasmo.

—Só por que é homem tem que andar com as unhas toda ferrada? – indaguei olhando para ele. – Leu?

Jones assentiu, colocando a carta em meu colo.

—Se aguentar mais um mês e meio, posso voltar aqui para acompanhá-la. – ofereceu. – Então trago meus pais juntos. Eles vão adorar.

—Se tiver condições de deixar seu trabalho, eu serei muito grata por fazer isso por mim... Está bravo comigo?

Ele pareceu surpreso e fixou os olhos em nossas mãos, por fim negou com a cabeça.

—Não... É que... Eu tinha criado toda uma situação na minha cabeça onde nós iríamos matar a saudade. Não... Pensei naquele ponto que expos mais cedo. Porque apesar de estar preso a isso, eu não me considero noivo, entende? Milah não significa nada para mim e por esse motivo, não parecia errado ter algo com você, que é quem realmente tem todo significado do mundo... Eu gosto de sentir como o rapaz de dezenove anos. Gosto e não pretendo comprimi-lo como fiz da outra vez, então neste caso eu sinto demais.

—E eu espero que não o abafe novamente, porque eu gosto do Killian de dezenove anos. – atalhei. - Podemos matar a saudade... Só não da forma que imaginou... Para isso pode continuar com os sonhos e os escritos. – brinquei, começando a cuidar das minhas unhas. – O pé de amora está carregado.

—Como sabe dos escritos?

Olhei para ele, vendo seu pescoço vermelho e olhos arregalados.

—Belle os encontrou nas suas coisas lá em Hertfordshire. Ela me contou tem poucos dias... Eu poderia lê-los? Fiquei curiosa.

—Não. – respondeu em um tom definitivo que mostrava que não iria se prolongar no assunto. – Pode ter certeza que não quero que fique sabendo tudo o que imagino... Conte-me do livro que está lendo. – pediu, mudando rapidamente de assunto.

Aquiesci, concordando com o pedido e comecei a discorrer sobre a história. Contei cada detalhe que me lembrava do que tinha lido até o momento e expressei como me identificava com a personagem em alguns pontos. Como que era forte e fazia seu próprio destino, seguindo suas escolhas e vontades, sem ultrapassar os limites da moralidade. De como minha parte preferida era quando Jane, até então uma cética para a religião, aceita Deus e todos Seus ensinamentos.

Neste momento pulei da árvore e o puxei até meu quarto, onde mostrei um caderno que havia comprado e que anotava minhas passagens preferidas de tudo o que lia para não esquecer. Então mostrei minhas atividades e minhas aquisições que havia comprado com meu próprio dinheiro. Killian rira quando mostrei a boneca de porcelana, que descansava ainda dentro da caixa, porque tinha medo de quebrá-la se caso tirasse. Sempre fora meu sonho quando criança ter uma daquela, todavia meus pais nunca tiveram condições de comprar.

Pela tarde, nós dois ficamos cuidando de Gideon quando Belle precisou sair com o conde para resolver algo na cidade mais próxima e Jones aproveitou para monopolizar a atenção do menino. Saímos para dar uma caminhada com ele e sentamo-nos perto do lago, onde Killian incentivou que eu fizesse uma leitura para os dois. Concordei depois de muita insistência, sentindo-me menos pressionada que o dia anterior e sem muita preocupação em impressionar. O homem sentado ao meu lado era paciente e um bom ouvinte, ter consciência disso, acalmou meus pobres nervos.

Quando o pequeno acabou por dormir nos braços de Killian, decidimos voltar para dentro e ficamos sentados no chão do quarto de Gideon, formando palavras com os blocos de madeira com o alfabeto que havia adquirido para mim. Sortear alguns blocos aleatórios e tentar formar palavras com as letras que tiradas era uma forma que havia encontrado para conseguir aprender e guardar a forma correta de escrevê-las.

Apenas percebi que o tempo havia discorrido e já era noite, quando Gideon começou a chorar alto e estridente, como se estivesse com dor. Corri ao seu socorro deixando Jones guardando as pecinhas e o peguei no colo, tentando acalmá-lo. O bebê chorava sentido e segurou o decote de meu vestido, tentando abaixá-lo.

—Acho que está com fome. – Killian falou, parando atrás de mim. – Está fazendo barulho de sucção enquanto chora.

—Sim... E sua mãezinha ainda não chegou. – murmurei para ele. – Vá até a cozinha e peça para preparar um chá de camomila, por favor. – pedi.

Jones me olhou confuso, como se estivesse falando uma grande bobagem.

—Chá não irá matar a fome dele. – atalhou. – Vou pedir para esquentarem leite.

—Eu disse chá, porque eu sei cuidar de um bebê. – retruquei irritada aumentando a voz para sobressair ao choro de Gideon. – Posso garantir a você que nesse assunto, eu não sou uma ignorante, Killian.

—Eu não disse isso, mulher! – resmungou, mas acabou por sair do quarto rapidamente.

Comecei a conversar com Gideon, cantar, caminhar pelo quarto, tentando não me desesperar cada vez que o choro ficava mais alto e cada vez mais agudo. Às vezes o pequeno perdia o ar em meus braços, resfolegando, antes de voltar a gritar em plenos pulmões.

Depois de quase meia hora, Jones apareceu com a garrafa de vidro, com um tubo de borracha que atingia o fundo e acabava poucos centímetros do gargalo preso a uma espécie de bico. Ele me entregou com afobação o utensilio e logo coloquei na boca de Gideon, que a aceitou de bom grado, bebendo sem hesitação.

Killian se deixou cair na cadeira onde Belle se sentava para amamentar e soltou um suspiro de alivio.

—De onde um bebê desse tamanho tira tanto fôlego para chorar desse jeito? Por um momento achei que você estava o torturando aqui em cima.

—Isso porque você não viu quando ele decide acordar a casa toda. – comentei. – Obrigada por ajudar.

Ele fez um som de descaso com a língua, aprumando-se na cadeira.

—Você estava lidando com a fera. O mínimo que podia fazer era buscar o alimento para acalmá-la. – disse divertido. – Agora me explique por que chá e não leite?

—Minha vó Eva e minha mãe, ambas cuidaram de crianças por um tempo. Elas contaram que perceberam que o leite animal não fazia tão bem para os bebês de poucos meses, mesmo se misturassem com água, principalmente porque ela poderia não ser pura. Então elas sempre me aconselhavam a dar chá se não tivesse o leite materno e não soubesse se a água era limpa ou não. – expliquei, secando as lágrimas que ainda insistiam em escorrer pela têmpora de Gideon. – Acredito que elas pensavam que seria bom eu saber disso para quando tivesse meus filhos... – devaneei ao lembrar dos ensinamentos de minha vó. – Mas aposto que depois de presenciar essa cena, você não quer mais tê-los. – provoquei, recordando de como ele dizia querer ter filhos um dia.

—Longe disso. Ainda os quero, mesmo que isso signifique que provavelmente ficarei surdo.

—Ah meu bebê! – Belle entrou tempestuosamente no quarto, correndo em minha direção. – Perdoe-me. Que mãe horrível você tem que o deixou sozinho por tanto tempo. – ela o tirou de mim, beijando seu rostinho repetidamente. – Por favor, não me troque pela tia Emma depois de hoje. – murmurou. – Muito obrigada os dois por terem cuidado dele, tentamos voltar mais cedo, todavia ficamos presos. – revirou os olhos, para então fixá-lo em minha mão que estava o alimentador de bebê. – Você mandou ferver isso, não mandou? – instigou.

—Quando usamos da última vez sim. – respondi. – Estava guardado desde então.

—Emma! – grasnou em reprovação. – Tinha que ter fervido de novo antes de enfiar na boca do meu filho esse troço.

Abaixei o rosto para o chão, sentindo-o ficar quente pela repreensão que estava levando de Belle.

—Desculpe me intrometer, mas Gideon estava chorando os pulmões para fora. Não tinha tempo para ferver mais nada além do chá. – Killian se pronunciou.

A morena anui, suspirando cansada.

—Eu sei. Peço desculpas por ter falado dessa forma com você, Emma. Sei que nunca faria nada para prejudicar meu pequeno. Podem sair, eu me viro aqui. – Belle nos dispensou, sentando-se na cadeira, enquanto conversava docemente com o filho.

[...]

Para a felicidade de Killian e total desapontamento de Belle, o dia seguinte amanheceu chovendo e assim permaneceu até o fim, obrigando-nos a ficar dentro de casa, achando meios de nos entreter. Jones ajudara-me com minhas tarefas e depois insistira em ler um pouco para mim do último volume de Jane Eyre que havia começado. A condessa tentava nos deixar a sós o máximo possível, todavia sempre acabava voltando em busca de companhia.

Jogamos charadas encenadas, onde colocávamos adereços e fazíamos mimicas, para que o outro descobrisse. Depois quando enjoamos, passamos para as cartas e assim por diante até acabar todas nossas opções. Então seguimos para a sala de música, onde Belle assumiu o piano, e ela e Killian cantaram um dueto sobre bucaneiros, com direito a uma péssima atuação por parte dele, que fez nós duas rir.

O conde se juntou a nós apenas durante o jantar e mal trocou algumas palavras, parecendo incomodado com a mesa barulhenta que tinha diante de si. Killian e a prima se provocavam de tal forma, que pareciam duas crianças que sabiam usar o duplo sentido. Em alguns momentos eu ficava perdida quando os dois começavam a falar francês e minha cabeça parecia querer dar um nó com a forma que as palavras eram pronunciadas e o sotaque. Eles me ensinaram algumas frases, todavia depois de um tempo treinando desisti por sentir dor nos lábios, já que para dizer as palavras acabava por se formar um bico.

Os dias que se seguiram foram os mais magníficos que tivera. O clima estava bom: nem muito quente e nem muito frio. Não choveram mais, e Jones e eu estávamos nos dando muito bem em sermos apenas amigos, por mais que eu sempre identificava o olhar fervoroso e cheio de sentimentos desejosos em minha direção, que causava reações deliciosas por todo meu corpo, quando estávamos fazendo algo muito próximos um do outro.

Fazíamos longas caminhadas, ficávamos no pomar colhendo e comendo as frutas no final da tarde, conversando sobre tudo e rindo sobre nada. Killian me fazia rir, daquela forma que sentia tanta falta, de me fazer perder o ar e a barriga se contrair de dor, fazendo com que lágrimas surgisse nos olhos. Líamos também um para o outro, sempre no fim da noite. Jones se esgueirava em meu quarto e ficava até perto da meia-noite, quando se despedia com um beijo em minha bochecha e brincava com alguns cachos.

Durante todo aquele tempo, tivemos apenas um desentendimento, após os dois iniciais e tudo por causa de uma carta que Neal me enviara. Aos olhos dele, era uma ameaça, como se cada palavra escrita por Cassidy fosse na intenção de me seduzir. Para não estragar nossos dias que chegavam ao fim, enfiei a correspondência no fundo da gaveta e deixei para respondê-la depois, o que pareceu deixá-lo não feliz, mas pelo menos satisfeito.

Estávamos nós três, quatro se contar Gideon no colo de Killian, sentados perto da lareira saboreando a preguiça pós jantar que tomara conta de nosso ser, como se fossemos resumido a puro ócio. Belle estava estirada em uma namoradeira como se respirar fosse extremamente trabalhoso para ela.

—Tem certeza que já tem que partir amanhã? – balbuciou, fitando o primo. – Fique mais um tempo.

—Mesmo que eu saiba que irei perdê-la se caso conseguir não me casar com Milah, é um momento importante na fábrica e preciso estar lá. – respondeu solenemente.

—O que eu acho... – comecei, piscando lentamente ao tentar afastar o sono. – Que o problema de seu tio... É que ele não tem uma esposa para atormentá-lo.

—Pode ser. – a morena concordou com um aceno débil de cabeça. – Uma esposa ocupa a cabeça de um homem. Ainda mais aquelas que são quengas e só querem saber de gastar.

—Sugeri para que ele se casasse com Milah, quando falei que não queria mais manter esse compromisso. – contou, vindo sentar-se ao meu lado. – A reação dele foi... Não estranha, porém inesperada.

Belle começou a rir e se ajeitou até ficar de bruços, a bochecha amassada e um bico formado que a deixava adorável.

—Se ele aceitasse, ficaria surpresa. – comentou. – Meu pai diz que o tio chegou a ficar noivo, todavia desmanchou uma semana antes de o casamento acontecer...

—Ele não a amava? – inquiri.

—Se foi por isso que ele desmanchou o noivado... – Jones começou. – Não entendo o porquê está me forçando a um casamento sem amor agora. Ele melhor do que ninguém deveria entende...

—Bup. Bup. Bup... Shh. – Belle levou o indicador aos lábios, indicando para que ficássemos quietos. – Vocês não me deixaram terminar e estão tirando conclusões precipitadas. – bradou. – A questão... É que meu pai conta que nosso tio não gosta de mulheres. De nenhum tipo. Que sua preferência é o mesmo gênero, por esse motivo não é casado. Não sei se é verdade.

—Mas... Seu pai não gosta do irmão, não é? – indaguei. – Ele poderia ter inventado isso para... Sei lá. Sacaneá-lo? – sugeri ainda assimilando o que ela tinha contado, porque sempre ouvira que a mulher fora feita para o homem. Ter a informação de que um homem poderia... Amar outro homem, era esquisita e nova para mim.

—É algo meio sério para brincar, Emma. – Jones atalhou, parecendo animado. – Se as pessoas... Se a lei fica sabendo disso, ele é condenado a morte e a coroa ainda confisca seus bens.

—Por amar?! – exclamei horrorizada. Apesar de estranhar, não parecia ter sentido alguém sofrer um castigo por sentir. – Eu não entendo muito bem isso, mas se tem amor, não deveria ser algo condenável e nem para se sentir vergonha.

—Ah minha doce menina. – Killian murmurou, beijando minha têmpora. – Se tudo fosse tão simples como é em sua cabeça.

A condessa revirou os olhos e colocou a língua para fora.

—Eu explico para você depois, Emma. – Belle prometeu. – Meu pai pode detestar o irmão, mas garanto que nunca inventaria algo tão sério assim. E quando ele me contou, pediu segredo, eu não podia ter dito isso para vocês... Então que não saía deste cômodo. – pediu com a voz mole, os olhos fechados, dando a entender que tiraria um cochilo.

Olhei para Killian que sorria discretamente e enlaçou seus dedos nos meus. Ele apertou minha mão de leve, mas de modo firme, como se quisesse dizer alguma coisa para mim sem usar palavras.

E naquele aperto, senti uma lufada de energia esperançosa se alojando em meu coração, como se tivesse sido passada de Jones para mim.

Fitei-o de olhos arregalados ao entender o que sua animação e sorriso queriam dizer.

Talvez a informação de Belle fosse o que precisávamos para que o contrato fosse quebrado, deixando-o livre para voltar para mim, se caso fosse verdadeira.