Killian

Desci as escadas correndo e no exato momento que pisei no vestíbulo vi o mordomo abrir a porta, revelando minha prima Belle do outro lado, bem agasalhada contra o frio, os olhos azuis que costumavam serem tão claros, pareciam estar em uma tonalidade mais forte em contraste com a neve tão branca que a emoldurava do lado de fora.

—Belle! – a chamei com animação, atraindo sua observação minuciosa do ambiente para mim e vendo um sorriso aparecer. – E seu marido. – constatei ao ver o homem surgir ao seu lado, olhando-me de forma mortal. Não era segredo que não nos bicávamos muito. Não havia nenhum motivo para o desgosto de ambas as partes. Apenas o estranhamento que muitas vezes acontece na vida.

—Não esperava que eu deixasse minha esposa viajar para outro condado, sozinha, esperava? – questionou com sarcasmo, seguindo Belle que entrava, livrando-se da capa e entregando delicadamente para o mordomo.

—Meu Deus como você está enorme! – exclamei surpreso ao virar-me para ela, optando por ignorar seu desagradável marido como sempre fazia quando ele começava a falar. –Você está grávida?

Minha prima afagou a barriga como se a confortasse e me fitou com repreensão.

—Não. É barriga de verme, não percebeu? – retrucou com pura ironia. – Claro que estou grávida! Se você se comunicasse comigo com mais frequência e não só quando precisa de ajuda, saberia disso. – censurou-me. – Mas aqui está Belle ao resgaste, mesmo com essa barriga de uma gravidez de sete meses. – acrescentou. – Eu devo te amar muito mesmo para sair nesse tempo, enorme deste jeito, só porque você me mandou uma carta desesperado por ajuda. – concluiu com murmúrio gritado. Tive um pouco de dificuldade para acompanhar suas palavras, já que seu sotaque sempre ficava carregado quando ela desembestava a falar. Belle havia sido criada na França, já que sua mãe era natural de lá e seu pai, irmão de minha mãe, aquele que meu tio detestava, achou que seria melhor se ficasse por Paris. Ela havia se mudado quando se casara com o conde e ainda estava se adaptando com a nova casa.

—Você sabe meu endereço, Bell. Pode muito bem mandar cartas também... Estou feliz em vê-la, minha prima. – dei um beijo em seu rosto, recebendo um olhar cerrado em troca. – Deveria ter me avisado que estava a caminho. Teria deixado tudo preparado.

—Eu queria fazer uma surpresa para você. Você está surpreso e feliz em me ver, não está? – indagou, voltando a afagar a barriga.

—Claro, eu não estava esperando.

—Então meu objetivo foi atingido. – pareceu satisfeita. – Ah olá, visconde. – cumprimentou o Sr.Odom que apareceu no vestíbulo, junto com a esposa. – Viscondessa. – acenou com a cabeça. – É um prazer vê-los. E desculpe pela chegada repentina.

—Ela garantiu para mim que havia informado vocês que estávamos vindo. – seu marido tomou a palavra, fazendo uma vénia para os dois.

—É um prazer recebê-los em nossa humilde casa, Sr. Gold. – meu futuro sogro se pronunciou, já que a esposa permaneceu calada e com uma expressão azeda, como sempre fazia diante de visitas. – Ficarão para o natal, acredito?

—Ah sim! – Belle respondeu pelo marido. – Ficaremos sim.

—Ela decidiu que queria visitar o primo. – Gold prosseguiu. – Quando minha esposa coloca uma coisa na cabeça, nada a faz mudar de ideia.

—A condessa parece ser uma força da natureza. – Sr. Odom comentou com um sorriso simpático, enquanto cutucava discretamente a esposa, para que dissesse algo.

—Sem dúvida ela é. – o velho que Belle chamava de marido concordou, olhando com ternura para ela, que retribuiu o olhar.

O vestíbulo caiu em um silêncio constrangedor por alguns segundos, em que um ficou olhando para o rosto do outro, como se esperasse uma sugestão do que fazer.

—Bom... Pedirei para arrumarem o quarto de visitas para vocês. – Lady Odom proferiu com uma voz morta, girando nos tornozelos e se embrenhando no corredor que levava à cozinha, aproveitando a chance que surgiu para fugir da tarefa de ser a anfitriã.

—Aceita um charuto enquanto espera, Sr. Gold?– o visconde ofereceu indicando a sala. Ele olhou para Belle, como se perguntasse para ela se estava tudo bem e minha prima indicou que fosse, relanceando os olhos para mim, como se avisasse que queria conversar comigo em particular.

Observamos os dois homens saírem, travando uma conversa animada sobre suas propriedades arrendadas.

Ofereci o braço a Belle e logo sua mão já estava pousada no interior de meu cotovelo com firmeza. Caminhamos em silêncio até o escritório que estava usando e fechei a porta com cuidado, passando a chave por garantia. Não que eu imaginasse que Milah fosse surgir, ela não desceria no estado em que estava com visitas em casa, mas não queria ninguém bisbilhotando.

—Onde está sua noiva? – Bell indagou, ajeitando-se na cadeira atrás da mesa, começando a mexer nos papeis.

—Doente... Não está bem da barriga. – respondi, admirando-a. Ela estava reluzente, linda. O rosto um pouco mais cheio, tirando aquela simetria delicada. A cintura larga por causa da barriga grande, a qual ela sempre mantinha uma mão, como para mostrar que estava ali, cuidando de seu bebê, como se para acalmá-lo. O ar que a envolvia parecia visível e era algo carregado de carinho que se expandia sem que ela percebesse. – Você está absolutamente deslumbrante, Belle. – a elogiei. – A gravidez lhe cai muito bem.

Seus olhos se voltaram para mim e um sorriso surgiu lentamente, como o nascer do sol, trazendo um pouco de luz e calor, depois da longa noite fria.

—Você sempre achou mulheres grávidas deslumbrantes, Killian. – comentou docilmente. – Mas muito obrigada. Tem dias que me sinto uma verdadeira ogra com essa barriga... Porém eu estou muito contente que está a caminho. – sua voz se tornou infantil.

—Talvez porque eu sempre tive vontade de ser pai. – argumentei, sentando-me na ponta da mesa.

Belle voltou a prestar atenção em mim. Deixei que ela me escrutinasse por longos minutos, como se estivesse enxergando meu interior. Então seu rosto se contorceu, como se não gostasse do que viu.

-Eu estou aqui por causa disso. – ela puxou a carta de um vinco do vestido, colocando-a em cima da mesa. – Você me pediu ajuda e antes de decidir se tenho condições de ajudá-lo ou não, preciso que me conte toda a história que existe nas entrelinhas desta carta. Quem é Emma? E por que eu sinto que ela não é apenas uma mulher que você viu algumas vezes?

Peguei uma pedra redonda grande que ficava de enfeite na mesa e comecei a jogá-la para o alto.

—Ela é uma mulher. – falei simplesmente.

Belle bufou audivelmente.

—Isto está óbvio... O que eu quero saber é o que ela tem de tão importante para você escrever desesperado por ajuda para tirá-la daqui. Conte-me sobre ela. – pediu.

—Ela é uma boa moça, se é isso que a preocupada. Não trará problemas nenhum para você. – atalhei, levantando e indo em direção ao decanter, mas o encontrando vazio.

Isso não escapou ao olhar atento da mulher sentada.

—E foi Emma que o fez secar a garrafa de conhaque? – perguntou sem hesitação. Desviei o olhar para a janela. Não fora exatamente ela que me fizera beber tudo sozinho. Fora o que eu me tornara. Estava desgostoso comigo, mas Belle não precisava saber quão miserável eu estava me sentindo por dentro, vendo-me preso a um contrato com uma mulher que detestava, enquanto lutava contra as duas partes minhas que queriam tomar posse. O rapaz que era guiado pelos sentimentos e o homem que pensava no conforto do dinheiro. – Eu sou sua prima e vim o caminho todo considerando seu pedido. Tenho certeza que Gold não irá negar que eu a escolha para criar, contudo preciso que seja sincero comigo e me conte toda a história. Você está tendo um caso com essa mulher?

Neguei com a cabeça.

—Não mais, pelo menos. Ela trabalha aqui na casa, mas já nos conhecíamos. Emma tinha quinze e eu dezenove quando aconteceu. Foi no verão, antes do tio se oferecer para pagar minha universidade. – contei, andando de um lado para o outro, sentindo-me nostálgico. – Foi inevitável. Apaixonamo-nos, de verdade, Belle. Eu me peguei vidrado na forma que o cabelo dela balançava e brilhava, principalmente quando o sol batia neles. Hipnotizado nos olhos verdes, tão raros e preciosos quanto qualquer pedra. Nos sentimentos contidos neles, na forma que Swan conseguia se expressar só com o olhar. Eu fiquei fascinado com a alma que enxerguei... Então tem o sorriso... Ah Belle! Aquele repuxar de lábios sempre sinceros. Estar nos braços dela era à verdadeira sensação de estar, não em casa, mas no lar... – fechei os olhos, lembrando quando ela me envolvia e eu me aconchegava em seu peito, ouvindo seu coração. –Encontrávamos todas as noites e passávamos as madrugadas juntos. Planejamos de casar e quando precisei ir embora, prometi para ela que voltaria; que era para me esperar... Emma me incentivou a ir terminar os estudos, a aceitar a ajuda do tio... Mas então, eu quebrei a promessa. E Emma está quebrada, em todos os sentidos. Sem dinheiro, tendo que trabalhar... Depois de muitos trancos e murros em ponta de faca, consegui que ela me desse sua amizade. Estamos trabalhando nisso, mas sei que Swan ainda está magoada comigo.

—Pudera... Eu teria te matado se prometesse voltar para mim e então ficasse noivo de outra.

—Você sabe que era essa a condição do tio.

—E você se sujeitou a isso porque quis. Afinal tem estudo, pode muito bem trabalhar e começar a criar sua fortuna. Ele não é tão poderoso como acredita ser. – atalhou com certa rispidez. - Quantos anos ela está agora?

Uma batida na porta nos chamou a atenção e olhamos para ela. O som ecoou novamente. Tímido. Provavelmente algum criado. Adiantei-me para abri-la e do outro lado estava o assunto da minha conversa com Belle, equilibrando uma bandeja cheia de petiscos.

Sorri para ela, que retribuiu com um quase sorriso e deixei que entrasse. Emma olhou para minha prima e imediatamente abaixou o olhar, concentrada em conseguir colocar a bandeja na mesa, de frente para Belle. Quando conseguiu, fez uma reverência para ela, dando discretos passos para trás em direção à saída.

—Belle, esta é a senhorita Emma Swan. – apresentei, segurando-a pelos ombros, impedindo que saísse. – Emma, esta é Belle Gold, minha prima. Conhecida também como A Condessa de Berkshire. – indiquei minha prima que revirou os olhos.

—É um prazer conhecê-la senhora. –Emma murmurou parecendo confusa. – Eu sou conhecida com A Criada ou A Inútil... Então precisando, estou às ordens. – proferiu, sua testa estava crispada, suas sobrancelhas quase se juntavam, como se ela não tivesse certeza do que realmente estava acontecendo ali.

Belle soltou um risinho.

—Para mim apenas Emma, está de bom tamanho.

Ficamos em silêncio, enquanto eu estudava Belle, que por sua vez passeava seu olhar lentamente por Emma, que parecia estar desconfortável e me fitava como se perguntasse o que raios estava acontecendo e por que a mulher grávida estava a observando com tanta atenção.

—O que aconteceu com seus cabelos? – Bell quis saber, servindo-se de queijo.

No mesmo instante as mãos de Emma foram para a cabeça. Já estava bem melhor que dias atrás. Agora uma penugem dourada cobria onde antes estava falhado e em outros pontos os fios começavam a se alongar.

—Eu os vendi para conseguir dinheiro. – explicou com toda a dignidade do mundo. – Eu... Cuido dos meus pais. – acrescentou, como se de alguma forma sentisse que precisava dizer mais alguma coisa.

Minha prima assentiu.

—E quantos anos têm?

Swan voltou a me encarar, ambas as sobrancelhas arqueadas, antes de voltar a olhar Bell.

—Vinte e quatro, senhora.

Belle pressionou os lábios e se concentrou na comida em sua frente.

—Muito obrigado, Emma. – agradeci, soltando seus ombros e deixando que saísse; o que ela fez em uma velocidade impressionante.

—Ela é muito velha para eu pegar para criar, Killian. Não há muito o quê eu possa fazer. – informou com seriedade, como se pedisse para que eu entendesse se caso não conseguisse levar Emma embora consigo.

—Então como dama de companhia ou babá. Swan adora crianças. – contei, lembrando-me de como ela ajudava com os pequenos que não ficavam quietos nas missas. – Quero que Emma tenha uma oportunidade e sei que vocês duas irão se dar muito bem. Belle, garanto que irá adorá-la. Swan é um doce, boa e educada.

—E você a ama. - adicionou.

—E eu a amo. – concordei.

Belle levantou e andou até mim, colocando suas mãos em meus ombros.

—Vou observá-la nesse tempo que ficar aqui. Não será muito, mas acredito que o suficiente. Dependendo do que eu achar levarei sua garota comigo, para que trabalhe— deu ênfase, para deixar claro que precisaria de uma boa desculpa para querer levá-la. – E ensinarei tudo o que ela precisa.

—Muito obrigado, Belle.

—Eu sou sua prima. Há poucas coisas que não faria por você... Realmente preciso fazer xixi... Uma coisa que não te falam, é que grávidas vivem precisando de um penico. – resmungou, dando-me as costas, com passos incrivelmente rápidos para alguém tão grande como ela. – Irei ficar com tia Jenna depois disso. – avisou, fechando a porta.

[...]

Encontrei Emma do lado de fora da casa, sentada em um banco de pedra atrás de uma sebe. Ela estava curvada para frente, como se tentasse se enrolar, a cabeça coberta por um pano. Estava brincando com a respiração condensada que saia de sua boca, enquanto chutava a neve branca para longe.

—Acabará doente se ficar aqui fora. – comentei, sentando ao lado dela. Swan ergueu os olhos para mim, parecendo surpresa com minha presença. – Está tudo bem?

Emma fez que sim, voltando a chutar a neve com a ponta do sapato, ficando em silêncio.

—Essa tristeza toda é por causa do rato? – eu quis saber, inclinando-me para frente para poder ver seu rosto.

Mais uma vez, Swan se limitou a responder com um balançar de cabeça, de um lado para o outro, em uma negativa.

—Às vezes eu me sinto muito sufocada lá dentro. – falou por fim, voltando a me fitar. – E não acredito que irei falar isso... Mas estou preocupada com Milah. – segredou tão baixo, como se tivesse vergonha. – Já era para ter parado. – acrescentou como que para si mesma.

—Milah ficará bem, independente do que você aprontou. – tentei tranquilizá-la. Eu sabia que Emma tinha feito algo, apenas pelo modo que se comportou naquele café da manhã, muito cortês para com minha noiva, depois do acontecido. Eu sabia que poderia esperar que:

A) Emma chegaria gritando irada e pularia em cima de Milah, batendo na mulher pelo o que ela fizera.

Ou

B) Que Swan faria algo não muito chamativo. Talvez um prato caprichado na pimenta ou alguma coisa que soltaria a barriga de Milah.

Para ser honesto comigo mesmo, eu tinha quase certeza que Emma iria optar pela opção A, levando em consideração o quanto estava brava naquela noite que estávamos em sua casa. Eu já estava preparado para separá-las se fosse necessário.

—Sua mãe me disse a mesma coisa. – retorquiu. – E sorrindo.

Arqueei a sobrancelha para a mulher ao meu lado. Apesar de tudo que adquirira com os anos e, com isso estava me referindo ao seu novo linguajar que me surpreendia; Emma ainda era completamente inocente para perceber certas coisas.

—Então talvez quem esteja castigando Milah dessa vez seja minha mãe. – sugeri, percebendo a forma que seu corpo se endireitou e seus olhos arregalaram um pouco.

—Não tinha pensado nisso. – suspirou, parecendo aliviada. – E você falou com Milah? – perguntou.

—Falou o quê?

—Sobre nós.

Neguei com a cabeça.

—Não. E não tenho a mínima intenção de contar para ela sobre o relacionamento que tivemos. – declarei estoico.

Emma soltou um suspiro cansado e deu de ombros.

— Já que estamos conversando... Não gostei da forma que sua prima me olhou. – informou. – Como se eu fosse um objeto que ela está considerando se vale a pena comprar ou não.

Olhei para frente, inspirando fundo, sentindo o ar gelado queimar enquanto entrava e o soltei, vendo a nuvem de fumaça se formar. De certa forma, Emma não estava errada em ter percebido aquilo. A diferença é que Belle a perscrutou na intenção de ajudá-la, não de fazê-la se sentir mal, como um objeto.

—Minha prima... Ela é uma das mulheres mais incríveis que você vai encontrar. Belle tem essa mania de estudar os outros descaradamente, mas porque ela acredita convictamente que é capaz de ler as pessoas e suas entrelinhas. – tentei explicar.

Emma balançou a cabeça em confusão.

—O que são entrelinhas? – instigou com curiosidade.

Passei a língua nos lábios para molhá-los, voltando a olhar para Emma e encontrando aqueles olhos verdes tão raros, prestando total atenção em mim, ansiando pela explicação. Procurei sua mão, sentindo uma urgência repentina de tocá-la de alguma forma, conforme as batidas do meu coração iam se tornando mais fortes.

-Posso? – indiquei a mão que ela escondia. Emma crispou os lábios, mas colocou-a sobre a minha. Apertei-a, sentindo a aspereza dela e então a levei até a boca, soprando ar quente para esquentá-la. –Em um texto, muitas vezes existem coisas que não são colocados em palavras, mas deixado entre elas, como se fosse... Pistas. Entrelinhas é algo que não dito é claramente ou diretamente, porém está lá, para quem for um leitor mais atento perceber... Entendeu? – inquiri, dando o tempo que ela precisava para conseguir guardar a informação, até que finalmente assentiu.

—Então sua prima estava me lendo? – questionou, apontando para o próprio peito. Anuí para ela. – Por quê?

—Porque ela sabe de você. – confessei. – E aposto que estava tentando ler a mesma coisa que eu contei que li quando a conheci. – beijei a palma de sua mão, afagando seu pulso com a ponta do meu nariz.

Suas sobrancelhas se ergueram e reparei no peito de Swan parando de subir e descer com a respiração, sinal de que ela estava a prendendo.

Eu estava esperando que ela me incentivasse a falar. Perguntasse o que eu havia lido nela. Que me deixasse fazer a leitura novamente, mais profunda dessa vez, para que explorasse todas as linhas novas.

Contudo não foi isso que Swan fez. Ela se levantou claramente nervosa e olhou para a casa.

—Eu preciso entrar. – avisou, apertando a mão que eu segurava e deu-me as costas.

[...]

—Acredito que seja melhor a senhora parar de colocar laxante na comida de Milah. – falei para minha mãe aquela noite. – Emma está ficando assustada, achando que a culpa dela e sem falar que já deu, não acha? – indaguei, vendo-a pentear os longos cabelos negros.

Dona Jenna fingiu pensar e então deu de ombros, voltando a contar cada escovada que passava nos fios.

—Tudo bem, eu vou parar. Só espero que esses dias enchendo o penico tenham servido de lição para que sua noiva se torne uma pessoa melhor... Então você quer mandar Emma para longe. – não foi uma pergunta. Era uma afirmação. – Belle me contou o motivo da visita.

Sentei-me na cama, observando-a pousar a escova no criado mudo e borrifar perfume nas laterais do pescoço. Seus olhos azuis encontraram com os meus pelo espelho.

—Por que você não a pega e a leva embora daqui? Fuja com Emma, Killian! Comecem uma nova vida nos Estados Unidos, ninguém irá buscá-lo lá. Podemos ir depois, com os pais de Emma para vivermos todos juntos como uma família. – balancei a cabeça, reprimindo o riso ao ouvir suas palavras. Minha mãe se virou para mim. – Se demorar demais, alguém irá aparecer para levá-la e quando isso acontecer, não vai adiantar nada chorar, praguejar e tentar impedi-la de seguir com a vida... Às vezes eu me pergunto onde errei com você. – murmurou, tocando o relicário que continha uma pintura minha e do meu irmão. – Eu o eduquei da mesma forma que Liam e mesmo assim, você é tão diferente dele.

Levantei-me, ignorando como meus olhos começaram a arder ao ouvir o nome do meu irmão que morrera antes de eu nascer e como minha mãe sempre fazia comparações.

—Sinto muito que o filho errado foi levado. – falei com sarcasmo, sorrindo com escárnio para ela. – Liam sempre vai ser tão melhor que eu em tudo.

Minha mãe olhou para mim, os olhos vermelhos e se levantou.

—Não diga isso. – censurou-me. – Eu o amo, filho... É que você quebrou meu coração quando optou pelo dinheiro. Mas desde pequeno você já tinha essa inclinação para o conforto, sempre foi malandro para conseguir as coisas que queria, enquanto seu irmão... Ele ficava feliz com o que tinha. Era o suficiente. Se viesse mais, ele agradecia; se fosse menos, não praguejava. E sempre colocou o amor à frente de tudo. Porém nunca mais sugira que eu ficaria feliz se você fosse tirado de mim. – ela me envolveu em seus braços, apertando-me com força, fazendo-me pousar a cabeça em seu ombro e senti seus dedos se enfiarem em meus cabelos. – Eu o amo, Killian. Daria minha vida por você. Nunca se esqueça. – seus lábios tocaram minha bochecha esquerda com carinho. – Só gostaria que você seguisse mais o seu coração e menos a sua cabeça.

—Também a amo, mãe. Irei deixá-la dormir. – afastei-me dela, indo para a porta. – Boa noite.

—Boa noite, filho. E ah... Amanhã Milah já estará melhor. – garantiu-me. – Tenha bons sonhos, meu menino. – jogou-me um beijo, começando a ajeitar a cama.

Antes de voltar para o meu quarto, passei para ver como minha noiva estava. Milah não me deixou entrar, garantindo que estava bem e que eu deveria ir dormir. Algo dentro de mim se tornou mais leve com o alivio que sentiu de ser liberado de uma conversa com ela em seus aposentos. Ainda sentia calafrios ao lembrar-me de quando ela entrou no meu.

Encontrei Gold saindo do quarto onde estava com minha prima e quando me viu, ele parou onde estava.

—Belle quer alguma coisa para comer. – informou para mim. – Poderia fazer a gentileza de pedir que trouxessem algo? Afinal estamos aqui por sua causa. – lembrou, abrindo um sorriso falso.

—Claro... – concordei, sem me deixar abalar pelo seu tom esnobe. – O que ela costuma comer?

—Biscoitos ou bolos. E leite com açúcar.

Aquiesci, observando-o retornar para dentro e desci as escadas, indo em direção à cozinha. Assim que pisei encontrei Swan ali, perto do fogão, ainda em seu uniforme. Olhei ao redor, constatando que Emma estava sozinha e aproximei-me sorrateiramente dela.

—Swan. – murmurei em seu ouvido, apertando sua cintura com as duas mãos. Ela apertou os lábios, soltando um guincho abafado e olhou para mim com irritação, enquanto a soltava. – O que ainda está fazendo aqui?

—Não consegui voltar para a casa. A neve está muito alta. – explicou, parecendo aborrecida, tirando a chaleira do fogo. – E não faça mais isso, se alguém ver pensará que estamos coisas erradas... Precisa de algo? – indagou, olhando rapidamente para mim e voltando a se concentrar no chá que preparava.

—Um pouco de leite morno para Belle. Bolo, se não tiver bolo, pode ser biscoitos. – falei, sentando-me na cadeira, vendo-a tampar a xicara fumegante e entrar na despensa, retornando pouco depois com uma garrafa de leite

—Vai querer um pouco? – quis saber.

—Só se você me acompanhar.

Emma me olhou por cima do ombro.

—Lady Odom não admite que os criados comam da mesma comida. – retrucou, despejando o leite na xicara antes de colocá-lo na chaleira.

—Lady Odom nem irá perceber... Para quem é esse chá? – apontei para a xícara.

—Para Milah. É de maçã, para prender. E as torradas tem geleia de goiaba... Conseguiram achar nas andanças por comida. Pedi para trazerem para ela. – informou – Irei colocar açúcar, tudo bem?

—Sim, foi o que Gold pediu para que colocasse.

Swan enfiou a ponta do dedo dentro da chaleira e a tirou do fogo, voltando o leite para a xícara.

— Irei levar para ela. – avisou, ajeitando a bandeja com o leite, dois pedaços de bolo de cenoura, o chá de Milah e as torradas. – Eu só espero que sua noiva não jogue em mim. – proferiu com a testa franzida. – Seu leite está ali, com uma colher pequena de canela, duas de açúcar. Vá dormir. – ordenou em um tom brincalhão.

—Você se lembra como gosto do meu leite? – perguntei incrédulo.

Emma sorriu.

-Eu me lembro de tudo muito bem, senhor Jones. Quando não se sabe escrever, a memoria é tudo o que você tem... Boa noite e bons sonhos comigo. – provocou, depositando um beijo em minha bochecha. Fiquei sem reação por um momento e Emma riu deliciada, deixando-me sozinho na cozinha.

Levantei-me para pegar o leite e fiquei olhando por onde Swan saíra. Se eu seguisse o conselho de minha mãe e fizesse o que meu coração mandasse, eu teria que casar com Emma no dia seguinte.

—Espero que tenha bons sonhos comigo também. – murmurei, indo procurar biscoitos na despensa.

[...]

—Eu tenho algo para lhe mostrar, Kill. – Belle falou séria, entrando no escritório.

Endireitei-me, passando a mão pelo rosto e olhei para ela, dando a devida atenção que pedia. Eu estava me sentindo estressado naquela manhã. Principalmente quando Milah desceu para o café da manhã, até que corada para alguém que tinha passado tantos dias colocando tudo para fora. Minha noiva tinha sido o mais agradável que conseguia com Belle e seu marido, mas quando foi subir, exigiu a companhia de Swan. Emma me olhara como se pedisse ajuda, mas no momento eu nada podia fazer e até aquele instante não tinha tido noticias de nenhuma das duas.

— Lembra aquela vez... Tem alguns anos já, em você foi me visitar em Paris e fomos até uma feira? – inquiriu, aproximando-se da mesa. Belle segurava um saquinho de veludo vinho em suas mãos, que apoiavam na barriga.

—Claro. Você queria ver o circo que estava montado. – recordei. Ela havia me aporrinhado para que eu a acompanhasse.

—Você lembra que havia esse grupo de ciganos tocando um realejo e eu insisti para que tirássemos a nossa sorte?

Aquiesci lentamente, sem saber onde ela queria chegar.

—Pois bem. Você achou aquilo besteira, mas como bem sabe; eu acredito nestas coisas místicas... – murmurou, puxando um pedaço amarelado de papel e colocou a minha frente. – Guardei a sorte que você tirou aquele dia. E nunca me esqueci das palavras dela, de como senti algo ruim... Sonhei com isto noite passada e acho que você deveria guardar.

—Você é uma verdadeira dor nas partes baixas. – resmunguei para Belle que segurava meu braço, enquanto olhava tudo admirada. -Circo nem é uma coisa tão legal assim.

—Eu gosto. – ela se limitou a responder, sua atenção se fixando em algo a sua direita. Minha prima me puxou, arrastando-me até um ponto onde um grupo de pessoas; ciganos, pude perceber por causa de suas vestes, estavam reunidos. Uma mulher girava a manivela de um objeto que emitia uma música alegra.

—Um realejo! – Bell exclamou fascinada, estudando o instrumento.

—Não apenas um realejo. Mas um realejo da sorte! – a mulher que o tocava explicou, sua voz rouca e desagradável, não por ela ser rude, mas provavelmente causa de muita bebedeira. – O que acha de ver sua sorte, linda mulher? Por apenas cinco pence você pode tirá-la.

Revirei os olhos e enfiei a mão no bolso antes que Belle dissesse alguma coisa e entreguei a moeda para ela, que rapidamente colocou na caixinha aberta no chão.

A cigana continuou a tocar o realejo, acompanhando com o corpo a melodia e conforme a música foi chegando ao fim, ela cantarolou umas palavras em sua voz grossa:

—Quando a música silencia,

Um papel ele lhe dará

O realejo nunca erra

Em sua sorte tirar.

Um papel surgiu na abertura do instrumento. Bell se adiantou para pegá-lo e o desdobrou com afobação, lendo e então o esticando para que eu pudesse ler.

“As linhas preenchidas de sua vida formará uma linda história”

—Sempre soube disso. – afirmei, sorrindo para Belle que olhava admirada para o papel.

—Tire um meu rapaz. – a mulher incentivou, voltando a girar a manivela.

—Muito obrigado, mas não tenho interesse de ver minha sorte.

Belle bateu em meu braço com força, o rosto fechado em uma carranca que a deixava com um biquinho engraçado, que tirava toda a sua credibilidade.

—Deixe de ser chato, Killian! – reclamou.

—O rapaz não acredita nestas coisas?

—Para ser sincero... Não. Sem querer desrespeitá-la, senhora.

—Tire um... É por minha conta.

Olhei para minha prima que implorava com os olhos para que eu fosse legal e tirasse a droga de um papel. Acabei concordando sem vontade alguma e dei um passo para frente, esperando que a música acabasse; ouvindo a mulher entoar uma vez mais as palavras de antes quando as notas morriam lentamente e o papel surgia. Estiquei a mão, desdobrando-o com as pontas dos dedos.

“Espigas douradas, se não forem bem cuidadas, um coração-morto podem se tornar”

Belle inclinou a cabeça, empurrando meu ombro para trás e olhando com curiosidade para o escrito. Li em voz alta tentando entender o que aquilo queria dizer.

—Que? – murmurei confuso. - Onde está a sorte? – me ouvi perguntando. – Isto daqui me parece qualquer coisa menos algo bom.

A cigana sorriu para mim, dois dentes da frente faltando.

—Nem sempre o futuro é recheado de sorte. Você terá que descobrir por si só o que deverá cuidar para evitar que isso aconteça.

Fiquei observando as palavras, sentindo um aperto no peito, pela primeira vez entendendo o que elas queriam dizer.

—Eu acho que está se referindo a Emma. – Bell verbalizou o que se passava pela minha mente.

—Ou uma safra ruim de trigo. – brinquei, pegando o papel e o enfiando na gaveta. – “Coração-morto” é uma espécie de lagarta, ela come o meio do trigo, deixando um buraco. – expliquei.

—Diga-me, por favor, que você está se fazendo de sonso. – suplicou com os olhos fechados. – Está claro que a mensagem não é literal, ela está em sentido figurado. Você se encontrava com essa moça nos trigais... “Um coração-morto podem se tornar”. Isso se refere a vocês dois. O “podem” está no plural, o que significa que não é apenas um coração. Kill, você precisa consertar isso. – decretou séria, apontando para a gaveta. – Milah é a lagarta que irá matar as espigas douradas. Você e Emma são as espigas... O amor de vocês está em risco se você não fizer algo.

—E o que você, aconselha? Que eu pegue Emma e fuja? – instiguei. – Eu estou preso a Milah por um contrato... Mandei cartas para conhecidos meus que podem me ajudar com isso, mas até agora não obtive respostas.

—Já tentou simplesmente falar: eu não quero mais me casar com sua filha, Sr. Odom? – sugeriu.

—O tio contou sobre Emma para ele e quando o visconde juntou dois mais dois, sugeriu que eu a fizesse minha amante, apenas para não romper o noivado com Milah. – retorqui com cinismo.

Belle abriu a boca em um “O” horrorizado.

—Que cretino! – xingou, sua voz levemente esganiçada.

—Eu estou tentando. – falei mais para mim do que para minha prima. – E tenho medo do que irá acontecer se eu conseguir... E se eu não conseguir cuidar de Emma? E se eu não conseguir romper o noivado? O que vai acontecer? Tudo estava ótimo na minha vida antes de eu voltar para cá. – resmunguei.

—Então se eu levá-la... Tenho permissão para tentar arrumar um marido para ela? – indagou. – Essa sua fala indica que está desistindo?

Olhei para a mulher parada a minha frente, acariciando a barriga, as feições decepcionadas. Senti meu coração se encolhendo ao perceber que Belle lera possivelmente as entrelinhas que nem eu havia percebido.

—Se tudo estava ótimo antes de voltar para cá, indica que estava satisfeito com a vida que levava. Que você se esqueceu como era a vida com amor... Você quer tentar ver se consegue esquecê-la mais uma vez e voltar a viver uma ilusão de que possuí uma vida boa? – questionou séria.

Pensei em Emma e o quanto ela perdera nos anos que me esperou. Quanta dor havia causado nela.

Quanta dor havia causado em mim. Dor essa que abafei durante tanto tempo e que veio a tona quando a vi.

—Leve-a com você. – proferi lentamente, pesando cada palavra na ponta da língua. – Eu ainda não sei. – confessei em um murmúrio envergonhado. – Não sei como minha vida vai se resolver depois dessa confusão em que me meti.

Belle balançou a cabeça em uma negativa e olhou para além da janela, os lábios pressionados.

—Você não é um homem, Killian. É um moleque que de fato não merece o amor de uma mulher. – grunhiu, dando-me as costas e batendo a porta ao sair.

[...]

Acordei com uma leve batida na porta e a ouvi sendo aberta vagorosamente. Cerrei os olhos para ver quem estava atrapalhando meu sono e Emma surgiu em minha frente, sorridente.

—Bom dia, senhor Jones. – cumprimentou-me, abrindo as cortinas com alegria, cegando-me com a brancura que vinha do lado de fora. - Está sendo solicitado por seus pais no quarto deles. – informou.

Sentei-me, observando-a se movimentar pelo quarto, ajeitando-o. O uniforme negro havia sido substituído por um vestido verde claro, com pequenas flores desenhadas. Swan olhou para mim e então se jogou em minha cama, sentando de frente para mim, com olhos sapecas como se estivesse aprontando alguma coisa.

—Hoje é véspera de natal! – anunciou com tanta animação que parecia uma criança. – Ganhei esse vestido dos patrões. – indicou, colocando-se de pé e girando para que eu pudesse ver. – Os embrulhos estavam na cozinha.

—Está linda, Emma. – a elogiei, a voz falha. – Não a vi nesses dias.

—Ah. – Emma soltou, rodeando a cama. – No dia seguinte que nos vimos na cozinha, passei o dia com Milah. – contou. – Ela me deu alguns vestidos “velhos” dela, acho que como forma de agradecimento pelo chá... Ou estava tentando fazer uma boa ação. Queria dizer para ela que nada vai adiantar já que a vaga dela no inferno está guardada com sucesso. Também quis saber da Tinker. Minha amiga está muito bem, por sinal. – tagarelou.

—E você aceitou os vestidos? – inquiri descrente.

—Sim. Eu sou pobre, Killian, não tenho luxo de negar roupa... Mas os deixarei guardado. Quero lavar todos muito bem. Vai que Milah jogou o pó da coceirinha neles. Depois de limpos dividirei com minha mãe e Tinker. – explicou, parando por um momento e tomando ar. – Nos outros dois dias; fiquei com sua prima. Ela pediu para o visconde se eu não podia ajudá-la, como uma dama de companhia... Gostei dela. Você estava certo. Ela é boa. Um pouco doidinha, mas boa. Ela leu Bocage para mim e demos risadas dos poemas indecentes dele até o Sr. Gold aparecer e repreendê-la por estar lendo tamanha “sem- vergonhice”. – Emma bufou, demonstrando como achava besteira e finalmente olhou para mim e voltou para perto da cama, aproximando o rosto do meu. Engoli em seco ao ver tão bem a cor verde de seus olhos, enxergando um leve contorno negro neles. – Sua prima me ensinou algumas letras. Ela passou esses exercícios para escrever... Como ela chamou? – ficou pensativa, passando os dentes no lábio inferior.

—Caligrafia? – sugeri.

—Isso! Senhora Gold me ensinou as vogais. E me disse que fica mais fácil lembrá-las se eu associá-las com palavras que iniciam com essas letras. Mas eu já guardei muito bem aqui. – bateu o indicador na têmpora esquerda.

—E quais são elas? – perguntei, sendo contagiado com aquele calor animado que fluía de Emma.

Era como se ela carregasse o verão consigo.

—A, E, I, O, U. – falou rapidamente, um sorriso orgulhoso em seus lábios. – Daí eu cheguei em casa e contei isso para os meus pais. Mostrei as folhas de caligrafia... Eles choraram... – Emma soltou como se estivesse perdida em algum lugar, olhando para o chão. – Já falei demais. Seus pais estão esperando, eles querem você lá antes que a família Odom desperte... E antes que eu me esqueça. – ela enfiou a mão dentro do busto do vestido e puxou um papel. – Fiz isso para você. Como presente de natal e agradecimento por tudo.

Peguei o papel de sua mão. Emma se sentou ao meu lado, parecendo ansiosa. Desdobrei cuidadosamente e encontrei o desenho de um terno.

—Você que desenhou? – instiguei embasbacado, estudando a roupa. O casaco comprido pintado de um azul escuro quase como o céu noturno entrando na transição para o alvorecer, a camisa de uma cor que lembrava marfim e calça negra, que parecia moldar nas pernas do desenho. Uma gravata, vermelho queimado na gola dava o toque final.

—Sim. Eu gosto de criar roupas. – segredou, fitando seu trabalho. – Fiz para o seu casamento... Isto é, se quiser mandar fazer para usá-lo. Posso te dizer os tecidos que imaginei, já que eu não sei escrever.

—O formato... – contornei com a ponta do dedo o casaco até a calça.

—Lembra os usado no campo. – completou. – Para que não esqueça que apesar de morar na cidade, você veio daqui. E que pode ser um deles sem perder a sua essência... A costureira da vila disse que chamam esse novo vestuário de dândi. Às vezes eu passo por lá para ver as novidades de Londres e para ter algumas inspirações. Gostou?

Estudei seu perfil sério, a pele corada, a forma que seus lábios estavam levemente abertos. Senti meu coração começando a bater forte e lento demais contra a minha caixa torácica, ribombando em meus ouvidos, fazendo meu corpo todo ficar preparado para algo. Swan me observou diante ao meu silêncio, olhos inquisidores, querendo saber o que tinha acontecido e finalmente me fiz consciente de onde ela estava sentada.

Ao meu lado.

Na minha cama.

Inclinei-me em sua direção, o mais vagaroso possível, sem desviar os olhos do seu. Emma se empertigou, todavia não se afastou, apenas ficando bem parada, o olhar desviando rapidamente para a minha boca e fiz o mesmo, fitando aqueles lábios finos e rosados que se entreabriam mais, prontos para me receber.

—Não. – ela murmurou, sem se mexer. – Eu não tenho forças para sair, mas você tem o poder de não prosseguir.

Passei a língua pelos meus lábios, aproximando-me mais.

—Eu não tenho, Emma. – afirmei, roçando levemente os meus nos dela, o ar quente que saia deles me preenchendo e fazendo com que eu fechasse os olhos.

—Milahmedisseque se casam no final do verão. – Emma tropeçou nas palavras e ao entender o que ela dizia, eu me afastei para olhá-la. – Precisamos respeitá-la, não importa o quanto queremos isso. Amizade é tudo o que podemos ter.

—Então você desenhou meu traje de casamento com Milah. – constatei, apertando o papel em minha mão, ouvindo a folha se amassar.

—Belle falou que você não parece propenso a romper nada. E eu entendo. Acredite que eu entendo. – afirmou veementemente, enquanto piscava sem parar como que para dispersar as lágrimas. – Se tivesse alguma chance de casar com alguém rico, acredite que agora, eu não hesitaria. Diria “sim” sem nem pensar duas vezes. Tentar me casar por amor apenas me trouxe decepções. – sorriu docemente, afagando meu rosto e segurando a minha mão. – Eu só desejo que encontre a felicidade que acha que o dinheiro irá trazer... Agora venha que daqui a pouco sua mãe vem pessoalmente buscá-lo. – Emma puxou-me, levantando da cama.

—Mas eu nem estou vestido. – reclamei, entrelaçando meus dedos nos dela.

—Ela me deu ordens restritas para que o levasse do jeito que estivesse... Jenna disse que você costuma ou costumava dormir nu. – informou, abrindo a porta e olhando os dois lados do corredor antes de se virar para mim com um sorriso zombeteiro.

—Apenas quando muito quente. – resmunguei, sentindo a face esquentar quando Swan abafou a risada.

—Ainda bem que estamos no inverno. – retorquiu, guiando-me para o quarto dos meus pais e entrando sem bater. – Ele está aqui. – empurrou-me para o quarto. Meus pais ainda estavam na cama, com Belle entre eles abraçada com uma boneca, a cama cheia de presentes. –Com sua licença. – pediu, dando passos para trás.

—Nada disso, Srta. Swan. – meu pai a chamou com repreensão. – Volte para esse quarto agora que está convidada para o natal antecipado dos Jones. Não temos comida, mas temos presentes. – indicou os embrulhos.

Belle e minha mãe olharam para Emma que parecia indecisa se entrava ou saia correndo dali, até que por fim suspirou e deu um passo para dentro, encostando a porta atrás de si.

—Eu não tenho presentes para trocar. – avisou, apertando as mãos. – E tudo o que fizeram por mim nos últimos dias já é um verdadeiro presente.

Jenna estalou a língua e começou a buscar entre os pacotes, quando minha prima a parou gentilmente.

—Peça para Emma achar o embrulho dela. – aconselhou.

—Muito bem... Procure seu presente aqui, filha. Garanto que irá gostar. – minha mãe se levantou animada, empurrando Emma até a cama. Procurei os olhos de Belle querendo saber o que as duas estavam aprontando, porém ela estava me ignorando descaradamente, como fizera nos dias anteriores.

Emma tombou a cabeça para o lado, tocando com as pontas dos dedos os nomes escritos nas caixas de presentes, murmurando as letras que sabia, até que parou em um embrulho redondo e a ouvi pronunciar o próprio nome. Ela olhou para minha mãe erguendo o presente e Jenna afirmou com a cabeça que aquele era o dela.

Observei-a puxar as fitas douradas que o enfeitava e tirar a tampa, suas sobrancelhas se arqueando de assombro, a boca abrindo de surpresa e de onde estava pude ver a água brilhante se acumulando em seus olhos.

—É um presente meu e de Brennan. – minha mãe comunicou.

Swan abriu e fechou a boca várias vezes, como se tivesse esquecido como se falava.

Curioso, aproximei-me para ver o conteúdo da caixa.

-Eu... Eu não posso aceitar. – murmurou finalmente, erguendo os olhos para minha mãe e então para o meu pai. – Eu nunca poderei retribuir.

—Por isso se chama presente. – Bell retorquiu e se adiantou tirando-o da caixa. Ela puxou algo que lembrava uma cabeça e encaixado no topo estava uma peruca loura. – Sente-se aqui para que eu possa colocar em você... Kill, pegue os grampos para mim. – indicou a penteadeira de minha mãe, sem nem me relancear um olhar.

Ouvi Emma pedir licença, enquanto se sentava na beirada da cama e Belle ficou de pé, encaixando cuidadosamente a peruca na cabeça dela. Fiquei ao seu lado com a caixinha de grampos aberta e ela os pegava, abrindo com os dentes e prendendo algumas mexas do cabelo. O louro nada se parecia com o de Swan, mas vê-la sorrir ao tocar o couro cabeludo e sentir fios longos ali, fez desse detalhe algo completamente insignificante.

—Então? – quis saber sem jeito, tocando a extensão de cabelo.

—Linda como sempre. – respondi e senti três pares de olhos em mim, fora o de Emma.

—Vá se olhar no espelho, menina. – meu pai incentivou e Swan se levantou em um pulo, correndo para se observar, virando o rosto de um lado para o outro.

—Obrigado. – murmurei para minha prima.

—Não me agradeça ainda. – retrucou. – Esse é o presente de seus pais. E pare de falar comigo que ainda estou muito brava com você! – rosnou, batendo com força em meu estômago.

—Crianças! – minha mãe nos olhou com olhar repreendedor. – Nada de brigas na véspera de Natal.

—Então vou ter que esperar para jogar ele na frente de uma carruagem só depois dessa data festiva? – Bell questionou parecendo perplexa. Meu pai assentiu para ela, fingindo-se de desolado em ter que esperar. – Ópio.

—Droga. – a corrigi. – Tudo mundo sabe que você é bem bocuda quando quer.

—É a véspera de aniversario de Jesus, eu não posso ser bocuda, Killian Jones. Ave Maria como você é lerdo. – reclamou, voltando sua atenção para Emma que continuava se admirando, alheia a nós. – Gold não está aqui porque ele não acorda cedo, mas nós dois temos meio que um presente para você também. – informou, aumentando a voz para atrair a atenção de Swan, que se virou rapidamente para olhá-la. – É agora que você me agradece massageando meus pés inchados de grávida. – falou pelo canto da boca, tão baixo que até tive dificuldade de entender o que dizia. – Eu preciso de uma dama de companhia em Berkshire, Emma. Alguém eficiente e esperta. Como bem sabe, eu estou quase perto de ganhar o bebê, então precisarei de ajuda tanto para cuidar de mim, como para cuidar da pequena encomenda aqui. – tocou a barriga com as duas mãos. – Estive conversando com meu marido, que gostaria de levá-la conosco, para que ocupe esse cargo que até o presente momento está vago. Temos a governanta da casa, mas por Deus, eu detesto aquela mulher. – soltou um suspiro dramático.

—A senhora... A senhora quer que eu... – Emma apontou para o próprio peito. – Mas nos conhecemos tem tão pouco tempo.

—Nós duas sim. No entanto eles a conhecem há mais tempo. - apontou para os meus pais. – E me garantiram que você é uma pessoa maravilhosa e muito dedicada com o que promete. – deu ênfase, olhando de esguelha para mim. – Claro que isso serviu e muito para que eu tomasse essa decisão de oferecer o emprego para você. Deixará de ser uma criada. Nada mais de esvaziar urinóis ou ter que aturar patrões... Ingratos. Assim como receberá o salário por dama de companhia e babá. O que me diz? – perguntou, olhando Emma por sob os longos cílios negros, que estava em silêncio olhando Bell de boca aberta, como se ainda estivesse assimilando cada palavra.

—Eu tenho que dar a resposta agora? – indagou.

—Irei embora, no inicio da próxima semana, já que acredito que a neve terá começado a derreter. – respondeu. – Terá esse tempo para pensar. Espero que a resposta seja positiva... E podemos continuar com as aulas. – acrescentou como que para incentivá-la a aceitar.

—Conversarei com meus pais sobre isso. Eu não sou sozinha, senhora Gold.

Bell anuiu, sorrindo para Emma para garantir que estava tudo bem.

—Eu... Eu preciso voltar para os meus afazeres, logo os patrões acordam. –disse, parecendo agitada. – Muito obrigada pelo presente. – tocou a peruca. – E pela oferta. - fez uma vénia antes de deixar o quarto.

—Ela não vai aceitar. – Brennan afirmou. – Emma não irá deixar os pais.

Minha mãe respirou fundo.

—A oferta foi feita... Agora é esperar. Vamos abrir os presentes.

[...]

Estávamos na sala de estar, aguardando a tão esperada meia-noite para que pudéssemos ir comer. A mesa já estava posta e o cheiro que vinha da sala de jantar fazia minha barriga se contrair de fome.

Milah estava sentada ao meu lado, mão pousada sobre a minha, ouvindo a conversa sobre negócios, as apostas econômicas que estavam se arriscando, dicas para a economia de dinheiro e outros assuntos que aqueles tipos de homens só pareciam ter. A casa estava até que cheia para uma família que evitava oferecer reuniões, mas de fato o espirito natalino fazia milagres. Lady Odom conversava com um grupo de mulheres em que minha mãe e prima faziam parte e captei um olhar desesperado de dona Jenna, que forçou um sorriso fingindo estar prestando atenção quando uma senhora se dirigiu a ela.

—Do final do verão não passa. – a voz de minha noiva fez com que eu voltasse a prestar atenção na roda de conversa que eu estava.

—Está tão certa disso, Srta. Odom? – o marido de Belle questionou zombeteiro, levando o charuto aos lábios. – Sr. Jones vem a enrolando tem uns bons anos já, não acha?

Lancei um olhar mortífero para Gold.

—Quando ficaram noivos? – um homem esguio, com a face afundada inquiriu, servindo-se de mais vinho.

—Quando terminei a universidade, senhor. – respondi.

—Quatro anos atrás. – o encosto que minha prima insistia em chamar de marido ecoou.

—Optamos por adiar o casamento para que Killian se firmasse no emprego ao lado do tio. Theodore irá passar a empresa para Jones quando achar que já é hora de parar.

-Seu tio, possuí empresa de que?

-Tecidos, senhor.

—Uma das maiores no ramo. – Milah contou com altivez. – Killian está vendo se consegue abrir uma na Rússia! Ele é ambicioso e não poderia estar mais orgulhosa do homem que é. – adicionou com a voz doce, brincando com os cabelos de minha nuca.

—Estamos tentando abrir uma filial por lá, não é nada concreto. Com licença. – pedi, levantando-me. – Irei seu buscar seu presente em meu quarto. – expliquei rapidamente para ela que me olhou indignada quando sai bruscamente de seu lado.

—Filho irá comigo levar os presentes para as crianças da igreja? – meu pai me parou quando estava chegando à porta.

—Claro, eu irei sim.

—Sairemos assim que comermos. – informou e eu aquiesci, sentindo-me em paz quando deixei a sala para trás com suas conversas e a fumaça concentrada de charuto.

Entrei em meu quarto, acendendo a vela que ficava no criado-mudo e parei admirando o presente de Emma. Nunca soube que ela gostava de desenhar e nem que o fazia tão bem. Dobrei o papel e entrei no closet, pegando a mala em que guardara o vestido que dera a Swan, enfiando o desenho lá dentro. Fiquei por uns minutos ainda ali, olhando as roupas e por fim enfiei a mão na última prateleira, tateando até achar o caderno de couro marrom que eu deixava escondido no fundo dela, com alguns escritos secretos.

Folheei as primeiras páginas até encontrar o que estava procurando.

Vi Emma se aproximar, as mãos correndo pelas espigas, a leve brisa fazendo seus cabelos se movimentar. Ela havia pedido que eu não fosse buscá-la aquela noite. Era aniversário de seu pai e eles costumavam dormir tarde, já que ficavam comemorando e não era garantia de que conseguiria ir me encontrar.

—Desculpe a demora. – pediu assim que parou ao meu lado, olhando para mim. – Deve ser ótimo poder ficar assim, sem camisa sempre. – indicou meu peito nu.

—Valeu a pena esperar. – respondi, deitando-me e a perscrutando atentamente, como eu sempre fazia e nunca me cansava. – Como foi à comemoração?

—Tudo certo. Nada de extravagante. Apenas nós três e o luxo de um bolo de nada.

Torci o nariz de estranhamento.

—Bolo de nada?

—É. Bolo de nada. Feito com trigo. – explicou, sentando-se ao meu lado, deslizando a ponta dos dedos pela minha barriga antes de se inclinar e beijar meu peito.

—Eu gosto de bolo de nada. – afirmei, afagando seu rosto com o polegar e tirando o cabelo que insistia em cair, jogando-o por cima do ombro. – Tenho algo para você.

—Mesmo? O que é? – quis saber curiosa, endireitando-se para poder me olhar melhor.

—Um poema... Eu escrevi, mas lembre-se que eu não sou poeta, Emma Swan, então corre o risco de ter ficado uma grande porcaria.

—Duvido muito.

Sentei-me, ficando de frente para ela e soltei um pigarro.

—Fios de ouro de encantamento, - enfiei meus dedos em seus cabelos, descendo-os lentamente pela longa extensão deles. - Lábios macios a se esticar, - contornei sua boca com o indicador, vendo um sorriso surgir. - Olhos verdes que me acompanhavam, - beijei cuidadosamente um olho, depois o outro, seus cílios causando uma leve cocegas em meu lábio superior. - Antes mesmo de olhar. Esperava o verão com anseio, sem ao menos questionar, Eis que agora entendo, - peguei suas mãos nas minhas. - Que deverias tu encontrar. – fixei meus olhos nos dela, querendo que Swan enxergasse as palavras ali dentro. – Amar-te-ei no outono e quando o inverno chegar, Pois contigo ao meu lado, Todas as estações esteio será. – terminei, puxando-a para o meus braços e sentindo-a se aconchegar melhor ali.

Emma beijou meu pescoço, subindo para o meu maxilar, bochechas, até finalmente deixar que eu a beijasse da forma que gostava, sentindo sua língua sempre preguiçosa de encontro com a minha que era ávida pelos beijos que ela retribuía. Seu corpo se pressionou mais ao meu e segurei seus quadris, querendo que ela ficasse quieta, daquela forma.

—O poema é sobre mim. – constatou, beijando o canto de minha boca, a mão em meu rosto enquanto procurava meus olhos.

—Sim. É sobre você, minha menina. Gostou?

—Eu amei, amei. – murmurou, esfregando a ponta do nariz no meu. – Só tenho uma pergunta. O que é esteio?

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—Outra palavra para verão. – respondi, deitando-a. Emma tombou sua cabeça para o lado, adivinhando minha intenção e comecei a atacar seu pescoço, sentindo-a arrepiar e estremecer, um pequeno gemido saindo dela.

—Hmmm... Então isso quer dizer que eu o deixo quente?

Parei, vendo seus lábios pressionados enquanto segurava o riso.

—Isso quer dizer que você é quente e enquanto estiver comigo eu serei aquecido com o seu calor, porque o verão está dentro de você.

Swan ficou séria.

—Obrigada pelo poema. Gostaria que você me desse o papel onde ele está escrito. – pediu. – Para eu ter algo seu quando for embora.

—Eu ainda não me decidi nada. – retruquei.

—Eu quero que você vá, Killy. É a sua chance. E outra, não quero que me culpe futuramente por não ter ido atrás de seu sonho porque escolheu ficar comigo. – afastei-me dela, começando a me sentir aborrecido. Senti seus lábios tocando meu ombro esquerdo e suas mãos em minhas costas, antes dela me envolver em um abraço. – Só prometa-me que irá pensar, e que independente de qual for sua decisão não terá nada a ver comigo e sim com o que seu coração decidir.

Anui, olhando de soslaio para Emma.

-Tudo bem. Eu prometo.