Nobody Breaks My Heart… But You Do

Love, love, love What is it good for?


7 da manhã, estou pronta. Pelo menos isso é o que a máscara pesada nos meus olhos diz pra mim através do espelho. Escolhi um vestido curto essa manhã, quero brincar com as possibilidades. O ensino médio está cheio de meninos ingênuos esperando para serem fisgados, e eu gosto da atenção que recebo, gosto de olhar para trás e ver eles discutindo, gosto dos amigos que se acham líderes do bando tentando envergonhar os mais vulneráveis diante de mim.

Desço as escadas sem muita vontade de olhar nos olhos da minha mãe. Estamos um pouco estranhas desde que eu ouvi ela dizer “Não, ele não desconfia de nada” ao telefone. Ela tentou me enrolar com a história mais cretina, dizendo que se trata de um presente de aniversário antecipado para o papai. Ela realmente não me conhece de verdade, e nunca vai conhecer. Meu pai é a pessoa mais idiota do mundo, uma porta emperrada é mais inteligente do que ele. Como pode não perceber que ela não te ama mais? Como pode não perceber que o casamento de vocês acabou?

Na verdade eu gosto do meu pai, eu admiro sua ingenuidade porque nela mora um pouco de doçura, como no aniversário dele o de inventou um jantar em família e depois um jogo de tabuleiro. Ninguém estava gostando daquilo, e nem o melhor jogo do mundo me faria falar em voz alta naquela época, mas com seus olhinhos de criança ele queria muito acreditar que aquele era um momento mágico em família, que seu aniversário estava sendo comemorado da melhor forma possível.

— Bom dia, princesa!

— Oi, pai.

— Se apresse com as torradas, eu vou te levar para o colégio.

— Obrigada, mas vou pegar um ônibus.

Papai deu sua clássica encarada nas minhas roupas. Na verdade isso acontece de vez em quando, meu pai tem assistido muitos daqueles documentários policiais do Discovery, ele fica de boca aberta e olhos arregalados olhando as histórias mais sombrias sobre meninas adolescentes que foram mortas depois de encontrar um namorado da internet ou garotas que foram sequestradas no caminho da escola. Nessas férias viajamos para Paris e ele era como meu motorista particular. Tenho amigas francesas, e ele me levava para a casa delas achando que éramos meninas muito inocentes, que minha fase de festas havia passado. Todo dia tinha festa do pijama na casa da Marrie, e devido a minha proximidade com a Panda ele acreditava que eu tava nessa vibe mais tranquila e infantil. Não demorava 30 minutos até a gente sacar nossas identidades falsas e conhecer a noite parisiense. Eram meus primeiros rolês muito pesados no exterior, com a idade de 23 anos usei minha personalidade universitária. Para o papai, eu era uma menina inocente comendo biscoitos e leite quente ouvindo Katy Perry, longe das garras de qualquer homem malicioso e criminoso, longe de kombis (Até porque ele tem trauma com kombis) e drogas ilícitas. Enquanto isso eu baforava uma lata de Coca-Cola com esquisitões de 30 anos que não falavam inglês.

Enquanto dirigia, papai estava muito nervoso recapitulando todos os detalhes do que assistiu noite passada. Falava sobre bebidas batizadas, falava sobre as pessoas da internet e sobre redução de danos ao usar MDMA. Ele teme pelo meu futuro durante o ensino médio, e pela sua vida financeira também. Durante o ensino médio foram mais de 5 mil em reparos as casas alheias devido aos danos que Tony causava, isso quando ele era pego. Meu irmão sempre soube correr dessas situações, mas não teve muito o que fazer quando afundou um carro no lago. Papai assiste tantos documentários, enche tanto meu saco e tem tanto medo porque ele sabe que não pode me impedir de viver as coisas que ele mesmo viveu na juventude.

Acendo meu cigarro e me permito flutuar dentro dos meus próprios pensamentos. Não posso me permitir! Não, vou prestar atenção em outra coisa. Se eu olhar muito pra dentro talvez eles olhem para mim também. Com um pouco de medo e um gosto ruim na boca volto a prestar atenção no que o meu pai dizia sobre assassinatos, cordas, tráfico humano e… Boom! Uma batida, papai está furioso e enquanto ele sai para tirar satisfações com quem quer que ele culpe pelo incidente, vejo um garoto colocando ketchup no rosto. O que pretende? Ele se aproxima do papai e eles começam a discutir. Fico apenas observando enquanto dou uma longa tragada no meu Marlboro.

Algo rouba a minha atenção. Não consigo fugir, não consigo fugir desse momento, não consigo fugir desse pensamento. Os olhos castanhos mais lindos que eu já vi se debruçam suavemente nas margens do oceano azul dos meus olhos. Essa cena se repete diariamente, eu já estou acostumada com atenção masculina, mas agora é diferente. Pela primeira vez somos nós dois nos olhando, e não uma encarnada unilateral.

Ele é lindo, sua pele morena brilha perolada, seus lábios parecem macios, tem um machucado no queixo e está com um baseado entre os dedos, o chapéu é meio ridículo mas eu posso ignorar isso. Minha boca está seca, meu batimentos cardíacos estão acelerados. Eu nunca senti isso em toda a minha vida, já tive momentos de profunda empatia com alguns caras, mas eram só as drogas agindo no meu organismo, quando a transa acabava e os efeitos das drogas também eu não sentia nada. Amor, amor, amor… Pra que isso serve? Absolutamente nada. Mas esse garoto realmente chamou a minha atenção… Talvez a gente pudesse conhecer um ao outro. Ou não.

Desço do carro e passo os dedos pelo rosto do garoto que acabou de enganar meu pai, ele o fez acreditar que papai tinha atropelado ele. Levo o meu dedo até a boca e saboreio o ketchup.

— Doce. - Digo olhando profundamente em seus olhos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.