No light, no light

Como um diamante no céu


—Eu vou matar o Mazur.

—Tudo bem... Pode, por favor, me explicar de novo porque vai matar o homem que mandou uma limusine nos buscar para a festa?

Roxanne, estonteante no seu vestido vermelho longo, olhava sem entender para a guardiã Hathaway a sua frente.

—Sei lá... Só não parece certo. – respondeu ainda emburrada.

—Isso é o que os Moroi querem que pensemos, Jenny! Que não temos direito a ser, mesmo que por uma noite, mais elegantes e bonitas que eles. Desde crianças, somos submetidas a uma lavagem cerebral para acreditarmos que devemos ser submissas o tempo todo.

—Você pode, por favor, não levar tudo para o lado político e social da coisa, só dessa vez? – a ruiva suspirou – Eu me sinto como a Cinderela.

Roxie riu para depois olhar a amiga com carinho.

—Bem, você está realmente linda como uma princesa.

Janine cruzou os braços e revirou os olhos.

—Nunca gostei da Cinderela.

—Como não?! É impossível não amar a história da menina pobre e maltratada que conquista o príncipe e sai sambando na cara da madrasta e das irmãs más. Você deveria se inspirar nela, sabe.

Pela primeira vez na noite, a morena conseguiu arrancar uma verdadeira gargalhada de Jenny.

—Eu queria ser a Ariel quando criança. – confessou com um sorriso tímido.

—Por causa do cabelo?

A ruiva confirmou, acrescentando:

—E porque amo água, você sabe.

—Não me surpreende, menina de Aquário. – Roxanne brincou, fazendo com que a amiga revirasse os olhos.

Além de tudo, Roxie era seguidora fiel do horóscopo. E não era necessária muita observação para perceber que Jenny não compartilhava de suas teorias exotéricas.

Abaixando a cabeça, Janine arrumou o vestido com as mãos frias pela milésima vez naquela noite, apertando os lábios.

—Estou ansiosa. – confessou à amiga, sorrindo de nervosismo.

—Não se preocupe, Jenny. O patrão também estava arrancando as unhas quando o deixei na festa.

Quem respondeu foi Pavel, que trabalhando naquela noite, tinha se convertido no motorista das dampiras.

—Meu Deus, isso é tão bonitinho! – riu a morena, batendo palmas – Vocês dois parecem adolescentes se apaixonando pela primeira vez.

Roxie tinha acabado de conhecer Pavel, mas a cumplicidade com que conversavam fazia com que parecessem ser amigos de longa data.

—Não é bonitinho. – a outra retrucou, mostrando-lhe a língua – E nós não estamos apaixonados.

Pavel deu uma risadinha de quem sabia das coisas, mas manteve-se quieto. Convivera tempo suficiente com Janine para saber que não deveria irritá-la sob hipótese alguma.

—Bem, madames, aqui estamos. – Pavel olhou de relance para as amigas e piscou – Nem se atrevam a sair enquanto eu não tiver aberto a porta. Hoje vocês são mais importantes que a Realeza.

—Só hoje, Pavel? – provocou Jenny rindo.

—Claro que não, Ruivinha. Para mim, todos os dias. – respondeu com um sorriso.

O guardião deu primeiro a mão a Roxie.

A morena parecia alta e confiante como uma deusa no seu vestido vermelho de seda, com alças grossas e decote fundo em v. Apenas discretos brincos dourados e um cordão com um pingente de sol serviam de adornos. O vestido se abria na altura da coxa direita, deixando que se pudesse entrever a perna nua e as sandálias de salto douradas. O cabelo escuro descia até pouco abaixo dos ombros, naturalmente cacheados. Como sempre, a maquiagem era caprichada: a sombra dourada era leve, deixando que toda a atenção fosse para os lábios cheios e pintados de vermelho.

Já quando desceu do carro, a primeira coisa que Janine percebeu foi Ibrahim Mazur cumprimentando alegremente sua amiga. A reação dele ao vê-la foi a mais discreta e a melhor possível. Ele piscou uma vez e sua boca se abriu pouco mais que dois centímetros.

O vestido era de um tecido levíssimo, tinha mangas soltas e curtas, decote em canoa, era justo até a cintura e depois descia solto pelo corpo, até roçar o chão. A cor era quase exatamente a mesma de seus olhos, azul escuro. Na saia, pequenas pedrinhas brilhantes faziam com que ela toda parecesse uma noite estrelada. A maquiagem ficara por conta de Roxie, que tinha passado um batom e uma sombra leves, apenas como realce. Além disso, a sandália prateada que usava também era emprestada da amiga, que calçava o mesmo número.

Janine usava uma tiara de brilhantes no cabelo solto, uma corrente de prata com um pingente e brincos de topázios azuis. Essas eram as únicas joias que tinham lhe restado como herança da mãe.

Abe não levou mais que dois segundos para chegar até ela, com seu típico sorriso cheio de dupla intenção. Como estava bem vestido o tempo todo, Jenny não se impressionou tanto com o terno preto bem ajustado e a camisa azul petróleo, que era improvavelmente quase da mesma cor do seu vestido.

O que realmente pareceu inédito para a guardiã foi a cor normal que ele escolhera para a camisa e a decisão de deixar o cachecol psicodélico de fora naquela noite.

Sem dizer nada, ele primeiro beijou sua mão em um gracejo antes de mirar seu rosto e então deslizar o olhar maravilhado e discreto por todo o seu corpo.

—Você está... – ele começou a frase, mas deixou em suspenso, suspirando sem encontrar adjetivos.

—Bonita? – ela tentou, com um sorriso divertido diante de sua atrapalhação.

—Linda como um diamante no céu.

E com certeza, a comparação não fora feita sem propósito ou sentimento.

Os três entregaram seus convites personalizados e cumprimentaram os noivos ao entrar na festa.

Os olhos azuis esverdeados de Claire, típicos dos Zeklos, simplesmente brilhavam de felicidade. Hathor tinha um sorriso de orelha a orelha e mantinha sempre um braço ao redor da cintura de sua futura esposa.

Como era apenas Ibrahim quem realmente os conhecia, ele demorou-se mais dando um beijo carinhoso no rosto da noiva e então rindo de alguma brincadeira com o noivo.

—Você sabe que sou romântica como um cacto, mas eles parecem mesmo estar apaixonados. – Roxie comentou em voz baixa, apontando o casal com a cabeça.

—Eu sei. Eles parecem meio cegos. – a outra respondeu, metade pensativa e metade fazendo piada.

—Esse é o poder do amor, pequena Jay. – piscou a morena sorrindo.

Assim que Ibraim se aproximou, ela voltou a perguntar:

—Algum de vocês tem ideia de onde devemos nos sentar?

—Não se preocupe, Roxie, nós jovens temos uma mesa reservada juntos.

—Não tenho tanto certeza se isso é uma coisa boa, Mazur. – retrucou a ruiva em voz baixa.

—Meu único problema talvez seja aquele menino Badica, Hugo.

—O que tem de errado com ele? – perguntou curiosa.

— Não quero ofender; sei que ele é seu protegido e tudo mais... Mas é que aquele garoto simplesmente me irrita.

Janine tentou esconder um sorriso, imaginando se Abe já havia percebido que a repulsa era mútua.

O salão era enorme e estava simplesmente divino na decoração: milhares de pequenas luzes piscavam no teto, criando uma atmosfera mágica e misteriosa. Havia lírios brancos, velas e toalhas rendadas sobre mais de uma centena de mesas redondas, repletas de convidados Moroi e ocasionais dampiros.

Um quarteto de cordas, um pianista e um cantor sobre um palco tocavam sempre uma série de músicas lentas em idiomas que Janine não compreendia.

Ao se aproximarem do que Ibrahim chamou de ‘‘mesa dos adolescentes’’, encontraram Alicia e Gabriella já sentadas, lindas em seus vestidos de festa, rindo com taças de champanhe na mão.

—Jenny! Roxie! Que ótimo que puderam vir, vocês estão simplesmente maravilhosas! – cumprimentou Ally com um sorriso largo no rosto.

—Obrigada! Vocês também estão lindas. – respondeu Roxanne com a mesma animação.

Enquanto as meninas cumprimentavam Ibrahim, virou-se rapidamente para Janine. A ruiva não entendia como Roxie, que nunca fora próxima das duas estava tão empolgada em conversar com elas como se fossem amigas de infância.

—Agora, cumpra seu papel. – ela sussurrou.

—O que? – franziu as sobrancelhas sem entender.

—Eu me encarrego das duas e você fica logo com seu príncipe.

Janine tentou conter o riso nervoso que lhe subiu pela garganta.

—Você é doida! É mais provável que comecemos a brigar se ficarmos sozinhos. – sussurrou também balançando a cabeça.

—Você ainda vai me agradecer por isso um dia, pequena Jay. – piscou antes de sentar-se entre as duas Moroi – Seus vestidos são simplesmente lindos! Onde compraram?

—Foi trocada pela sua amiga? – provocou Abe ao ver o olhar descrente no rosto de Janine.

—Roxie teve mais uma de suas brilhantes ideias. – respondeu revirando os olhos.

—E qual seria o projeto dessa noite?

Janine o olhou por longos segundos, tendo certeza de que ele já sabia exatamente qual era o plano de Roxanne. Se, é claro, não o ajudara a arquitetar.

—Ela quer eu fique perto de você. – encarou seus olhos, curiosa para ver o efeito que a resposta teria sobre ele.

E, claro, ele riu.

—Ela não precisava bolar um plano tão maquiavélico só para isso. – aproximou-se dela para sussurrar – Eu não tinha planejando ficar longe de você essa noite.

Ela desviou o olhar para cima, sentindo sua própria inspiração tornar-se mais difícil.

—E se eu quiser ficar longe de você? – perguntou com a única intenção de desafiá-lo.

—Você quer mesmo, Janine? – ele continuava com o sorriso presunçoso no rosto.

Fixou os olhos azuis nos dele, dando o melhor sorriso que tinha.

—Não. – respondeu simplesmente.

Por um segundo, seu sorriso vacilou com a sinceridade inesperada da ruiva, mas então voltou ao seu rosto firme e forte. Afinal, ela tinha acabado de confessar que queria sua companhia.

Puxou a cadeira para ela, balançando a cabeça.

—Você consegue ser uma princesinha bem irritante, às vezes.

—O que quer dizer com isso? – perguntou rindo assim que ele sentou-se ao seu lado – Eu não sou princesa nenhuma.

—Bem, então você só é irritante mesmo.

Ela levou a mão direita ao coração, fingindo-se ultrajada.

—Você realmente sabe ser cruel, Mazur. Diga-me, é essa sua maneira distorcida de conquistar uma mulher?

—E o que faz pensar que quero conquista-la, guardiã Hathaway?

O sorriso dela curvou-se em uma careta por um milésimo de segundo, mas conseguiu se controlar a tempo.

Se Ibrahim Mazur não queria conquista-la, o que estava fazendo então?

Mas, ainda decidida a ver até onde aquela brincadeira os levaria, continuou o diálogo:

—Nada me fez pensar isso, Mazur. Na verdade, fico até aliviada em saber que não terei que partir seu coração rejeitando seu amor.

Se a frase lhe atingira de qualquer forma, ele não demonstrou. Limitou-se a dar uma risada e perguntar:

—Amor não é uma palavra grande demais para dois seres muito pequenos?

—São só quatro letras. – deu de ombros antes de continuar – Mas entendo o que quer dizer.

—Mesmo?

—Sim. A única coisa que não consigo entender é o que exatamente quer comigo.

Janine não sabia exatamente porque dissera aquela frase naquele momento. Talvez, pensou, simplesmente estivesse cansada daquele joguinho que vinham brincando o tempo todo. Por mais que fosse um jogo extremamente viciante.

No entanto, ele riu e olhou para ela com um misto de admiração e curiosidade.

—Isso não é algo que se pergunte a um homem, guardiã Hathaway.

—Bem, você se tornou meu perseguidor desde o minuto em que me viu. Parece que sempre que vou a um lugar, você já está lá esperando por mim.

—O Cairo não é uma cidade tão grande assim, Janine. – ele interrompeu para incomodá-la, mas a ruiva continuou como se Abe não tivesse dito nada.

—E nós até já nos beijamos.

—Quer que eu beije você de novo? – ele riu.

—Esse não é o ponto. – ela revirou os olhos, com a paciência sendo testada.

—E qual é?

—Ainda não entendi se estamos jogando um jogo, ou se eu sou seu jogo.

Ibrahim suspirou, mas permanecia calmo. Pela primeira vez na noite, Janine conseguiu fazê-lo ficar sério.

—Eu não estou brincando com você, Janine. Não sou esse tipo de homem.

—Imaginei que não fosse. – ela fez uma pausa – Mas e então?

—Você é interessante, já lhe disse isso. Além de ser linda. E é bom estar perto de você, apesar de ser um pouco irritante.

Ela sorriu para ele com carinho, sabendo que não estava mentindo.

—Bem, eu logo estarei de volta aos Estados Unidos com os Badica. E gostaria de aproveitar sua companhia nos últimos dias que passar no Cairo.

—Isso é um acordo, guardiã Hathaway? – ele perguntou, estendendo-lhe a mão.

—Sim, senhor Mazur. – ela apertou-lhe a mão – Temos um acordo.

Os dois sorriram, e Ibrahim não conteve mais uma provocação.

—E quanto ao beijo que você mencionou?

—Não vou deixar nada nesse mundo estragar minha maquiagem, Ibrahim. – ela riu – Nem mesmo um beijo seu.

—Você pode não saber, mas eu tenho grande prática com esse tipo de coisa.

—Maquiagem? – ela perguntou, fazendo os dois gargalharem.

—Isso foi ofensivo, Ruivinha. Eu quis dizer beijar. Especialmente sem estragar a maquiagem alheia. Não gostaria de comprovar?

Mas antes que Janine pudesse ter a chance de responder, Hugo Badica, puxou a cadeira vazia ao seu lado direito.

—Olá, Janine. – ele cumprimentou formal – Mazur.

—Ah, oi. – a guardiã respondeu por educação. Ainda estava com raiva pela maneira ridícula com a qual ele a tinha tratado na manhã do dia anterior.

Logo após seu protegido, um garçom se aproximou com um bloco de notas na mão.

—Os senhores gostariam de beber algo?

—Champanhe, por favor- respondeu Ibrahim.

—Para mim também. – seguiu Hugo.

—Nada, obrigada. – agradeceu Janine com um sorriso.

Apesar de estar em uma festa apenas como convidada, não conseguia deixar de pensar na segurança. O lugar já era enorme, ela estava de vestido longo e se por um acaso do destino houvesse um ataque Strigoi, estar bêbada de nada ajudaria.

Assim que o garçom se virou para anotar o pedido de Roxie e as Moroi, Ibrahim inclinou-se para frente para enxergar o garoto loiro ao lado de Jenny.

—Hugo Badica! O que o traz até aqui? – começou com o tom irônico que Janine já conhecia.

—Meu motorista, óbvio. – ele respondeu com pouco caso.

—Isso deveria ser uma piada? – devolveu no mesmo tom – Não foi muito boa. Eu quis dizer, o que o traz até essa mesa?

—Meu convite, Mazur. E, ah, me perdoe, eu tinha me esquecido completamente o quanto você tinha um gosto refinado para piadas. Além de mulheres, é claro.

—O que diabos quer dizer com isso?

—Pensando melhor – Janine chamou o garçom de volta, também numa tentativa de escapar do campo de guerra em que os dois homens ao seu lado travavam sua briga ridícula – Uma taça de vinho tinto não cairia nada mal.

O homem assentiu e se afastou ao mesmo tempo em que Ibrahim repetia a pergunta:

—Eu perguntei o que quis dizer com isso, Badica.

—Você sabe muito bem o que quero dizer.

—Perdão, não me graduei em adivinhação ainda. Você realmente veio até aqui só para me irritar?

Para a sorte de Janine, que começava a ficar desesperada com o rumo que aquela conversa bizarra pudesse tomar, o noivo apareceu apressado ao lado de Abe:

—Aí está meu padrinho! Você não deveria estar fazendo um discurso agora?

—Sinto muito, Hathor, acho que perdi a hora. – virou-se para Janine com um pequeno sorriso e pediu licença antes de se levantar.

A ruiva acompanhou com olhar até que ele se distanciasse o suficiente para se virar para Hugo completamente irritada:

—O que você pensa que está fazendo?

—Eu disse a você para se afastar dele. Mazur não é um homem confiável.

—Por que não deixa que eu mesma tire minhas conclusões a respeito disso?

—Você trabalha para mim, Janine. Posso muito bem ordenar que fique longe dele.

—Ordenar? – riu com escárnio – Quem você pensa que é para ‘‘ordenar’’ qualquer coisa? Eu trabalho para o seu pai, não para você. Como você acha que ele vai reagir quando souber que o filho está assediando a guardiã da família?

—Dado o seu histórico, vai acreditar que a culpa é toda sua.

Ela se levantou de supetão, e de seu olhar saíam faíscas em direção ao Moroi.

—Você é realmente ridículo. Um Moroi mimado e estúpido que acha que pode conseguir tudo o que quer e tratar todos da forma que lhe convir. Acredite em mim, você vai se arrepender se continuar tentando controlar minha vida.

Afastou-se com o rosto vermelho de raiva, esforçando-se para não xingar Hugo ou bater nele. Sem pensar realmente onde estava indo, deixou que suas pernas lhe conduzissem para perto do palco onde Ibrahim aprontava-se para fazer seu discurso. Encostou-se a uma pilastra no canto do salão, observando o Moroi com fascínio.

Apenas isso era suficiente para acalmá-la.

—Boa noite a todos. – sua voz carregada de sotaque ecoou no salão com a ajuda do microfone – Para os que não me conhecem, meu nome é Abe Mazur e eu sou padrinho do noivo.

Janine realmente duvidava que alguém naquele salão não o conhecesse: todos pararam de fazer o que quer que estivessem fazendo para escutá-lo.

—Eu poderia passar horas aqui falando sobre meu primo Hathor e em como ele era péssimo em empinar pipas na infância.

Houve algumas risadas da família

—Mas nós não somos mais crianças, e isso pode ser comprovado pelo casamento do qual faremos parte amanhã mesmo. O casamento é um dos maiores, senão o maior passo, na vida de um homem. E claro, Hathor sempre teve menos juízo que eu.

Mais risadas da plateia

—Brincadeiras à parte, é fato que cada um de nós vive com o propósito de buscar a felicidade. E eu a vejo nos olhos dele e de Claire quando estão juntos. Ou mesmo quando estão separados, porque passam o tempo todo pensando um no outro. Chega a ser irritante, admito.

Os noivos sorriram um para o outro em cumplicidade, apenas confirmando a teoria de Ibrahim.

—Conheci Claire na adolescência, e desde então tenho a honra de dizer que ela é quase como uma irmã para mim. A sorte do meu primo, na verdade, foi eu preferir as ruivas.

Janine sentiu-se corar nessa parte com a indireta nem um pouco sutil, já que ele fez questão de piscar para ela, ganhando um assobio de Roxie.

—Mas estava claro, não só para mim, que os dois estavam predestinados a ficarem juntos desde o minuto em que se viram pela primeira vez. Se não me engano, Hathor até mesmo chegou derrubar suco na própria roupa de tanto nervosismo.

O noivo, envergonhado, recebeu as risadas dos convidados tapando os olhos com a mão. Ibrahim esperou até que todos fizessem silêncio para terminar.

—Meu ponto é: o amor pode ser uma palavra poderosa demais para a maioria de nós, mas sempre nos engrandece. Além disso, é uma dádiva da qual temos que cuidar bem. E o amor dos dois sobreviveu a um oceano inteiro e a um deserto. Mesmo muito antes de falarem em casamento, já estavam juntos na alegria e na tristeza. Agora, eles estão prontos para começar uma nova vida, e eu não poderia estar mais feliz por eles. Por isso, um brinde! A Claire e Hathor!

Todos no salão levantaram suas taças:

—A Claire e Hathor!

Seguiu-se uma salva de palmas liderada por Ibrahim e Janine, e logo depois os músicos retornaram aos seus lugares no palco. Antes que a ruiva se desse conta, Abe estava novamente ao seu lado, sorrindo.

—Lindo discurso. – ela elogiou.

—Ah, não foi nada. Esqueci completamente de escrever alguma coisa, então tiver que inventar isso tudo em dois minutos.

Ela riu e ele perguntou com presunção:

—Estava bonito o suficiente para você se levantar e vir até aqui me ouvir?

Ela suspirou:

—Eu só precisava sair daquela mesa antes que meu punho acertasse o rostinho de certo loiro oxigenado.

—Uma palavra sua e eu quebro o garoto no meio.

Ibrahim poderia ter falado em tom de piada, mas Janine já sabia que se pedisse, ele realmente o faria.

—Ele não vale tanta raiva, Ibrahim. Além disso, não quero que você acabe prejudicando seus negócios com Kyle Badica por causa de um garoto com cérebro de menos e presunção de mais.

—Você é boa demais, Ruivinha. – ele sorriu – Mas, de qualquer forma, acho que ele merece apanhar. Hugo também me insultou, e pior, na frente da minha garota.

Janine gargalhou com a declaração adolescente de Abe. Ele realmente se importava tanto em parecer homem para ela?

—Não precisa entrar em crise existencial por isso, Abe. Eu não duvido da sua masculinidade.

Ele riu e Janine pode ver uma faísca de orgulho e contentamento surgir em seus olhos negros.

—Mas, claro, se você quiser mesmo irritar Hugo Badica, existe uma forma muito pior que bater nele. – sugeriu Jenny.

—E qual seria? – perguntou levantando a sobrancelha.

—Deixá-lo com ciúmes. – ela piscou.

—Quer dizer que Hugo está assim porque se apaixonou por você?

—Porque a surpresa? – perguntou na defensiva – Eu sou bonita, sabia?

—E inteligente. E interessante. E corajosa.

Ela sorriu triunfante:

—Viu? Há muitos motivos para um homem me querer ao seu lado.

—Tudo bem, mas não fique convencida. – ele riu – Então como planeja deixar o menino enciumado? O beijo ainda está de pé?

—Só nos seus sonhos, Mazur. Dance comigo. – ela pediu sorrindo.

—Qualquer coisa que quiser, Tigresa.

Ele lhe ofereceu a mão e conduziu até o meio do salão, onde apenas alguns casais dançavam ao som de uma valsa. Sua mão direita segurou sua cintura, e ela apoiou sua mão esquerda no ombro dele. Aproximando-se dele, sussurrou em seu ouvido:

—Segure-me perto.

Ele prendeu a respiração por um segundo, mas fez o que ela mandou. Com os corpos em movimento e quase colados, foi a vez dele provocá-la:

—Espero que você saiba que quem conduz a dança é o homem.

—Só a dança, Ibrahim. – ela deu seu melhor sorriso antes que ele a girasse – Em todo o resto, eu mando.

—Você é impossível. – ele riu e segurou sua cintura com firmeza novamente.

Ela sorriu de lado, desviando novamente o olhar.

Janine aprendera a dançar sozinha, observando casais nas festas que frequentava. Apenas algumas vezes, durante a adolescência, ela e algumas amigas da Academia se reuniam para treinar algum passo mais elaborado.

Mesmo que não a dominasse tecnicamente, a dança era algo que fazia com que se sentisse realmente livre. O importante, ela percebera após algum tempo, era conectar-se com a música; e mais importante ainda, conectar-se com o parceiro.

E com certeza não era possível haver naquela festa inteira um casal que se completasse nos movimentos tanto quanto Ibrahim e Janine. Os dois jovens, como dissera Abe, pareciam brilhar como um diamante no meio do salão.

—Ibrahim. – ela chamou após alguns minutos, olhando discretamente para as mesas atrás deles – Estão todos olhando para nós.

Ele sorriu quando ela olhou para ele.

—Bem, eles deveriam estar! Somos o casal mais perigoso desse salão todo.

Ela revirou os olhos com a brincadeira, mas foi incapaz de deixar de sorrir.

Quando a primeira música acabou, houve aplausos e mais pessoas se juntaram à pista de dança. Com o canto do olho, Janine conseguiu encontrar Hugo sentado na mesa, apertando os lábios com raiva e fingindo olhar para o outro lado.

—Parece que meu plano deu certo. – ela disse a Abe, apontando o Badica com a cabeça.

—Meus parabéns, Hathaway. Você conseguiu realmente deixar o menino possesso com apenas com uma dança. Já quer parar agora?

Ela balançou a cabeça em negação.

—Agora quer ver se consegue fazer com que ele exploda? – brincou com ironia.

—Quero continuar dançando com você, Ibrahim. – ela respondeu séria.

Ele abriu a boca, sem reação por um momento, mas rapidamente suas mãos encontraram a cintura dela novamente.

—Como quiser, princesa.

Mas, no fundo, Janine sabia o quanto Ibrahim ficara satisfeito pela declaração dela.

O cantor e o pianista fizeram uma reverência para o público antes de começarem a nova música. Esta era lenta, triste e melodiosa; e Ibrahim aproveitou para segurar Janine mais perto ainda que da última vez.

—Essa música é triste demais. – ela suspirou após algum tempo, recostando a cabeça no ombro dele.

—Chama-se ‘‘Ne me quitte pas’’.

—Não tenho a mínima ideia do que signifique.– ela riu.

—É francês para ‘‘não se esqueça de mim’’.

Sem aviso, ele inclinou-se e começou a recitar a música só para ela em um sussurro, a boca ao lado de seu ouvido, enquanto acompanhava o cantor.

—Não sabia que você falava francês.

Ele parou um pouco para respondê-la:

—É um dos meus muitos segredos, Ruivinha.

Ela riu e o abraçou mais forte.

—Não vou me esquecer.

—Esquecer de que? – ele perguntou enquanto a abraçava de volta.

—De você.

Ele correu a bochecha dela com a ponta dos dedos antes de responder:

—Nem eu vou me esquecer de você.

Deixaram-se ficar assim, abraçados no meio dos outros casais, até que Janine levantou a cabeça para encará-lo.

—Vamos fazer uma promessa, sim? –pediu repentinamente.

—O que quiser, princesa.

Ele piscou, fazendo-a revirar os olhos ao escutar o apelido.

—Vamos prometer não falar de amor.

Ibrahim franziu as sobrancelhas, considerando a guardiã a sua frente.

—Por que está me pedindo isso?

—Assim nenhum de nós sai machucado.

Suspirou pesadamente antes de sorrir para ela.

—Bem, quem sou eu para negar um pedido seu? Temos uma promessa então.

Soltando sua cintura por um momento, ele lhe roubou o tão esperado beijo, tão rápido que ela não teve tempo nenhum de protestar.

—Isso foi para provar que consigo beijar você sem estragar sua maquiagem.

Ela riu, decidida a não surtar por causa da atitude irresponsável dele.

—Eu nunca disse que não acreditava em você.

—Sim, mas poder provar isso para você foi a melhor coisa que me aconteceu essa noite.

Os dois sorriram com cumplicidade e voltaram a dançar.