Tarde com o Hellfire

— Você viu os novos vizinhos? Hellen me disse que estão se mudando hoje. - Mamãe diz assim que a cumprimento quando chego.

— Acabei de passar na frente da casa, são uma família bem... Diferente. - Tentei não soar tão grossa, afinal não conheço eles. E Susan e Max pareciam ser um amor de pessoas.

— Tinha algum gatinho por ali? - Mexendo a sobrancelha de forma sugestiva, essa mulher não cansa.

— Olha mãe, ter até tinha. - Me sento na mesa, observando ela preparar o jantar. - Mas não me parecia legal sabe? Meio babaca. Precisa de alguma ajuda?

— Não querida, está tudo certo. Falta apenas o purê de batata. - Coloca a travessa do purê no forno, para gratinar. - E esse gatinho, é babaca por quê?

— Apenas é. - Dou risada, a pior justificativa do universo. - Sabe quando você olha e já vê pelas atitudes dele que a pessoa já não presta? - Ela afirma, fazendo uma careta de "e como sei". - Então foi exatamente isso. Ela destratou a irmã na minha frente e a Susan também, que é a madrasta dele. E também foi bem babaca comigo. Ou seja, ele é babaca.

— É definitivamente. E o Edward? - Bufo só de lembrar da ceninha nojenta que presenciei mais cedo. - Pensei que tinham saído juntos, você chegou em casa sozinha.

— Nem me lembre sobre esse garoto, por hoje prefiro esquecer da existência dele. - Cruzo os braços sobre o peito irritada.

— O que houve? - Encostada no balcão ela me encara sugestiva. Por mais que tenhamos diversas diferenças, eu e Eddie raramente brigamos.

— Ele simplesmente conheceu uma garota nova e ela é insuportável mãe! Eu não consigo aguentar ela. - Mamãe começa a abrir um sorriso largo. - Pode ir desfazendo esse sorrisinho ai dona Tania, se você a conhecesse estaria junto comigo nesse barco de ódio.

— Então me conte mais sobre o que ela fez, pra você odiá-la tanto.

Ela nasceu e conheceu Eddie Munson. Mais simples que isso, impossível.

— Primeiro que ela sentou na mesa do Hellfire...

— A mesa do Hellfire não! - Pronuncia irônica, fingindo estar em choque. A encaro séria. - Ok, desculpa. Mas é engraçado essas intrigas adolescentes.

— Ok, mãe. Vou subir, me chame quando a janta estiver pronta. - Começo a me levantar, mas sou atingida pelo pano prato que ela joga.

— Pode deixar essa bunda aí garota, quero saber das fofocas. - Rolo os olhos e continuo contando.

— Enfim, além dela sentar na mesa da Hellfire, da qual eu sou a única garota, permitida a sentar ali, ela ainda ficou fazendo carinho na cabeleira do Eddie. A senhora sabe como ele é ciumento com aquele cabelo! E de repente a cabeça de fósforo fica fazendo carinho. - Grunho irritada, me recordando da cena que presenciei no refeitório. - E nada é tão ruim que não possa piorar, que hoje nós dois fomos ao shopping e encontramos a bonita por lá... - Bufo irritada, conseguia ver minha mãe rindo abafadamente. - Acredita mãe que ela alimentava Eddie na boca, como se ele fosse um bebê?! E ela ainda me ignorou completamente. Sem falar na cena totalmente sexual que ela fez chupando o pirulito dele.

— Espero mesmo que tenha sido um doce...

— Óbvio que era mãe! - pronuncio irritada. - Então é isso.

— E você está com ciúme do Edward. - Declara e o apito do timer soa, o purê estava pronto. - Não que isso seja novidade, mas você nunca teve ciúmes dele com outras garotas.

— Essa é diferente, as outras nunca cheguei a conhecer ou se conheci, não precisava conviver.

— E com ela você precisa? - Coloca a travessa do purê em cima da mesa, aquilo parecia estar uma delicia.

— Sim, estudamos no mesmo colégio. E pra piorar ela gosta de D&D, vai comparecer nas campanhas. - Rolo os olhos, pego um prato e começo a me servir.

— Olha minha querida, essa amizade de vocês é a coisa mais estranha que já vi. Claramente vocês dois são namorados, que não namoram. - Declara rindo enquanto se servia também.

E ela não desiste.

Negando com a cabeça continuo minha refeição e mais tarde me jogo nos braços de Morfeu.

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— Como assim não? - Escuto a voz rouca de Eddie no telefone, assim que digo que não vou a sua casa.

— Cecília vai estar ai? Por que não quero presenciar a outra cena pornô. - Respondo irônica.

Sim, ainda estou brava.

— A culpa não foi minha ok? Por favor venha aqui, o Hellfire vai se juntar, já que Byers voltou de viajem. - Penso por alguns segundos e acabo confirmando. - Essa a minha garota.

— Cala a boca Edward.

— Não me chame de Edw... - Desligo a ligação. Honestamente, sem paciência pra esses surtos.

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— Ei! Will, como foi na Califórnia? - Pergunto assim que chego perto do grupinho.

Os meninos estavam reunidos do lado de fora, numa mesa de piquenique que tem por ali. Todos com a blusa do Clube, inclusive eu.

— Oi Haz, foi tudo bem, na medida do possível. Meu tio morreu, mas nem eu e nem Jonathan tínhamos contato com ele. Muito menos mamãe, então não foi tão triste quanto imaginávamos. - Deu de ombros.

— Ah, isso é... Interessante. Oi meninos.

— Finalmente resolveu usar a blusa do Clube. - Gareth diz apontando para mim. Era raramento uso a camisa, normalmente mais em casa. Ou quando visitava Eddie e os meninos.

— Lembrei que ela existe. Então, quais são os planos?

— Vai nem me dar oi? - Pergunta Eddie na ponta da mesa.

— Não. - Consigo escutar um coro de "ih" do resto do grupo.

— Os planos são assistir vários filmes de terror por hoje. - Dustin diz percebendo o clima entre eu e Edward.

— Ótimo, pra mim está mais do que bom. - Encaro o cabeludo que está na minha reta. Ele sabe que não sou a maior fã de filmes de terror. - Falta chegar mais alguém ou já está todo mundo aqui? - Arqueio a sobrancelha na sua direção.

O filho da puta sorri sem mostrar os dentes.

— Você verá. - Desce da mesa e começa a ir em direção ao trailer. Bufo irritada. - Vamos logo cambada de inúteis. Hoje é um dia cheio de surpresas.

— Como assim mais alguém? Entrou gente nova no grupo e não estou sabendo? - Mike sussurra para Dustin e Will, seus amigos próximos, confuso.

Espero que não Mike ou então vou surtar.

Não demorou muito pra gente se ajeitar na pequena sala do trailer dos Munson's. Alguns dos meninos estavam jogados no chão, em cima do colchão, outros na poltrona e eu, como sempre, me sentei ao lado de Eddie.

Irritada sim, com medo também.

— Pensei que estava irritadinha. - Sussurra na conversa apenas entre nós dois. O encaro irritada. - É pelo visto você está.

— Óbvio que estou Edward. - Escuto ele bufar.

— Eu terminei com ela. - Declara virado pra frente, arrumando as configurações do filme na tela. Enquanto os meninos fechavam as cortinas, pra deixar o clima mais escuro.

Por essa eu não esperava, mas não digo nada.

Me tremo toda ao ver o rosto desconfigurado de Freddy Krueger sorrindo para mim. Ótimo, o filme era "A hora do pesadelo".

— Que bom pra você. - Me finjo de desentendida, mas não consegui conter um pequeno sorriso na lateral da boca.

— Vou fingir que não estou vendo esse sorrisinho ai, pelo seu bem, por que sei que você vai morrer de medo desse filme. - Ele da play e a hora do terror começa. Os meninos gritam animados e logo se silenciam.

Já assistimos esse filme mais de duzentas vezes e ainda sim eu me cago toda.

— Você sabe que se sentir medo pode me abraçar, você sempre pode. - Eddie sussurra no meu ouvido. Imediatamente agarro seu braço.

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"Um, dois, Freddy vai te pegar... Três, quatro, é melhor se trancar.... Cinco, seis, pegue o crucifixo... Sete, oito, fique acordado!"

Eu odeio esse filme.

— Puta que pariu. - Me assusto agarrando Eddie ainda mais, depois de presenciar mais uma morte no filme.

Essa música do caralho, esse filme... Argh.

— Já esta no final, fica tranquila. - Ele acaricia meu cabelo, tentando me acalmar.

— Eu sei que já está no final, mas não muda o fato de eu estar morrendo de medo. - Riu abafado, enquanto escondo meu rosto na sua camisa.

— E fim, como sempre uma obra-prima! - Brian diz assim que os créditos começam a subir na tela, ainda sendo possível escutar a risada de Freddy.

— Ai graças a Deus. - Digo saindo do abraço de Eddie e podendo respirar fundo. - Alguém pelo amor de Deus abre as cortinas! - Will faz esse favor por mim. - Obrigada Will.

— O que acham de uma pizza? - Pergunta Dustin. - Eu estou morrendo de fome. - Passa a mão na barriga fazendo uma careta, imediatamente minha barriga faz um som que foi possível escutar até na China. - E pelo visto não sou o único.

— Pizza me parece bom. - Dou risada.

— Só se a gente rachar o valor final, por que né... - Eddie diz apontando em volta de si, simbolizando onde morava.

— Óbvio que sim e o Wheeler vai pagar a maior parte. - Gareth diz, deixando Mike o encarar indignado. - Você é o rico do rolê.

Depois de muita discussão de onde pedir as pizzas, acabamos pedindo no mesmo lugar de sempre e os mesmos sabores: uma de queijo e duas de pepperoni. As bebidas já tínhamos. Não demorou muito pra chegar e do jeito que estávamos esfomeados, também não demorou para acabar tudo. Guardei uns dois pedaços pra o tio do Eddie na geladeira.

— Guardei dois pedaços pro senhor Wayne na geladeira, não vá comer. - Disse o encarando séria, ele levanta os braços em forma de rendição.

— Pode deixar chefia.

Os meninos já foram embora, sobrando apenas eu e o cabeludo. Eu sempre o ajudava arrumar a bagunça que ficava, mesmo que os meninos ajudassem, ainda sim ficava virado no caos.

— Se quiser pode dormir aqui hoje, meu tio vai passar o dia na fábrica hoje. - Isso explica por que a casa ficou só a gente o dia todo. - E está muito tarde, já passa da meia noite.

— Vou apenas avisar minha mãe. - Pego o telefone discando o número de casa, não demora muito pra ela atender com voz de sono. - Oi mãe, só pra avisar vou dormir no Eddie hoje ok?

— Dormir é? - O tom sugestivo da pergunta me faz rir.

— Sim mãe, apenas dormir. - Rolo os olhos ainda rindo, consigo escutar a risada do Eddie ao fundo.

— Certo filha, se cuidem e toma cuidado. - Apesar de mamãe amar Eddie, ela não ama onde ele mora. Ela sempre foi medrosa quanto a ele morar nos trailers, mas nunca tive um problema com isso. Os vizinhos são ótimas pessoas.

— Pode deixar mãe, a senhora se cuida também. Te amo.

— Amo você também.

— Ok, tenho essas duas blusas que ficam enormes em mim. Então em você vão ficar gigantes. - Ele levanta duas peças pretas, uma do Metallica e outra do Queen. Aponto para o do Queen. - Um clássico, ótima escolha da menina que escuta Madonna.

— Não ouse falar sobre a rainha. - Aponto na sua cara. - Ou as coisas ficaram feias pro seu lado.

— Não esta mais aqui quem falou! Enfim, deixa eu ver... - Segue em direção ao seu quarto vasculhando o caos que é seu guarda roupa. - Devo ter alguma calça que te caiba.

— Pode ser uma cueca solta também sabe? Aquelas que parecem bermudas e de preferência sem ser estar usada, pelo amor de Deus.

— E... Aqui! - Retira uma cueca que é no estilo sama canção vermelha, muito similar a uma bermuda um pouco mais curta que o normal. - Aquela calça que você usava meu tio jogou fora. - Refere-se a calça de moletom que sempre usei quando dormia aqui. Como era uma calça de quando Eddie era mais novo, ela me cabia. Mas ela não estava nos seus melhores momentos.

— Tudo bem, vou no banheiro me trocar. Já volto.

— A vontade minha princesa. - Faz uma reverência em direção a saída, me deixando passar. Rindo sigo até o banheiro.