No Rugido Do Leão

O enigma Celebrian


Belle só precisou dar mais uma lida rápida em todas as anotações de sua irmã para saber exatamente o que fazer. Com o pequeno caderno em mãos, ela desatou a correr pela vila, tendo Caspian e Kuller em seu encalço. Ela entrou no grande tronco de carvalho central.

– Não pode entrar aqui! - Winifrey protestou, mas Abelle sequer prestou atenção.

A garota só parou de correr mesmo quando viu a grande cama de raízes, com o pobre ancião doente.

– Senhor, Eldarion, - Belle resfolegou, se aproximando da cama - meu nome é Abelle, o senhor deve se lembrar de mim, eu estive aqui com minha irmã, ela...

– Eu sei quem você é, portadora da Estrela. - Eldarion disse, com sua voz cansada.

Belle suspirou pesadamente, medindo cada palavra. Ela sabia exatamente o que dizer, só não sabia como dizer. Não para ele.

– Senhor, o que vou te pedir agora pode ser difícil de lembrar, mas, - Belle fez uma pausa, antes de prosseguir - mas se somos mesmo os filhos da profecia, que irão salvar esta terra, precisamos de algumas informações.

– O que deseja saber? - o homem sentou-se na cama.

Belle aproximou-se dele, sendando aos seus pés na cama.

– Quero saber tudo sobre Celebrian. - ela disse, por fim.

– Finalmente. - Eldarion sorriu. - Por muitos anos esta história permaneceu na escuridão do esquecimento, é chegada a hora de contar outra vez.

"Do fruto do amor de uma elfa e um mortal, nasceu Celebrian. Ela era o que se considera uma meia-elfa, filha de um rei, Aragorn II, e uma princesa, Arwen Undomi-El. Celebrian era uma mulher forte, guerreira, destemida, e muito astuta. Por ser a primogênita, ela foi iniciada tanto nas artes da guerra quanto da diplomacia, tanto na sobrevivência quanto no conhecimento. Ela era bela, de longos cabelos loiros, muito parecida com a mãe de Arwen, de quem ela herdara o nome.

Anos mais tarde, ela também teve irmãos, Gailnaur, Linnã, e eu Eldarion. Mas ela era a filha mais amada de minha mãe. Eu notava isso, e até compreendia, pois eu era o favorito de meu pai, por ser homem, mas isto não vem ao caso.

O fato é que Arwen, minha mãe, prezava muito o conhecimento e a sabedoria. Então, assim que Celebrian atingiu uma certa idade, minha mãe a enviou para peregrinar pela Terra Média, com a missão de conhecer todos os povos livres, e assim expandir sua visão do todo. Como eu invejava ela por isto! Pouco depois de sua partida, todo o reino sentia falta dela, mas quem mais sofria era eu e as minhas irmãs. Meu pai percebeu isto.

Ele então trouxe dois jovens de mesma idade que nós para o castelo, para que fossem nossos amigos. Gale e Siyah Badheart. Gale logo tornou-se meu melhor amigo. Ele era forte, valente, determinado. Tornou-se capitão da guarda. Passávamos a maior parte do tempo juntos conversando. Ele era o melhor amigo que um príncipe poderia querer, e minhas irmãs também pareciam felizes com Siyah.

Celebrian passou dois anos peregrinando pelos Povos Livres da Terra Média, e então percebeu que sua missão chegara ao fim, e decidiu retornar. Nos arredores da Floresta dos Trolls, ela foi perseguida por lobos vorazes. Ela tentou disparar flechas contra eles, porém um deles saltou sobre ela, e seu arco se partiu. Aquele lobo ia devorá-la, mas ele foi transpassado por uma espada brilhante. Celebrian assistiu abismada um jovem de cabelos negros afugentar os lobos, salvando-a. Ele era um outro peregrino, de mesma missão que ela. Seu nome era Caspian VIII. E então, ela decidiu trazê-lo em sua viagem de retorno. Ele mostrou-se um excelente guerreiro contra trolls, e uma boa companhia para conversas durantes as frias noites de vigília na floresta.

Lembro-me até hoje do dia em que ela retornou para casa trazendo consigo aquele rapaz. Ele era nobre, isso eu podia notar, mesmo ele não querendo anunciar suas origens. Meu pai o aceitou com alegria, mas minha mãe levou um tempo até aceitá-lo. Gale também não gostou dele. Meu melhor amigo nutria secretamente um amor platônico por minha irmã que somente a mim ele confidenciara. Ele tinha esperanças, embora fosse apenas um soldado. Mas eu nunca tentei desencorajá-lo. Agora vejo que este foi o meu maior erro."

Eldarion suspirou pesadamente. Belle apenas escutava, prestando atenção em cada detalhe. Caspian também já estava atento a história. Apenas Kuller e Winifrey pareciam não querer ouvir.

"Logo, os temores de Gale se tornaram realidade, pois Celebrian demonstrou-se apaixonada por aquele peregrino, e ele a correspondia. Meu pai os incentivava, via de algum modo um futuro naquele relacionamento. Foi em uma primavera que eles se casaram, nos pés da Árvore Branca, em Minas Tirith. Meu pai não poderia estar mais feliz, nem Gale mais amargurado. Ele e Siyah passaram a serem frios e reservados, sussurrando em cantos escuros, tramando em salas fechadas. Naquela época eu já sabia que perdera meu melhor amigo. Só não sabia ainda para quem, ou o quê.

A cada dia que passava, Celebrian era mais feliz ao lado daquele rapaz. Na primavera seguinte, eles anunciaram a notícia que o reino todo estava esperando: ela estava esperando um filho. Meu pai fez uma festa para celebrar tamanha alegria. Alguns meses depois, Caspian pediu para ela para que fossem para o reino dele, afinal, ele gostaria de visitar seus pais, seu povo. Era um lugar de nome estranho, Nárnia, se me lembro bem. Celebrian relutou um pouco, mas por fim cedeu. Meu pai, Gailnaur e Linnã foram com eles, e eu e minha mãe ficamos, para cuidar do reino.

Mas Gale já tinha um plano traçado. Siyah revelou-se ser uma feiticeira das trevas, mestra nas artes de magia negra e bruxarias proibidas. Ela assolou o reino com Trelós, a peste da loucura. Muitas pessoas morreram naquela época. Gale discursava para o povo, dizendo que a causa daquela doença era que Os Valar haviam se revoltado conosco, por termos deixado partir o rei. Ele conseguiu convencer a todos de que a única solução era invadir Nárnia e trazer o rei e a princesa devolta. Eu me aliei a ele, a pedido de minha mãe. Ela queria que eu lhe contasse tudo aquilo que aconteceria, e também que eu protegesse meu pai e minha irmã, quando chegasse a hora."

– Já chega! - Winifrey interrompeu o relato - Parem de importuná-lo! Não veem que ele está doente?

– Winifrey, desde que me lembro, você me proíbe de contar minha história para meu povo, e nem sequer me permite que os veja! - Eldarion se revoltou - Você não vai me impedir de ajudar a cumprir a profecia!

Winifrey se calou. Não tinha como questioná-lo.

– Meu senhor... - Belle sussurrou, preocupada - se estiver cansado, podemos retornar mais tarde...

– Nada me faria mais feliz do que contar a história de minha irmã, minha jovem. - Eldarion sorriu para ela. - Só desejo que você tenha paciência para ouvi-la.

– Eu esperei a minha vida toda para ouvi-la, senhor. - Belle respondeu.

"Um enorme exército marchou por entre florestas e vales, até que chegamos a fenda, em uma gruta, escavada por anões, aparentemente abandonada. Pensamos em desviar, mas quando Gale viu no chão da caverna uma conta do vestido da Celebrian, ficou transtornado e ainda mais convicto. Duvidando, entramos na caverna. Mas, no final dela, ao invés de encontrarmos uma parede rochosa ou mesmo uma fenda de orcs, encontramos areia. Sim, areia fina, branca, fria. Eu pensei que estava enlouquecendo, quando, do lado de fora, avistamos uma praia de areia branca. O sol brilhava forte e bem quente, revigorando minhas forças, o som do mar era simplesmente indescritível. Meu desejo era entrar naquela água pura e cristalina, e mergulhar, nadar, sentir-me como uma criança outra vez.

Mas Gale não parou por nada neste mundo. Nem mesmo no outro mundo. Continuamos a caminhar, até que adentramos em uma floresta, que seguiu assim, ininterrupta por dias. Mas era uma floresta muito diferenre de qualquer uma que eu já tivesse visto. Ela era mais clara e viva, verde e cheia de harmonia. Não encontramos nenhum animal, criatura ou ser vivo nela. Acho que todo o universo teme quando um homem está possesso de ódio, vingança e obsessão.

Depois de muitos dias de marcha, chegamos a um descampado. Logo adiante, erguia-se sobre um pequeno pântano, um enorme castelo de pedra, cheio de torres, com muros altos e uma ponte elevadiça. Não era grande como Minas Tirith, mas admito que chegava perto. Era dia ainda quando atacamos o castelo. Gale era obstinado e cruel, matando quem se interpusesse em seu caminho. Muitos soldados perderam a vida naquele dia. Caspian, o rei de Nárnia, decidiu conter-nos, e isolou a área onde estávamos, embora esse esforço tivesse sido em vão.

Antes que Gale pudesse perceber, eu me infiltrei pelo castelo, fugindo da batalha. Atravessei corredores e escadarias, até encontrar Gailnaur. Ela me deu um belo e estalado tapa no rosto quando me viu, mas depois me abraçou, chorando. Eu senti falta das loucuras dela.

Depois de uns breves momentos, ela me guiou pelo castelo até o quarto onde estava Celebrian. Minha querida irmã ainda estava se recuperando do parto, deitada em uma cama. Amber, a melhor amiga de Celebrian, uma elfa de Valfenda, segurava um bebê de cabelos negros, uma menina de nome Kate. Já Linnã, segurava o outro bebê, o menino, de nome Caspian IX. 'Um para Nárnia, outro para Gondor', Celebrian disse, sorrindo. Eu chorei tanto! Pedi perdão à ela pelo que estava acontecendo, pelo que Gale estava fazendo. Contei-lhe tudo o que havia acontecido em Gondor depois de sua partida, e meu pai quase não podia acreditar. Era mesmo muito terrível, mas era a verdade.

A batalha durou muitos e muitos dias, e Gale montou um acampamento na frente dos portões, ondes os soldados que guerreavam de dia se recuperavam de noite. Pelo menos isso ele aprendeu com meu pai: a honra de deixar o inimigo se recuperar de noite. Caspian vinha e passava a noite conosco, conversando e cuidando dos bebês e da Celebrian. Mas logo a situação chegou a um ponto que não podia mais se prolongar. Naquela noite, Celebrian, eu e nosso pai bolamos um plano: meu pai desafiaria Gale para um combate corpo a corpo, e eu ajudaria Celebrian a fugir para Gondor.

Discutimos os preparavitos por algumas horas, e um mensageiro foi enviado ao acampamento de Gale com uma carta de meu pai escrita em próprio punho com o desafio. Celebrian também escreveu uma carta, mas para o Caspian. Ela instruiu Amber que ficasse com o Caspian, e cuidasse do bebê, pois ela não conseguiria fugir com os dois. E para ter certeza de que o nosso plano daria mesmo certo, criamos um novo nome para ela, para que Gale jamais pudesse encontrá-la: Catherine Mandeville."

Abelle quase deu um salto quando ouviu aquilo. Catherine Mandeville era o nome de sua avó, mãe de sua mãe, que se chamava Kate. Se ela tinha qualquer dúvida sobre suas origens, agora ela tinha a mais absoluta certeza.

"Hora marcada, dia combinado. Meu pai vestiu a armadura, afiou sua espada, e foi, duelando bravamente.

Eu e Celebrian nos infiltramos na floresta, correndo como loucos, no desespero para não sermos vistos. Corremos por horas, o medo de sermos descobertos e o frescor daquela floresta mágica nos mantinham alertas e com o vigor renovado. Chegamos então a um lugar sagrado. Ele era uma clareira brilhante, com árvores entrelaçadas, unidas, e muitos e muitos lagos. Já ouvi falar de lugares assim em contos e lendas antigos, lugares que levavam a lugares. Celebrian, com lágrimas, despediu-se de mim, entrando em um dos lagos, e desapareceu.

Eu retornei pela floresta para o castelo, e quando cheguei, deparei-me com a pior cena de minha vida: meu pai jazia no chão, com uma espada cravada em seu peito. E Gale, ao seu lado, com a espada do meu pai em seu coração. Um reino amigo do norte, convocado por Caspian, subjulgou o exército do Gale, e os aniquilou. E depois que tudo se findou, voltei para casa com minhas irmãs e a pior missão que se pode ter: contar tudo isto para minha mãe."

Eldarion suspirou pesadamente. Caspian aproximou-se de Belle, pousando suas mãos nos ombros da prima. Não era hora de dizer nada. Mas Eldarion ainda tinha algo a dizer.

"Minha mãe definhou pelo mal de Siyah e pela dor, até que morreu, desgostosa. Siyah então, dominou a tudo e a todos, ainda mais enfurecida pela morte do irmão. Todos aqueles que eu e minhas irmãs conseguimos salvar se refugiaram neste abrigo subterrâneo, e desde então temos aguardado pelos prometidos da profecia de Elrond."

Muitas coisas se passavam na cabeça dos primos naquele momento. O mistério de Celebrian estava resolvido. Abelle e Samantha eram netas de Celebrian. Agora, não era mais apenas as palavras de Aslam, eles era mesmo primos, ali estava a confirmação. Os filhos da profecia de Elrond.

Samantha, que ouviu a história toda sem se pronunciar, aproximou-se de Kuller, e depois de um suspiro longo e demorado anunciou.

– Então está na hora de convocar o exército de Edoras. Vamos cumprir a profecia.