No More Secrets: Terceira Temporada

A maça não cai longe da árvore


— Traga-me essa maça. Com magia.

A ordem de Tom ecoou dentro da cabeça de Pines. A tarefa parecia tão simples o quanto soava.

— Okay — respondeu Dipper. Ele se virou e encarou a pequena escrivaninha. A maça parecia olhar de volta para ele. Respirou fundo, desfrutando da primeira respiração tranquila que ele tivera há tempos. Esticou a mão direita na direção da fruta e tentou se lembrar de todas as vezes em que conjurara algo assim, tão direto.

“Descontrolar para controlar.” O seu corpo se abriu como uma porta e todas as memórias ruins, frustrações e preocupações invadiram e abriram as represas para o seu coração. A sua respiração ia pesando a cada vez que aquele olhar que Ford havia dado antes de ser levado faiscava sobre as suas pálpebras fechadas; o coração batia mais desritmado a cada replay de Bill Cipher explodindo diante dele naquela chuva de sangue; até que algo foi se avolumando dentro dele, ganhando forma como uma respiração em que ele passara muito tempo segurando. Na hora em que os pulmões estavam para explodir, teve a sua deixa para liberar a energia: “Mova-se!”, ordenou, dirigindo todo o seu foco àquela fruta.

Todo peso saiu de cima dos seus ombros, viajando pelo seu braço até chegar à sua mão e fluiu para fora através das pontas dos seus dedos. Um instantâneo alívio se abateu, feito um mergulhador ao alcançar a superfície após longos segundos prendendo a respiração no fundo do mar. Seu corpo se refestelou por inteiro, leve. Sentir aquele tipo de poder dentro dele era, de fato, algo singular. E a maneira com a qual aquilo o ajudava a se sentir mais calmo – como se todas aquelas mágoas saíssem finalmente de dentro dele junto com o feitiço – era algo que acreditava não trocar por nada. Ele nunca tivera um meio tão efetivo de descarregar seus fardos antes.

Finalmente abriu os olhos após ver que tudo havia saído dele. Sabia que encontraria a maça ali, flutuando no ar a caminho do seu professor, a expressão de orgulho estampada no rosto de Tom. Porém, tudo que encontrou foi uma carranca e um muxoxo de desdém do demônio.

— Parabéns — debochou Lucitor —, você não fez nada do que eu te pedi para fazer.

“O quê?!” Fuzilou de volta a mesinha e não acreditou no que viu: a maça antes vermelha e lustrosa havia se tornado irreconhecível, uma massa preta e bolorenta prensada sobre o tampo da escrivaninha; a polpa uma gosma ácida que, ao escorrer pelas laterais das pernas da mesa, derretia o tapete ao pingar sobre ele. E o pior de tudo: por mais que a fruta houvesse se transformado em algo completamente asqueroso e diferente, não havia saído um centímetro sequer de onde ela havia sido colocada.

— Não é possível... — disse Dipper de olhos arregalados.

— Você ao menos já usou o seu poder para conjurar algo que não fosse destrutivo? — perguntou Thomas num tom de bronca.

— Claro que já. — Mesmo que suas palavras fossem convictas, o interior de Dipper dizia o contrário. Todas as vezes que ele tinha invocado o Poder até aquele momento havia sido por pura impulsividade.

Tom suspirou, estalou o dedo e fez uma nova maça em perfeito estado substituir o estrago da inicial. — Então tente de novo.

Uma fisgada de raiva contraiu dentro de Dipper. “Erga-se!”, lamuriou para a fruta de novo. A maça tremelicou sobre o tampo, Dipper fez um esforço e sentiu uma corrente fina – quase como se tivesse uma pequena linha invisível ligando a mente dele àquela fruta – vibrar entre ele e a mesa. “Erga-se!”, ressabiou. A maça deu um arranco violento de cima da mesa, quicando dela até Lucitor em alta velocidade.

Com a destreza de um apanhador de baseball, Tom agarrou a maça no ar a tempo, o ligeiro arqueio das suas sobrancelhas identificava o detrito de surpresa da parte dele. Dipper sorriu como se dissesse “Viu? Eu consegui.”

Tom analisou a fruta com cuidado por toda a sua extensão, parecendo procurar por algum defeito. Usou as duas mãos para quebrar a maça no meio. Ao se partir, milhares de larvas e moscas rastejaram de dentro dela, andando por entre os seus dedos. A maça aparentava estar estragada há anos.

Dipper suprimiu um grito de asco. “Eu fiz isso?”

— Eu quero uma maça em perfeito estado, Dipper — disse Tom, fazendo a fruta podre sumir tão rápido quanto surgiu ao limpar as mãos na roupa.

Dipper grunhiu.

— Isso era para estar funcionando! Eu...

— O que você pensa quando está invocando o poder?

Os lábios de Dipper se comprimiram na hora.

— Você não pode usar magia como uma forma de lidar com os seus problemas, Dipper.

— Heh, você agora também lê pensamentos? — satirizou ele, abespinhado.

— Não precisa de telepatia para ver isso. Você está deixando se levar pelas coisas erradas. É visível o quanto os efeitos colaterais dos seus encantos estão sendo reflexo de um ódio de longo prazo. Vocês, humanos, têm uma mania péssima de descontar os seus problemas de maneiras destrutivas. É por isso que o mundo de vocês é o caos que é. Vocês são os seus próprios inimigos.

— O que é isso agora? Parei numa sessão de terapia?

— O que é “terapia”?

— Uma coisa da Terra. É quando você fala com alguém sobre um problema até conseguir resolvê-lo.

— Então vocês não fazem muito uso disso aparentemente. Você inclusive.

— Eu agora não tenho mais o meu direito de estar com raiva por acaso?!

— Não, muito pelo contrário, expressar a sua raiva é essencial para melhorar. Mas não é destruindo outras coisas que você vai conseguir consertar as que já estão destruídas.

Pela primeira vez em muito tempo, as palavras que alguém dirigia a Dipper não o atravessavam, mas sim se acomodavam dentro dele, como se durante todo aquele tempo houvesse um espaço disponível para elas morarem ali esperando para ser preenchido. Os ombros de Dipper relaxaram.

Thomas suspirou pela enésima vez só naquele minuto. — Olha, Dipper, você tem que aprender a esquecer o que te aflige, nem que isso seja por um breve momento. Eu sei, não é fácil. Sei muito bem disso. Eu sei como é estar furioso por estar triste o tempo todo e não ter ninguém para te compreender. Mas vai ficar mais fácil com o tempo se você pelo menos se permitir se sentir bem por um instante.

Houve um breve silêncio entre os dois. Nem foi o tempo de um piscar de olhos e lá estava a maça de volta sobre a mesa, brilhante e suculenta, praticamente apática à ideia dos horrores que poderiam ocorrer com ela nas mãos de Dipper. Por fim, tentou focar em si mesmo, buscar dentro dele algo que o motivasse além das constantes infelicidades da sua vida. Tentou se segurar a qualquer resquício de alguma memória que não lhe fosse considerada abominável. Mas qualquer ideia no mínimo ligeira de felicidade aparentava distante demais para que ele ao menos pudesse roçá-la com a ponta dos dedos. Nem portava a vaga lembrança de como alegria devia se aparentar, qual gosto devia ter. Por quê? Por que ele sempre tinha que acabar assim? Por que tudo ao seu redor parecia querer lembrá-lo o tempo inteiro de que não poderia ser feliz? “Isso não é justo...” A mesa balançou e desequilibrou o que estava por cima dela.

Isso não é justo!

Um estampido igual ao disparo de uma arma fez Dipper abrir os olhos, assustado. A maça havia se desintegrado no ar num estouro e desaparecido. Ele se virou para Tom, pronto para dizer algo, mas ele o interrompeu:

— Quer saber de uma coisa? Não vamos mexer com magia agora.

— Mas...

— Não, Dipper. Você claramente está tendo uma dificuldade para espairecer essa raiva. Nada disso vai funcionar se você não desapegar de algumas coisas primeiro. — Tom se aproximou com lentidão e disse a última coisa que Dipper esperava ouvir: — Me dá um soco.

— Hã?! — Dipper quase se desequilibrou.

— Isso mesmo. Pode dar. Na cara.

O garoto ficou lá parado por um instante, encarando o demônio, com olhos duvidosos.

— Vamos! Anda! — Tom impulsionou.

Dipper levantou o braço e, assim que deu a primeira investida contra o seu oponente, seu punho acertou o vazio. “O quê...?” Tom tinha desaparecido da frente dele num piscar de olhos. “Pra onde ele f...?”

— Tem que ser mais rápido do que isso. — A voz provocativa de Lucitor ressabiou pelas suas costas. Dipper se virou, vendo o demônio de braços cruzado o fitando com um olhar de desdém e soberania.

— Como voc...

— Rápido! Bate!

Pines içou-se para golpeá-lo de novo, mas assim que sua mão cortou o ar, o demônio zapeou-se com uma extrema velocidade para o outro lado da sala, fugindo do soco. Se Dipper tivesse piscado, com certeza teria perdido aquele movimento anormal.

— Mas o quê...?!

— Pensa rápido — urgiu Tom e, numa rajada de vento, materializou-se no lado de Dipper. De um segundo para outro, Dipper foi de ficar em pé para ficar de joelhos, uma dor aguda e pungente se alastrando seu estômago com rispidez. Havia levado um soco na barriga tão veloz que parecia ter sido dado por um fantasma.

Tom reapareceu a alguns metros de distância de Pines, rindo.

— Você está usando magia! — defendeu-se Dipper numa voz rouca e dolorida.

— E daí? Você acha que os monstros do Mindscape vão pegar leve com você quando você estiver lutando contra eles no Exílio? Acha que vão jogar limpo?

— Isso não é justo!

— Nada é justo, Dipper. Nada é justo pra ninguém! E não vai ser diferente pra você. Você precisa se virar com tudo que você tem!

Num salto, rápido como o de um gato, Dipper disparou a caminho do oponente, os punhos contraídos a todo vapor. Quando estava a um centímetro de tocar Tom, perdeu o equilíbrio e os seus nós dos dedos acertaram em cheio a parede na frente dele onde antes estava parado o demônio. Gritou com a dor espalhando-se pela sua mão. Tom tinha se esquivado, passou por debaixo do braço do garoto, rodopiou e o segurou pelas costas ao imobilizar, em seguida, os seus dois braços.

— Me solta! — arfou Pines.

— Anda! Você não estava com raiva, Dipper? Me mostre a sua raiva!

Remexeu-se, tentando escapar da teia em que Thomas o mantinha preso, mas se só se sentiu mais limitado. Com os dois braços presos e as pernas balançando inúteis no ar, ele teria de ser criativo. Só tinha uma parte do corpo que ele poderia usar.

— Desculpa — antecipou-se e, num movimento brusco, agitou a cabeça para trás. A parte de trás do seu crânio esmurrou em cheio a testa de Tom que, tonto e momentaneamente enfraquecido, descuidou-se de segurar o seu oponente por um instante, o suficiente para que Dipper girasse e saísse da amarra.

Quando readquiriu a postura na posição de combate e jogou o braço para cima para o golpe, onde estava Tom? Há um segundo ele estava por trás dele e no outro já não estava mais?

— Boa jogada. — A voz do demônio veio de metros de distância, próximo à cortina de lava que escorria sobre o vidro. Dipper girou nos calcanhares para o outro, Tom esfregava a mão sobre o seu terceiro olho dolorido. — Mas você não deve estar atento com onde eu estou, e sim com onde eu vou estar.

Mal foi o tempo de Lucitor finalizar a frase e seu corpo tremeluziu e o chão o absorveu.

O queixo e os punhos de Dipper retesaram enquanto ele esperava pelo próximo ataque. Mas nada chegou. Girava em torno de si próprio e buscava apreensivo por todas as direções da sala. Tom ia surgir ali, de algum lugar. Ia aparecer e golpeá-lo de novo. Mas quando? De onde?

“Como eu vou descobrir isso? Tom está abusando da sua magi—”

Magia.

Ele e Tom tinham magia – claro, Tom num nível bem superior à domesticação, mas mesmo assim, ambos compartilhavam do mesmo poder em sua essência. Dipper fechou os olhos. Não era com sua visão normal que ele iria poder ver Thomas. Tal como mais cedo, prestou atenção naquela energia que pulsava por dentro dele, naquele fio sobrenatural quase transparente que ele tinha visto ligando ele à maça. Desta vez, procurou não atar o fio a nada e ver o que aconteceria no lugar.

Na escuridão da sala e da sua mente, algo começou a brilhar. Parecia uma fagulha, ou apenas uma ilusão de óptica, um pedaço da luz que entrava pela frestinha das suas pálpebras semicerradas. Dipper pressionou, queria obrigar o que quer que fosse aquilo a se definir com mais clareza.

O poder respondeu. Os retalhos de luz ficaram mais intensos e delineados. Aos poucos, centenas de réstias foram enchendo o interior da cabeça de Dipper e, de alguma forma estranha, reproduziam o mesmo formato da sala em que ele estava, embora tudo estivesse meio turvo, debruado por uma aura azul brilhosa.

Dipper estava vendo o lugar onde ele estava... de olhos fechados.

Quase tudo era desenhado por aqueles feixes que pareciam reproduzir uma cópia do mundo exterior por meio daquele véu neon azulado.

Era a sua magia. A forma dela.

Ela estava em tudo que o cercava, ou era tudo. E Dipper estava ali, apenas sendo um condutor para ela, podendo pegar emprestado do ar os seus próprios átomos e os reorganizar com a facilidade de quem molda massinha de modelar. Imponência o encheu, imponência que era emprestada daquele lugar que ele havia conseguido acessar que lhe dava a impressão de ser tão majestoso quanto.

Entretanto, uma energia diferente começara a corromper aquele seu mundo invisível. O fio de magia vermelho começava a se alastrar e intoxicar todo aquele cenário, uma erva daninha intrusiva. “Isso não é meu.” E não era mesmo. Era a magia de outro alguém, rastejando-se até ele em câmera lenta, quase o alcançando e o arrancando do cenário cobalto.

Tom!

Dipper se esquivou do apêndice escarlate e, como se soubesse exatamente o que fazer, puxou algumas das fibras da luz azul que pairavam ao seu redor. Nas suas palmas abertas, rodopiou os fios, encarrilhando-os até virarem um orbe quente. Ele orientou a esfera energética contra o raio vermelho e lento.

Abriu os olhos.

Por um segundo, tudo no mundo exterior permaneceu ocorrendo muito lento assim como no interior. O rosto e corpo de Lucitor estavam congelados num borrão enquanto chegavam perto do oponente. Dipper soltou a magia e tudo voltou a correr na velocidade normal.

O orbe atingiu o demônio e estourou. A sala encheu-se de um brilho momentâneo e do som de um trovão. O corpo de Tom se curvou para trás com o impacto, mas ele conseguiu se manter em pé com os pés a derraparem, rasgando o carpete.

“Consegui?!”

Quase. Por um triz. Tom não havia sido atingido, e sim apenas segurava a carga de energia com muito esforço. Entre as suas mãos havia surgido uma espécie de escudo que ele não estava carregando antes, parecia ser feito da mesma energia vermelha e plasmática.

Como você fez isso?! — disse Dipper. Tom sorriu com deboche.

— Conseguiu ver onde eu ia estar. Muito bom. Mas ainda não bom o suficiente.

No momento seguinte, o escudo de magia se esticou e repuxou e, com a mesma física de um estilingue ou de uma raquete, o plasma rebateu o orbe azul e o feitiço se voltou contra o feiticeiro.

A magia de Dipper estava voltando para atingi-lo. O garoto deu um rasante involuntário para o lado, toda a sua racionalidade substituída pelo instinto.

Tom zarpou com a mesma rapidez do ataque, reaparecendo materializado pelas costas de Pines. Pegou-o pelos braços e passou-os para as costas, deixou Dipper imobilizado enquanto o redirecionava para a mesinha com a maça por cima.

— Tente de novo — sussurrou Tom autoritário na orelha do outro. — Lembre-se do que você quer.

— Não adianta pensar no que eu quero — retrucou Dipper no que tentava se desencilhar sem sucesso.

— Então está fazendo errado. O que você quer?

— Eu só quero que as coisas deem certo! — rugiu.

— Se só fosse isso não estaria dando errado. O que você quer?

— Eu... eu... — Dipper travou, afundando os olhos na maça intimidadora que era obrigado a encarar. — Eu...

Houve uma pausa. Dipper abaixou a cabeça.

— Eu não aguento mais — completou. — Eu não aguento mais tentar fazer com que as coisas deem certo para que elas acabem dando errado. Eu não aguento mais ter que sacrificar as coisas pelo bem e ainda assim acabar pelo mal. Eu não aguento mais ter que me curvar todos os dias à essa loucura que mora na minha vida. Eu não aguento mais não conseguir fazer nada dar certo. Eu não consigo mexer nem a porra de uma maça direito!

— E você quer que isso mude? — pressionou Tom.

— Claro.

— Como?

— Eu não sei! — vociferou e, de repente, seus olhos se encheram de lágrimas. — Eu não sei mais... — os soluços tomaram a sua voz à medida em que a magia se apossava dele. — Não sei mais o que fazer. Não sei mais o que sentir. Não sei mais o que é felicidade. Não sei mais nem mesmo o que é tristeza. Só sei que eu sinto esse cansaço enorme, esse rancor. Tô com um ódio enorme de tanto ter tentado fazer o impossível possível que eu nem sei mais se o que eu quero é o que eu quero. — As palavras saiam para ele agora tão fáceis quanto as lágrimas. — Eu sinto que pra mim seria mais fácil e simples destruir tudo. Eu quero destruir tudo, Tom! É isso que eu quero! Acabar com tudo ao meu redor, com o meu mundo inteiro, seria mais satisfatório do que alcançar aquilo que eu procuro.

— Por quê...? — A voz sincera de Thomas suavizara.

— Porque se não existisse mais nada... significaria que também não existiria mais a possibilidade de tudo voltar a dar errado.

O silêncio inundou e condensou no aposento.

Laborioso e com cautela, Tom soltou o garoto. Porém, Dipper caiu no chão mesmo assim por seus joelhos estarem tão frágeis quanto o restante do seu espírito, ao ponto de acreditar ser capaz de se quebrar com as mais suaves das brisas. As mãos espalmadas contra o tapete aos frangalhos, as lágrimas e soluços fluindo sem interrupção.

Após um instante, Tom pediu, delicado: — Tente trazer a maça agora. Por favor.

Dipper não acreditava que ele ainda pedia aquilo mesmo depois daquilo tudo. Aquela humilhação.

Ergueu um braço trêmulo na direção do móvel. E fez a mesma coisa que já tinha feito um milhão de vezes: procurou bem no fundo dele pelas suas frustrações, pelas suas mágoas, pelas más memórias...

Procurou, procurou, procurou...

E não achou nada.

Achou estranho de princípio, mas aí percebeu: elas não estavam mais ali dentro.

Estavam fora.

Nas suas lágrimas. No seu discurso patético. Na sala. No mundo. Em Tom.

Dipper achou que agora que o pavio para acender sua magia havia desaparecido, ele se sentiria impotente, patético. Mas não. Seu psicológico estava fraco, claro, mas não o fraco no qual estava acostumado – quando antes naqueles momentos a dor parecia estar matando todas as células do seu corpo, agora parecia estar despertando.

Diferente de todas as outras vezes em que usava o Poder, quando tirava a sua tristeza e seu ódio através de um feitiço, a tristeza e o ódio ainda ficavam dentro dele para poderem ser utilizadas mais tarde. Agora, entretanto, as mágoas haviam saído... e permanecido fora.

Tentou usar o Poder mais uma vez. A maça balançou um pouco, mas mesmo assim não saiu do lugar. Estava faltando alguma coisa. Aquelas emoções que – sim – eram péssimas, mas que usá-las o fazia se sentir no controle, no poder.

Tentou de novo. A fruta continuou intacta.

Olhou para o mentor com uma expressão de derrota, e o que encontrou tirou o seu chão.

Tom estava sorrindo de orelha a orelha

— Parabéns.

— O quê? — Uma sobrancelha de Pines se arqueou.

— Você passou.

— Como assim passei? A maça mal se mexeu e...

Tom o silenciou ao colocar uma mão aconchegante sobre o ombro de Dipper e lhe dar tapinhas de leve.

— Mas ela não também não derreteu, explodiu, ou apodreceu dessa vez, não é?

Dipper passou vários segundos mudo, desentendido até Tom ajudá-lo a se levantar. — Mas ainda assim — persistiu e mirou o outro com súplica —, não funcionou.

Os três olhos de Lucitor se encheram de um cintilar ímpar, algo difícil de descrever com outro termo que não fosse onisciente. O olhar de alguém que parecia se divertir com uma piada que só ele tinha entendido.

— Funcionou, sim. — E o demônio se afastou até uma das portas.

— Por que não descansa um pouco? Tivemos um treinamento... cheio — Observou a sala completamente em ruínas enquanto abafava um riso. — Vou preparar o nosso banho e jantar — disse num segundo antes de cruzar para o corredor e sair.

A mesa e maça desapareceram numa nuvem de fumaça.

E a única coisa que restou de pé na destruição da sala foi Dipper.