No Choir

When love became an act of defiance


And there will be no grand choirs to sing
No chorus will come in
And no ballad will be written
It will be entirely forgotten
And if tomorrow it's all over
At least we had it for a moment
Oh, darling, things seem so unstable
But for a moment we were able to be still

Para Korra, a descoberta consciente da bissexualidade só havia sido possível com a volta para a Tribo da Água. O tempo de reclusão durante a recuperação física e mental lhe havia colocado de frente com sua pior inimiga e oponente principal: sua própria cabeça. De todos os desdobramentos psíquicos causados por conta do enfrentamento à Zaheer, o mais difícil era o de ter que conviver consigo mesma, suas dores e poços-sem-fundo de sentimentos misturados tanto em relação a si quanto em relação ao mundo.

Crescendo como a reencarnação do grande elo entre o mundo físico e o espiritual, ela nunca havia vasculhado muito bem as caixinhas identitárias que despontavam sob o título de "Korra": as de "Avatar" eram muito maiores, mais brilhantes e empolgantes, no fim das contas. Além disso, como quase toda a sua infância e boa parte da adolescência tinha sido dedicada ao treinamento das suas habilidades enquanto entidade, ela não tivera muito tempo hábil para construir uma vida social. Desde que se dava conta, sua melhor amiga – como era de conhecimento público – era uma grande cadela urso polar.

As coisas mudaram com a sua ida para Republic City, é claro. Essa foi a primeira decisão inteiramente de Korra (embora ela estivesse pensando em seu desenvolvimento como Avatar) e havia lhe rendido amigos e romance e dores de cabeça e muitas coisas com as quais lidar no percurso. Com a vida borbulhando e acontecendo, ela apenas fizera o melhor possível com o que tinha. E havia descoberto, da maneira mais dura, que ser gente era muito mais difícil do que ser o Avatar.

*

Para Asami, questões sutis como a própria sexualidade haviam despontado de maneira muito mais rápida e leve; diferente de Korra, ela havia tido muito tempo ao longo dos anos para desbravar pequenas e grandes incursões e investigações dentro de si própria (o fato de ter estudado toda a vida acadêmica em um internato para garotas também deve ter sua cota de auxílio no sentido prático das descobertas).

Mas, como Korra, a senhorita Sato estava consciente do peso e da discrepância que podia haver quando se tinha, para além de uma vida-só-sua, pessoal, privada, uma imagem pública. A herdeira da Future Industries sabia muito bem quem era, mas isso não a impedia de, em muitos níveis, passar por cima das próprias vontades e desejos para atender as vontades e os desejos do pai – ao menos até descobrir toda a trama e o financiamento aos Igualistas.

O compromisso ético – e absurdamente doloroso – que assumiu com a própria consciência ao decidir não ser conivente com as ideologias políticas extremistas de Hiroshi foi um divisor de águas na vida de Asami. Foi assim que ela acabou virando uma integrante oficial do time avatar, o que lhe gerou aventuras que nunca havia pensado em viver e, posteriormente, sentimentos até então insuspeitos por Korra.

*

Essa, portanto, é uma pequena anedota de como os caminhos, distintos em muitos pontos e similares em outros poucos, as levaram até ali, para aquela tarde banal de tempo ameno no fim de junho, quando tanto Asami quanto Korra já haviam atravessado a primeira metade dos vinte.

Da janela de vidro principal da sala, entrava de vez em quando uma corrente de vento fria que fazia Asami se encolher debaixo da manta, o que provocava um risinho jocoso em Korra-sempre-de-regata; não importava quantos anos se passassem, ela era irremediavelmente imune ao tempo em Republic City.

Se Asami percebeu o pequeno deboche por parte da namorada, não demonstrou. Seus olhos corriam com rapidez e concentração um livro novo sobre tecnologia industrial, o que fez Korra conjecturar que precisavam de novas férias, apesar de terem voltado de uma há pouco menos de uma semana: a pele de Asami ainda brilhava num tom um pouco menos fantasmático do que o usual.

Para todos os fins, Korra sabia que a namorada gostava de se distrair com livros chatos, assim como a própria Korra gostava de se distrair olhando para Asami. Todos os gritos e perigos e estresses e vilões ficavam distantes, num compartimento fechado de sua mente quando ela era capaz apenas de fitar a mulher a sua frente e se concentrar de olhos e coração nela.

Era um jeito de respirar melhor: era assim que ela vinha definindo o relacionamento amoroso (e a própria vida que levava) nos últimos tempos. É importante dizer que Korra e Asami não eram felizes o tempo todo. Havia dias e humores variados. Havia chateações e desentendimentos e aquela eterna-construção-de-ser-alguém (que por vezes era chata a beça). Ninguém nunca está pronto e acabado: essa é a benção, mas também a maldição. Ter alguém por perto é sempre um lembrete de quem se foi, quem se é, e de todas as coisas que ainda se pode ser. Asami era assim para Korra. E Korra era assim para Asami.

Naquela tarde, nenhum evento digno de nota aconteceu. Ninguém se pediu em casamento. Nenhuma grande briga, nenhuma transa idílica também. Talvez Asami tenha deixado passar do ponto as abóboras no forno..., mas nada digno de nota, além do fato de que Korra olhou para Asami naquele momento mesmo em que ela se encolheu de frio por conta da corrente de ar vinda de fora. E riu um risinho de deboche. E Asami, que não se manifestou antes, instantes depois olhou para cima e encontrou os olhos dela.

E tanto Korra quanto Asami sentiram brotar, naquele momento mesmo, o sentimento morno e contemplativo de gratidão arbitrária por existir e ser quem se é e poder contar com quem se tem.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.