A visão do garoto escureceu. Quando ele voltou a enxergar, estava num local diferente, porém muito familiar: o Santuário. A vila de Rodorio e o cenário em torno estavam diferentes, típicos de ilustrações do século XVIII que o garoto havia visto em livros de história. Mas o Santuário estava praticamente idêntico ao que Matt havia conhecido: a Sala do Mestre, o Templo de Atena, as Doze Casas, as arenas de treinamento, os templos menores, e todo o resto, com exceção das construções mais recentes, como Palaestra e a maioria dos dormitórios.

Ele notou Unity se dirigindo, ainda mancando, em direção ao Salão do Mestre. Ele parecia ter andado todo o percurso de Graad Azul até ali, e parecia que ia desabar a qualquer momento. Mas o Oricalco permanecia a salvo em suas mãos.

Matt o seguiu. Unity entrou no salão, onde estavam Atena e um Cavaleiro de Sagitário. A Atena do século XVIII parecia mais jovem e mais inocente do que Saori, e tinha feições mais europeias do que a encarnação atual da deusa. O Cavaleiro de Sagitário era bastante parecido com Aiolos.

Unity foi em direção a Atena. O Cavaleiro de Sagitário parecia querer impedi-lo, mas Atena fez um gesto com a mão, pedindo que o cavaleiro de Ouro não interferisse. Unity se ajoelhou diante da deusa, e mostrou o Oricalco. Atena segurou as mãos de Unity, e começou a falar, como se o agradecesse por todo o esforço.

O príncipe começou a se reportar. A expressão de Atena ficou mais triste, e o semblante do Cavaleiro de Sagitário se endureceu. Matt não conseguia ouvi-los com clareza, mas imaginava que o irmão de Seraphina estivesse mencionando os sacrifícios de Dégel e Kardia para que ele saísse vivo de Atlântida e entregasse o metal para a deusa. Ele conseguiu discernir as palavras “Pandora” e “Espectro das asas de dragão” no discurso do príncipe, como se estivesse mencionando também os inimigos que haviam encontrado no fundo do mar.

Atena e o Cavaleiro de Sagitário puseram as mãos sobre os ombros de Unity, agradecendo-o mais uma vez. Atena entregou o Oricalco ao Cavaleiro de Sagitário, e falou como se estivesse lhe dando instruções. O cavaleiro de Ouro assentiu e saiu em disparada, levando o Oricalco consigo. Atena pôs a mão no rosto de Unity, que estava chorando copiosamente; a deusa sorriu, como se tentasse confortá-lo.

O cenário mudou. Matt continuava vendo Unity à sua frente, mas agora o príncipe estava sozinho. Ele andava vagarosamente, de volta a Graad Azul, em meio à neve. Os ferimentos causados por Dégel e pelo Espectro ainda eram visíveis, mas ele não parecia mais dar importância ou sequer senti-los. O príncipe andou até chegar ao interior do palácio em Graad Azul, em um espaço que deveria ter sido, outrora, seu aposento real, mas que agora se achava em ruínas. Matt conseguiu divisar uma cama, uma escrivaninha, uma janela quebrada e poucos outros utensílios que o permitiam identificar que se tratava de um quarto.

Unity deitou-se levemente na cama e recomeçou a chorar. Matt estava quase sentindo pena dele àquela altura. Eventualmente o cansaço o venceu, e o príncipe começou a dormir.

Então, a vida de Unity começou a passar literalmente diante dos olhos de Matt. Na cena seguinte, o príncipe parecia ter envelhecido 50 anos. Depois, 100. Depois, 200. E um pouco mais. A cada passagem do tempo, o quarto ficava ainda mais arruinado, até que Unity ficou cercado apenas de neve, vestido somente com suas antigas roupas reais – que agora não passavam de trapos e mal davam para protege-lo do frio.

A barba e os cabelos haviam crescido descontroladamente. Matt mal conseguia divisar o rosto de Unity diante daquela juba. Ele não estava mais deitado naquilo que havia sido sua cama, mas “recostado”: sua cabeça levemente inclinada sobre um monte de neve, e o rosto do corpo posicionado como se ainda estivesse dormindo. Era como se o príncipe houvesse desistido de viver, e esperasse a morte chegar.

Em um determinado momento, uma visão apareceu diante de Unity. Mostrava o Templo Submarino, já descongelado, com o interior do palácio de Poseidon exibindo a Escama do deus do mar e, enfileiradas um pouco abaixo, as Escamas dos Sete Generais Marinas. Parecia que haviam se passado séculos desde a batalha de Dégel e Unity naquele mesmo lugar, como, aliás, era evidenciado pela aparência de Unity.

Enquanto contemplava a visão ao lado de Unity, Matt notou que havia um homem no palácio, ajoelhado e prostrado diante da Escama de Poseidon. O homem ergueu a cabeça algumas vezes, como se estivesse falando com a armadura do deus. Com um sobressalto, o cavaleiro de Fênix percebeu que se tratava de Kanon de Gêmeos. Ele não usava nenhuma armadura, e estava vestido apenas com uma roupa de treinamentos do Santuário.

A Escama de Poseidon começara a brilhar, como se respondesse a Kanon. Matt notou que, diante de Kanon, havia uma espécie de jarro – uma ânfora – e, aos pés da ânfora, havia um selo de Atena, desgastado e um tanto rasgado.

Kanon apontou para uma das Escamas, como se respondesse a algo que o espírito de Poseidon houvesse perguntado. Matt se deu conta de que ele havia apontado para a Escama de Dragão Marinho. A Escama de Poseidon deixou de brilhar, como se a conversa tivesse cessado. Nesse momento, a Escama de Dragão Marinho deixou o seu lugar e voou em direção a Kanon, cobrindo-lhe em seguida. Unity fez um barulho de resmungo quase inaudível, mas que assustou Matt; o garoto quase havia se esquecido de que o príncipe idoso estava ali do seu lado. Era como se ele estivesse protestando contra o fato de estar vendo alguém ocupar a Escama que, um dia, havia sido dele. Talvez Unity sentisse, também, que Kanon não era o legítimo ocupante da Escama. Matt imaginou que Unity tivesse conseguido escutar claramente a conversa entre Poseidon e Kanon, ao contrário dele, e que isso justificaria o resmungo.

Matt voltou seus olhos para a mini visão, e perguntando-se internamente como aquela visão estava sendo transmitida para Unity, e por quem, e com que motivação. Ele viu Kanon, já coberto pela Escama, dando as costas às Escamas de Poseidon e dos outros Generais, e saindo do palácio. O garoto se deu conta de que estava observando o início da guerra santa entre Atena e Poseidon no século XX, a guerra santa na qual Ikki e os demais Cavaleiros de Bronze antigos haviam lutado, na qual Kiki e Shaina haviam descido ao Templo Submarino para auxiliar o grupo de Seiya a enfrentar os Marinas e derrubar os Sete Pilares, na qual Ikki havia dado combate a Kasa de Lymnades e ao próprio Kanon, e na qual Saori e os Cavaleiros de Bronze haviam conseguido selar a alma do deus dos mares de volta na Ânfora de Atena.

A visão sumiu da vista deles, e Unity praguejou novamente, sem disfarçar seu repúdio por ter sido obrigado a assistir tudo aquilo, impotente, sem poder fazer nada a respeito de uma nova guerra santa que se iniciava. Pelo jeito, ver Kanon usando sua antiga Escama era um insulto terrível para o príncipe e sua memória.

O cenário mudou mais uma vez. Matt ainda estava ao lado de Unity e eles ainda estavam em Graad Azul, cercados pela neve, mas agora uma nova figura havia se juntado à cena. Era um ser encapuzado, da altura mediana de um homem. No entanto, nada do seu corpo estava à vista, com o capuz escuro cobrindo suas mãos, braços, pernas, e com apenas uma abertura visível na altura do rosto. Matt tentou olhar para divisar o rosto do homem, mas só enxergou escuridão.

— Príncipe Unity – disse o homem. – É uma honra encontra-lo.

A voz do homem fez o garoto gelar. Estivera acostumado a ouvir as vozes das pessoas naquela visão de forma difusa e inaudível, como se estivesse os ouvindo do outro lado de uma catarata; mas a voz daquele homem estava bem mais do que audível, quase como se ele falasse no ouvido de Matt. Ou pior, como se falasse diretamente ao pensamento do garoto.

Ele notou também um cosmo hostil e enorme vindo daquele homem. O cosmo fez Matt se lembrar do cosmo de Atena e mesmo do cosmo de Poseidon contido em Seraphina que ele havia acabado de sentir mais cedo naquela visão. Mas o cosmo daquela figura encapuzada era diferente. Como se fosse mais profundo e muito mais ameaçador.

— Honra? – murmurou Unity. Matt se espantou ao ouvir a voz dele, pois presumira que o príncipe não tinha mais a capacidade de falar com aquela idade. Além disso, a voz dele também estava bastante audível, o que significava que o garoto não havia imaginado coisas ao ouvir a voz do homem encapuzado. – Não há honra alguma em me encontrar no estado em que estou.

— Não seja tão duro com você mesmo, alteza – respondeu o encapuzado. – Alguém com o seu talento, com o seu histórico... Certamente ainda tem muito a oferecer ao mundo.

— O que eu posso oferecer ao mundo ainda? – questionou o príncipe. – Graad Azul está em ruínas. Há um novo líder, Alexei, no comando da região, mas ele é um imprestável. Vive de fazer acordos com os Cavaleiros de Atena e os Guerreiros Deuses de Asgard em troca de proteção. Os Guerreiros Azuis estão com a reputação manchada e arruinada. Minha irmã está morta, após ter sido usada como marionete de Poseidon. Garcia, meu pai e nosso antigo regente, foi morto pelo meu próprio braço enquanto estive seduzido pelo poder de Poseidon. Ah, e Poseidon? Foi travar uma nova guerra santa contra Atena e não se deu ao trabalho de se lembrar de mim, que já fui seu servo mais poderoso, portador da mais poderosa de suas Escamas. Pelo contrário, ele colocou outro em meu lugar... Um pretenso Cavaleiro de Gêmeos que... Não! Um irmão do Cavaleiro de Gêmeos que nem sequer era fiel à causa de Poseidon. Que queria suplantar o deus dos mares e governar o mundo à custa da vida dele e de Atena. E Atena? Ela não é nem um pouco melhor. Dégel e Kardia, dois Cavaleiros de Ouro, deram a vida para que eu saísse vivo de Atlântida e entregasse o Oricalco para Atena, para que ela fosse vitoriosa na batalha contra Hades. Mas e depois? O Santuário me deu as costas. Nunca mais vieram saber do meu estado, ou me oferecer assistência. Venceram uma guerra santa devido ao metal que eu os entreguei, mas se negaram a me dar o devido reconhecimento. Deixaram-me envelhecer e apodrecer junto com Graad Azul. Até o imbecil do Alexei eles recebem de braços abertos quando ele vem rastejar pelas migalhas deles. Não há nada mais que eu possa oferecer a este mundo, meu caro, e se quer saber, melhor assim. Esse mundo não merece nada que venha de mim. Esse mundo apenas me deixou assim, como você vê. Velho, fraco, esquecido, esperando apenas o dia em que partirei para a outra vida. O que te fez pensar que poderia convencer um velho decrépito como este de que sua vida ainda possui alguma valia?

O encapuzado riu levemente.

— Meu senhor Unity, o senhor não tem ideia de como está enganado. O senhor ainda possui muita valia. Eu posso te oferecer uma chance... Uma segunda chance... De mostrar ao mundo que foi um erro te deixarem assim, jogado às moscas, contando os dias para o seu fim.

— E quem é você, afinal? – exclamou Unity, tossindo com aquele esforço. – É um deus?

O homem ficou em silêncio por um momento.

— Não, príncipe Unity, não sou um exatamente um... Bom, não importa. Mas eu venho em nome do meu mestre, o senhor Hades.

— Hades? – indagou Unity. – Faça-me o favor. Hades foi derrotado por Atena... Derrotado mais uma vez... Na guerra santa de vinte anos atrás. Bom, eu acho que já faz vinte anos. O tempo se confunde aqui no extremo norte. – A quantidade de informações ditas por Unity, sobre Hades, Poseidon e todos aqueles eventos, fez Matt imaginar que ele havia tido outras visões como aquela sobre Kanon nos anos que haviam decorrido. Ou então, alguém viera noticiar a Unity pessoalmente sobre tudo aquilo, visto que, oficialmente, ele ainda era um herdeiro do trono da cidade. Ou mesmo as duas coisas. - Seja como for, não há como a alma de Hades já ter se restabelecido a ponto de iniciar uma nova ofensiva contra Atena ou contra quem quer que seja. Ele precisaria esperar, pelo menos, 250 anos para tanto e...

— Vossa Alteza, permita-me informa-lo. Imagino que as novidades não tenham chegado ao extremo norte ainda. Mas meu senhor Hades encontrou, sim, uma forma de reviver antes do tempo previsto.

Aquela conversa estava ficando cada vez mais suspeita. E o papo de que esse cara era um mero servo de Hades? Uma ova! Matt não estava engolindo nada daquilo. Aquele cosmo parecia mesmo o de uma divindade. Se bem que... Talvez o cara fosse uma divindade e também um servo de Hades, ao mesmo tempo. O garoto já havia estudado uma vez que Hades, sendo o regente dos mortos, possuía deuses menores entre seus servos que, por vezes, executavam o papel de seus mensageiros. Pelo visto, esse cara era um deles.

— Uma forma de reviver? – questionou Unity, e sua voz fez Matt afastar aqueles pensamentos. – Mesmo para os padrões de Hades, isso é inesperado.

— Sim... O caso é que, desde que Atena enfrentou Marte e Pallas alguns anos atrás... As perturbações cósmicas no mundo inferior têm se intensificado. O espírito do senhor Hades enxergou a oportunidade. Ele se alimentou das almas que os Cavaleiros de Atena enviaram para o mundo dos mortos nessas batalhas que eles tiveram, desde a última guerra santa, e consumiu a energia gerada por todos esses conflitos. Tudo isso ocasionou a ocasião propícia para o retorno do senhor Hades.

— Hm, sei – disse Unity, que não parecia tão convencido com a explicação. Matt também não estava. – Mas como Hades pretende atacar Atena dessa vez? As últimas duas guerras não tiveram um final feliz para ele. E qual o interesse que ele pode ter comigo?

— Isso é outra novidade, senhor Unity. Como eu disse, meu mestre está consumindo as almas dos mortos e a energia gerada pelas batalhas dos Cavaleiros para se reerguer. Desse modo, as almas que meu mestre capturou agora estão a serviço dele. Ele poderá fazer uso delas a seu bel-prazer. Reviveremos todos os guerreiros do passado que enfrentaram os Cavaleiros do Zodíaco. Os Marinas, os Guerreiros Deuses de Asgard, os Marcianos, os Cavaleiros Negros... até mesmo os próprios Cavaleiros de Ouro, Prata e Bronze que foram derrotados no passado. O Santuário não terá a menor chance.

Nesse momento, o encapuzado jogou algo de dentro de seu manto. A mão dele ficou visível por um breve instante, e era negra como ébano. E não parecia uma mão humana. Matt estava gostando cada vez menos daquele sujeito.

Ele se forçou a prestar atenção no objeto que o homem misterioso havia lançado ao chão. Para surpresa do garoto, era um calendário. A surpresa aumentou quando ele olhou a data marcada: abril de 2012.

Primeiro, aquela informação fez Matt se dar conta de que Unity havia ficado vivo da guerra santa de 1747 até os dias atuais. Talvez as pessoas de Graad Azul fossem mais longevas do que os humanos comuns, ou talvez fosse um efeito colateral do tempo em que ele fora um Marina. Mas depois, o garoto se deu conta de outra coisa. Abril de 2012 era uma data marcante para ele... Era a data em que havia ocorrido a Guerra Galáctica. E pensar que havia sido há apenas quatro meses. Foi seu primeiro grande evento como Cavaleiro de Bronze: chegar ao Japão, se hospedar na Fundação Graad, após os seis anos de treinamentos... Conhecer os demais cavaleiros de Bronze novos, participar da Guerra Galáctica, enfrentar Elias de Lobo, enfrentar Rina de Andrômeda, e depois auxiliar Betinho a enfrentar o líder Cavaleiro Negro e seus asseclas. Depois, partir atrás dos demais Cavaleiros Negros, que haviam roubado as Armaduras de Ouro.

Ponderando sobre aquelas memórias, Matt notou outra coisa: o calendário estava com uma notícia de jornal afixada ao seu lado, e a notícia dizia: “Começa a nova edição da Guerra Galáctica”. Havia também algumas imagens, mostrando os embates da competição. Matt identificou as lutas entre Betinho e Cícero, entre Jonathan e Lauro, e entre John e Thiago.

— Nesse momento – continuou o encapuzado, quando Unity passou a fitar o calendário e suas imagens também – os novos Cavaleiros de Bronze estão no Japão para a realização da nova Guerra Galáctica. Mal sabem eles que já enviamos os Cavaleiros Negros para interromper o torneio e dar um susto neles. Ah, e para complementar, estamos fazendo os Cavaleiros Negros acreditarem que é Marte quem os está revivendo, quando, na verdade, é o próprio senhor Hades. Mas a menção de Marte fará mais sentido ao Santuário... Desde a última batalha, Atena e os Cavaleiros de Ouro vêm sentindo o cosmo de Marte se agitar, como se ele tentasse um retorno. Mal sabem eles que também é o próprio senhor Hades quem está agitando o cosmo de Marte, para causar apreensão nas tropas de Atena. Assim, eles estarão ocupados achando que estão prevenindo um eventual retorno de Marte, e não vão dar atenção ao senhor Hades por ora. Enquanto recupera suas forças, o senhor Hades irá mandar mais inimigos para os Cavaleiros defrontarem, até para não desgastar sua tropa de Espectros logo de cara, e deixa-los guardados para o gran finale. Quando o senhor Hades tiver energia o suficiente para se erguer e lançar suas próprias tropas contra eles... O Santuário nem terá tempo de ver o que os derrubou.

— Compreendo – disse Unity, reflexivo. – Hmm. Mas não entendo ainda qual o interesse que Hades pode ter em mim em relação a todos esses planos.

— Oh, claro, alteza. Deixei o melhor para o fim. Você irá liderar uma seção das tropas que Hades enviará contra os Cavaleiros. É claro que estou me referindo aos Marinas.

— Os Marinas? Duvido que Poseidon, mesmo selado, vá consentir em ter suas tropas usadas dessa...

— Príncipe Unity, o senhor não está entendendo – cortou o encapuzado. – Do mesmo modo que o mestre Hades está manipulando Marte, ele manipulará Poseidon também. A energia que meu senhor ganhou durante esse tempo em que ficou adormecido se mostrou muito útil. Ele fará uso dela para manipular até mesmo Poseidon, um deus de nível tão grande quanto o dele.

— Hmm. Isso quer dizer que o poder de Hades cresceu muito além da nossa compreensão – concluiu Unity. – De tal forma que ele será capaz de feitos que não conseguia realizar em épocas anteriores.

— Sim, senhor Unity. Pode ficar certo disso.

— Mas isso ainda não explica o que Hades planeja para mim. Como um velho decrépito à beira da morte, como eu, poderá liderar qualquer tropa que seja?

O encapuzado riu levemente.

— Isso também faz parte das novidades. Notei que o senhor andou se informando sobre as últimas guerras santas. O senhor deve saber, então, que Hades reviveu alguns Cavaleiros de Atena na última guerra, correto? E que eles retornaram até mais fortes do que quando estavam vivos.

— Sim, estou ciente disso, mas o que tem a ver com...

— É aí que o senhor entra, príncipe Unity – murmurou o encapuzado. – O senhor não está morto. Mas... O mestre Hades está disposto a te oferecer uma vida nova, rejuvenescida e renovada, para que possa liderar a tropa dos Marinas contra os Cavaleiros de Atena, contando com o auge de sua força, poder, e habilidade, como quando o senhor foi o Marina de Dragão Marinho, tempos atrás. E claro que você é o candidato mais apropriado. Com exceção daquele Kanon de Gêmeos, ninguém mais surgiu com o potencial para envergar o poder da Escama de Dragão Marinho desde aquela época. Ninguém mais conseguiria controlar adequadamente tais poderes.

O homem do manto fez uma pausa, esperando que Unity absorvesse aquelas palavras. Matt ficava cada vez mais horrorizado com o que ele dizia.

— Então, o que me diz, mestre Unity? – retomou o homem. – A oferta do senhor Hades está aí. Só me falta a sua resposta. E me atrevo a dizer que a sua presença nesse estratagema será decisiva para o sucesso das tropas de Hades, e para que possamos, enfim, sepultar a deusa da sabedoria de uma vez por todas. Pense comigo: não vai ser ótimo reviver seus tempos de glória, ainda mais envergando o poder da Escama de Dragão Marinho?

Não! Matt queria acreditar que Unity teria o bom senso de recusar. Mas ele sentia que já conhecia o final daquela história. Céus, ele estava vivendo aquela história.

— Eu aceito – disse Unity firmemente, erguendo a cabeça pela primeira vez em anos, e sentando-se na neve de modo trêmulo. – É a chance que tenho de me vingar de todos aqueles que me destrataram e que viraram as costas para mim. Diga-me o que tenho que fazer.

— Hihihi... – O encapuzado parecia estranhamente feliz com a resposta de Unity, mais do que simplesmente satisfeito em estar cumprindo as ordens de Hades. Parecia quase que ele tinha planos próprios, não somente para Unity, mas para toda aquela guerra santa. Matt desgostava cada vez mais dele. – Por ora, deixe-me fazer a minha mágica, príncipe Unity. Depois... Aí sim, o senhor terá que se preocupar com o que você terá que fazer.

O homem do capuz conjurou magicamente uma foice tenebrosa. Ele desferiu um golpe em Unity com a foice, e o príncipe não reagiu.

O corpo de Unity tremulou, caiu junto à neve, e desapareceu. O encapuzado escondeu a foice dentro do manto. Passaram-se alguns segundos, e a neve onde Unity estivera momentos antes explodiu. De dentro dela, surgiu o próprio Unity, porém, estava diferente – era o Unity da guerra santa de 1747, renovado e rejuvenescido, sem as marcas da idade e sem os antigos ferimentos de batalha. Até suas roupas haviam voltado a ser como eram antes de ele ter sofrido aquele golpe no coração desferido pelo Espectro draconiano em Atlântida.

O encapuzado colocou brevemente sua mão para fora do manto mais uma vez, e estalou os dedos. Um raio veio cortando o céu na direção deles, mas, quando estava para pousar no solo, Matt percebeu que não era um raio. Era uma armadura.

Ou melhor, era a Escama de Dragão Marinho. Tão logo ela pousou no solo, o encapuzado estalou os dedos novamente, e a Escama cobriu Unity.

Unity contemplou as próprias mãos, braços, pernas, o corpo todo, bem como a Escama que ele havia usado há 265 anos. Ele pareceu incrédulo por um momento, mas depois, abriu um sorriso tenebroso.

— Estou vivo – exclamou ele. – Mais vivo do que nunca.

— Certamente, senhor Unity! – disse o encapuzado, e Matt pôde ouvi-lo batendo palmas, muito embora suas mãos tivessem voltado a ficar escondidas dentro do manto. – Agora, Hades tem planos grandiosos para o senhor. Vou providenciar para que chegue aos locais marcados pelo mestre para onde o senhor deve ir, de modo a realizar as missões das quais ele te incumbiu.

O encapuzado sacou a foice novamente, e fez um rasgo no meio do ar. Era como se fosse um portal, como os portais da Outra Dimensão que Saga e Kanon de Gêmeos eram capazes de conjurar.

— Esse portal o levará a seus destinos traçados pelo mestre Hades, General Unity – declarou o encapuzado. – Você receberá as próximas instruções em breve.

— Devo agradecer a Hades pela gentileza agora? – indagou Unity.

O encapuzado limitou-se a rir.

— Agradeça a Hades quando tiver executado toda a sua missão, senhor Unity. Veremos um ao outro novamente em breve.

Unity assentiu, e entrou pelo portal. A visão de Matt se alterou novamente. Agora, Unity estava diante de uma grande casa senhorial. Matt reconheceu prédios modernos na cidade próxima a casa, então, a visão ainda estava mesmo no tempo presente deles.

Havia um jovem contemplando o mar na sacada da casa. Matt notou que era Julian Solo, a encarnação de Poseidon. Se Julian tinha a idade próxima da de Saori, então ele já não era mais tão jovem assim, apesar de preservar as feições da juventude. Com a alma do deus dos mares selada, Julian estava vivendo como humano novamente, administrando os negócios da família e ajudando as vítimas de enchentes e outros desastres naturais.

Matt se deu conta de que a cidade que ele via ao fundo só podia ser Atenas. Unity estava praticamente no quintal do Santuário e, mesmo assim, ninguém do Santuário havia tomado conhecimento da presença dele ali.

A tarde caía, e Julian não pareceu notar a presença de Unity. Movendo-se rapidamente, o príncipe convertido em General Marina subiu pela lateral da casa até chegar à sacada, sem ser notado. Ele se aproximou de Julian e lhe deu um soco na parte de trás da cabeça.

Julian caiu desacordado. Nesse momento, outro portal surgiu diante de Unity. Ele ergueu o corpo imóvel do herdeiro da família Solo e entrou pelo portal.

A visão se alterou. Unity agora estava no Templo Submarino; não era o mesmo em que havia enfrentado Dégel, e sim o mesmo em que os Cavaleiros de Bronze estavam atualmente, enfrentando os Marinas. Ele estava numa espécie de sala, com uma cama no centro. O General de Dragão Marinho depositou Julian, ainda desacordado, na cama. Unity se voltou para a saída, e fechou a porta do salão. Matt se deu conta de que aquilo não era um salão. Era um pilar – o Grande Suporte Principal, o sustentáculo do Santuário de Poseidon e o último dos pilares a ficar de pé, mesmo se os demais pilares fossem derrubados.

Outro portal surgiu diante de Unity, e ele entrou. Agora, Matt e o príncipe se encontravam de novo em Graad Azul, mas, pela posição do sol, era possível afirmar que alguns meses haviam se passado desde a conversa entre Unity e o homem do capuz.

Estavam diante de algumas ruínas, e havia Guerreiros Azuis espalhados por elas, como se aquele local fosse a base deles. O líder deles, Alexei, não estava à vista, mas alguns deles avistaram Unity se aproximando. Nenhum deles pareceu reconhecê-lo, mesmo com Matt imaginando que os Guerreiros Azuis atuais soubessem que o herdeiro daquela terra ainda estava vivo – mas o príncipe podia estar ocultando o rosto, como fizera com o próprio Matt na luta deles antes do garoto conseguir arrancar o elmo de sua cabeça. De qualquer maneira, se eles só conhecessem o Unity idoso dos tempos atuais, não faria diferença ver o rosto dele rejuvenescido.

Algum deles gritou “Marina!”, e os Guerreiros se mobilizaram para interceptar o recém-chegado; Matt se recordou que os Guerreiros Azuis eram inimigos jurados de Poseidon. Mas, assim que eles avançaram contra ele, Unity ergueu um dos braços e desferiu uma corrente oceânica, que veio do subsolo, contra eles, de forma similar aos golpes que ele havia desferido nas lutas contra Dégel e o próprio Matt. Vários Guerreiros Azuis foram pegos pela correnteza, jogados contra as ruínas, e caíram imóveis no chão. Matt pôde ouvir o barulho dos ossos deles se quebrando. Unity havia matado uma quantidade considerável de guerreiros protetores de sua própria terra.

Os poucos Guerreiros Azuis sobreviventes tentaram reagir, mas Unity pareceu ter se dado por satisfeito, e deu as costas a eles, entrando por outro portal. Dessa vez, Matt pensou ter visto Unity agitar a mão para conjura-lo, como se agora ele mesmo controlasse aquela habilidade.

A visão se modificou. Matt agora estava de volta à casa da família Solo, em Atenas. Os pais de Julian, já idosos, conversavam na sacada com alguém que Matt reconheceu ser Sorento de Sirene, que não estava usando sua Escama, mas sim, suas roupas normais de músico. O garoto se recordou de que Sorento havia se tornado amigo íntimo de Julian após a guerra santa anterior (Julian não tinha memória de que havia sido o hospedeiro de Poseidon, e Sorento havia se aproximado dele para vigiá-lo e protege-lo). Se sua impressão acerca da visão do ataque de Unity aos Guerreiros Azuis estivesse correta, já fazia alguns meses desde o rapto de Julian. Por que, então, os pais dele não haviam noticiado seu sumiço? Talvez Sorento os tivesse aconselhado, já imaginando que o sumiço dele tivesse alguma relação com o iminente despertar de Hades.

Enquanto Matt os observava, Unity surgiu em cena. De pé sobre um rochedo alto, próximo a casa, ele atirou algo em direção a Sorento e ao casal Solo. O garoto percebeu que era um envelope. Sorento agarrou o envelope antes que alcançasse o rosto do senhor Solo. Ele abriu-o e leu rapidamente, em seguida entregou aos pais de Julian e se voltou para olhar ao redor, para ver de onde o envelope havia sido lançado.

Sorento divisou Unity de pé no rochedo, a uma distância razoável, e pareceu se espantar ao ver alguém usando a Escama de Dragão Marinho. Sorento correu até a borda da sacada, mas Unity foi mais rápido e saltou em direção ao mar, abrindo outro portal com um gesto antes que atingisse a água. Sorento fez menção de subir a borda da sacada para ir atrás dele, mas se deteve, olhando para trás, em direção ao casal Solo. Os dois estavam horrorizados com o conteúdo da carta e com a aparição do Marina. Matt deduziu que eles também não sabiam sobre a “vida dupla” do filho. Por mais que Poseidon sempre reencarnasse na família Solo, o cavaleiro de Fênix imaginou que essa informação não era repassada a cada geração da família. Sorento olhou resignado para o ponto onde Unity havia desaparecido, e então se voltou para os pais de Julian; parecia disposto a contar a eles toda a verdade sobre Poseidon, os Marinas, e o destino de Julian, e deixar a perseguição para outro momento.

Matt notou um calendário na parede da casa, com a data marcada em “julho de 2012”. A mesma época em que os cavaleiros de Bronze estiveram lutando em Asgard contra os Guerreiros Deuses. O garoto se deu conta de que a visão estava se aproximando cautelosamente do dia atual.

A visão se modificou. Matt agora visualizava Unity no Pilar do Atlântico Norte, de pé em uma postura vigilante. Unity agitou a mão no ar, e mini visões como aquela que ele havia tido sobre a conversa de Kanon e Poseidon no início da guerra santa anterior começaram a aparecer. A primeira visão mostrava o próprio Matt, ao lado de Betinho, Gustavo, Rina e Thiago, encarando o Guerreiro Deus Siegfried. A batalha decisiva no Palácio de Asgard.

Unity agitou as mãos novamente, e a visão se dividiu em cinco. Com um sobressalto, o cavaleiro de Fênix se deu conta de que, agora, o General visualizava eventos que haviam ocorrido mais cedo no dia atual: em uma das visões, Betinho enfrentava Bian de Cavalo Marinho; na outra, Rina lutava com Io de Scylla; na terceira, Gustavo batalhava com Krishna de Crysaor; e as outras duas mostravam, respectivamente, Thiago e Matt correndo pelas trilhas, no emaranhado que conduzia ao Pilar do Oceano Antártico.

Unity manteve as visões no ar, e cruzou os braços, com um ar de riso.

— Podem vir, Cavaleiros de Bronze – disse ele com aparente satisfação. – O seu fim está próximo.

...

...

...

...

Uma enxurrada de sentimentos tomou conta de Matt. Angústia, decepção, frustração, fúria, ódio. Ele já detestava Unity antes das visões. Agora, estava disposto a dar tudo de si para vencê-lo e fazê-lo ouvir a voz da razão, devido a todos os erros que ele já havia cometido na vida. Dégel e Kardia haviam dado a vida para salvá-lo no passado – e ele havia preferido se rebaixar a lacaio de Hades na primeira oportunidade ao invés de demonstrar gratidão pela atitude nobre que os dois Cavaleiros de Ouro haviam tido para com ele.

Teve um último vislumbre de Unity contemplando as visões particulares. Então, tudo escureceu, e o garoto não conseguiu sentir mais nada ao seu redor.