Do outro lado na rua, uma figura encapuzada observava o jovem casal atravessar a avenida dividindo um guarda chuva vermelho. A figura não tinha essa preocupação, abrigada como estava embaixo de uma marquise. Muito discretamente, a figura encapuzada observou os dois pararem na porta de um edifício residencial, despedirem-se e o garoto ir embora, com um ar distraído, parando uma última vez para olhar para trás e vê-la entrar no prédio. Mas a garota apenas se virou e acenou para ele, sorrindo.

Nesse exato momento a figura tirou uma foto dela com o celular, enviando-a imediatamente para seu chefe. Esperou alguns minutos ali, abrigado da chuva e a ligação veio.

— E então? – perguntou seu chefe do outro lado da linha.

— Confirmado, chefe. Acabei de avistar o alvo e a namorada. Ele a deixou em casa e foi embora.

— Tem certeza que é o caminho que ela faz todos os dias?

— Positivo. Para quando quer o serviço?

— Amanhã, assim que a garota for para casa.

— Positivo.

—________

A aula de cálculo avançado parecia muito mais simples agora. As equações imensas e complexas não pareciam mais um monte de rabiscos e faziam muito mais sentido quando Tip as lia.

A professora de matemática era uma velhinha curvada de óculos que tinha um cheiro gostoso de sabonete de rosas e uma voz rouca por longos anos fumando cigarros. Não era uma pessoa muito dinâmica, então era fácil se distrair na aula dela.

E foi o que Tip fez, lembrando-se da noite anterior, enquanto rabiscava no caderno. Quando tinha chegado em casa, correu para o computador, digitando as palavras “acidente” e “refinaria” em um site de busca. Havia muitas notícias e poucas fotos, mas o resumo da coisa toda era uma grande explosão, na qual só não houve feridos por conta da intervenção do que era chamado Big Hero 6.

Tip franziu a testa para o monitor e releu um dos trechos da reportagem.

“De acordo com o departamento de polícia de San Fransókyo, o incêndio foi provocado por uma explosão em um gerador da refinaria, que tem capacidade para processar 100 mil barris por dia . Apesar dos enormes prejuízos financeiros, ação do grupo Big Hero 6 evitou a perda de vidas humanas. Graças a ação rápida do grupo, os doze funcionários que estavam trabalhando foram salvos apenas com ferimentos leves. Uma parte do canal marítimo precisou ser fechada para navegação por cerca de duas horas devido à fumaça proveniente do incêndio na refinaria, que fica no margem do canal, segundo a Guarda Costeira.”

Tip voltou a si quando percebeu todos da classe olhando para ela. A professora franzia a testa, impaciente.

— Senhorita Tipolina – Ela disse, com um tom não muito amigável, parando ao lado mesa dela, e observando os vários desenhos que ela vinha fazendo no caderno nos últimos minutos. – Uma vez que a senhorita prefere obviamente estudar arte na minha aula de cálculo avançado, poderia me fazer a gentileza de dizer o resultado da terceira equação da lousa?

Alguns risinhos foram ouvidos atrás das duas, mas assim que a professora se virou, o barulho morreu. Tip apoiou a mão no queixo, olhando para a lousa, com ar de quem tinha sido interrompida em um pensamento importante.

— Sete mil quatrocentos e vinte e três. – Ela respondeu prontamente.

Sussurros começaram pela sala toda, e a professora, silvou, irritada. Imediatamente os sons silenciaram.

— Está correto. Eu sugiro que a senhorita preste mais atenção na minha aula a partir de hoje, mocinha. Minha prova não será tão fácil como esse exemplo.

— Não se repetirá. – Tip garantiu, embora mal estivesse prestando atenção no que acontecia ao redor. A professora voltara a rabiscar na lousa e Tip percebeu, um pouco surpresa que tinha acabado de dar a resposta correta para uma equação extremamente difícil, sem nem mesmo pensar no que estava fazendo.

—______

A tarde, no laboratório E-62, Tip contou o que tinha acontecido na aula, mais cedo, enquanto Hiro sujava as mãos de graxa remexendo nas peças do motor do carro. Ele estava debruçado sobre o capô, e em um dado momento coçou o rosto, distraído, ficando com uma marca suja na bochecha.

— Então eu simplesmente olhei para a lousa e disse: Sete mil quatrocentos e vinte e três. E todos ficaram me olhando como se eu não fosse desse planeta.

Hiro sorriu.

— Gostaria de ter visto isso. – Ele disse, largando as ferramentas para fazer uma pausa. – Logo você não vai mais precisar das minhas aulas.

Tip franziu o cenho, confusa.

— Mas eu gosto das suas aulas. Você é um ótimo professor, e um bom amigo também. Eu gosto de passar as sextas feiras com você.

Hiro corou, mas forçou-se a olhar para ela ao responder:

— Eu também gosto de passar as sextas com você, Tip. – ele admitiu, com um pouco de medo da reação dela. Mas Tip apenas sorriu, colocou a mão sobre a dele, e o olhou nos olhos por alguns segundos. Então se inclinou um pouco e lhe deu um beijo no rosto.

O cientista piscou, confuso, segurando o rosto onde ela havia beijado.

— O que foi isso? – ele perguntou, com um sorriso um pouco bobo.

— Um obrigada. – Tip mordeu o lábio, um pouco perplexa com a própria ousadia. – Desde que chegamos aqui, você foi meu único amigo, e me ajudou bastante. Não só com as aulas.

Hiro assentiu, e os dois ficaram se olhando, sem perceberem que estavam cada vez mais próximos. Então a porta do laboratório se abriu de um jeito desajeitado, expondo Tadashi apoiado numa bengala. Por alguns milésimos de segundo, ele olhou para os dois, então seus olhos se estreitaram e ele sorriu com malícia, e Hiro soube imediatamente o que Tadashi achou que estava vendo. Como um raio, Hiro se afastou de Tip.

— Bom dia, pessoal. – Tadashi cumprimentou, saindo da porta e deixando os outros entrarem. Gogo, Honey Lemon, Fred e Wasabi vieram logo atrás, e por sorte não tinham visto o que acontecera. O que era ótimo. Tudo o que Hiro não precisava era mais gente alimentando as fantasias loucas do irmão mais velho.

— Espero não estar atrapalhando vocês – Tadashi brincou, sorrindo.

— Por que estaria atrapalhando? – Hiro perguntou, meio na defensiva.

— O carro. – Tadashi disse, simplesmente. – Você estava estudando o carro, não estava, Hiro?

— É claro que eu estav...

— Nós íamos fazer uma pausa. – Tip explicou, depois de cumprimentar a todos. – É muito bom te ver fora de casa, Tadashi.

— Também posso dizer que estava sentindo falta de sair. – Tadashi olhou em volta, pensativo. – Já estava sentindo falta de tudo isto.

Hiro olhou para Tadashi, comovido. Chutou a si mesmo mentalmente por não ter reparado no fato de que Tadashi estava ali, andando, e sozinho! Fazia meses que estava em tratamento, confinado em casa com Baymax, e na primeira vez que tinha saído, Hiro mal tinha reparado, hipnotizado como estava com aqueles olhos verdes.

Era estanho e empolgante ao mesmo tempo ver Tadashi outra vez no grupo. Empolgante porque parecia que as coisas estavam voltando ao normal, mas estranho porque, por mais que tentassem fingir normalidade, nada seria exatamente como era antes. Tadashi ainda estava com a saúde frágil e exigindo cuidados constantes, e enfrentaria longos meses de tratamento pela frente. E mesmo assim, todos sabiam que nada apagaria aquelas cicatrizes.

E embora todos quisessem agir como se nada tivesse acontecido, aquilo soava sim, um pouco forçado. Como se o grupo se esforçasse para não tocar no assunto sem querer e lembrar que Tadashi já não teria tanta liberdade como tinha antes. Todos estavam pisando em ovos, até mesmo Hiro, sobre como tratar seu irmão de agora em diante.

Tip, felizmente não parecia notar ou se importar, afinal ela conhecera Tadashi bem depois da explosão, e para ela, as coisas sempre foram da maneira que as tinha conhecido.

— Como foi o filme? – Ela perguntou, animada.

— Espetacular! – exclamou Fred. – Ação do começo ao fim! O final foi tão chocante, ninguém imaginaria que a Jane...

— NÃO CONTE O FINAL! – gritaram Tadashi e Hiro ao mesmo tempo.

— Tudo bem, tudo bem – Fred ergueu as mãos, num gesto de rendição. – De qualquer maneira, vem aí um feriado prolongado e eu estava pensando em tirarmos uns dias para ir a Frolic.

— Frolic? – Tip perguntou.

Fred se aproximou e envolveu um ombro dela com um dos braços, enquanto gesticulava com o outro.

— É a ilha particular da minha família. Nós temos um cinema, tobogãs, quadras de tênis... – Ele explicava, animado, completamente indiferente ao olhar assassino que Hiro destinava a ele e aquela mão no ombro de Tip.

Honey Lemon foi a primeira a perceber, e deu uma cotovelada suave em Gogo, apontando com o queixo na direção de Hiro. Gogo estreitou os olhos, explodindo uma bola de chiclete, com indiferença.

Tip sorria para Fred, achando graça do jeito desleixado dele. Então se lembrou de algo.

— O Hiro também vai, não vai?

Fred se aproximou e abarcou Hiro com o outro braço livre. O cientista ficou um pouco incomodado com a proximidade, mas Fred era Fred e não havia o que fazer quanto a isso.

— Se o Hiro vai? Que tipo de viagem é uma viagem sem os irmãos Hamada? – Fred perguntou, estreitando Tip e Hiro ainda mais junto a ele – E agora você também é uma de nós. Faz parte do grupo, então deve andar com a gente. – Ele acrescentou, gravemente.

Wasabi se aproximou e pinçou a manga do blusão de Fred, removendo o braço dele do ombro de Tip .

— Nós todos vamos, então você não precisa se preocupar com o comportamento estranho do nosso amigo Fred. – Ele explicou, repetindo o gesto e libertando Hiro, em seguida.

— A menos que você não se sinta a vontade para andar com os nerds. – Gogo complementou, erguendo uma sobrancelha.

— Claro que eu vou! Vocês são os nerds mais legais que eu já conheci. – ela elogiou, olhando de esguelha para Hiro.

— Então preparem os trajes de banho e o filtro solar, porque esse vai ser o feriado mais legal das nossas vidas! – Fred anunciou.

—___

Tip deixou a Universidade um pouco mais tarde do que gostaria. O grupo a tinha arrastado para a lanchonete e pedido porções generosas de batatas fritas e sorvete, obrigando-a a ficar até mais tarde com eles planejando sua viagem até Frolic. Ela enviou uma mensagem para a mãe avisando que chegaria mais tarde.

Então, quando saiu, já estava escuro embora não tão tarde. Tip fez o caminho habitual, feliz por sua sorte repentina. Tinha amigos legais, estudava em uma escola de renome e estava conseguindo se sair bem, sua mãe estava feliz. E havia Hiro. Sim, ela gostava dos outros. Mas com Hiro era diferente. Ela gostava muito mais dele.

Tip parou em um cruzamento, perdida em pensamentos enquanto esperava o semáforo mudar. A única coisa que sentia falta mesmo era Oh. Queria abraçar o alienígena baixinho e apresenta-lo aos seus novos amigos. O semáforo mudou para vermelho e Tip atravessou a rua.

Assim que seus pés tocaram a calçada, um aperto de ferro a desequilibrou. Alguém a agarrara por trás, puxando-a pelo pescoço. Ela pensou rápido, reagiu dando cotoveladas, ouvindo com satisfação o grunhido de dor de seu atacante quando ela conseguiu acertá-lo nas costelas. Então cravou os dentes no antebraço do sujeito, mordendo com força suficiente para tirar sangue.

Se ele a soltasse, ela correria como se tivesse os alienígenas Gorg em seus calcanhares, então mordeu com ainda mais força. Mas em vez de soltá-la, seu atacante tapou-lhe o nariz com um pano úmido.

Tip prendeu a respiração o máximo de tempo que podia, debatendo-se e grunhindo no processo. Mas sentia que suas forças a deixavam e que era puxada para um sono pesado e irresistível. Quando finalmente perdeu o controle dos próprios membros, seu atacante a puxou, meio carregando e meio arrastando, e a jogou na traseira de um furgão cinza. A última visão que Tip teve antes de entrar pelas portas do sono foi o deslizar da porta do furgão se fechando com um baque seco, e a sensação de movimento do motor levando-a embora.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.