Never Let You Go - Bring me to Life

Jess, O Novato... Nem tão novato assim


Será que existia alguém mais azarado do que eu?

Primeiro, começo a ver vultos femininos me perseguindo a noite. Depois descubro uma garota que já morreu e fica me atormentando. Se bem que eu ainda acho que isso é coisa da minha cabeça. Depois essa garota me segue pra tudo quanto é lado e me faz se estressar. O que me faz gritar e todo mundo fica pensando que eu sou louco. Mas a pior parte disso tudo foi o banho.

Dá pra acreditar que ela queria ficar dentro do banheiro também?

-Tá fazendo o que aí? - Perguntei, assim que a vi sentada na pia, me olhando.

-Vou esperar você tomar banho, ué.

-Ei, como assim? Pode cair fora. - A chicoteei com a toalha, ela piscou algumas vezes quando a toalha passava próximo a si, mas não se moveu.

-Qual é! - Falou, ainda em cima da pia. - Tá com medo de eu te ver pelado? Eu já vi.

-Hein? - Engasguei.

-Eu já vi você, seu pai, sua mãe, sua irmã, seus irmãos gêmeos e a sua prima Agatha tomando banho umas três vezes cada um.

-Cê tá brincando!

-Não tô nada. Eu já vi coisa pior acontecer nas festas dos antigos moradores dessa casa.

-Cê tá dizendo.. Aquilo?

-É. - Ela deu de ombros. - Eu vejo tudo que acontece aqui. Tudo.

-Mentira.

-Você tem uma tatoo de família na cintura que você nunca mostrou a ninguém. - Ela suspirou.

-Todo mundo aqui em casa sabe disso.

-Você fica imitando Michael Jackson. Você tem pelinhos no..

-TÁ BOM! EU ACREDITO! - Falei rápido, e ela riu. - Mas isso não é motivo pra você ficar aqui. Fora!

-Mas você vai ficar atrás da cortina e eu vou ficar aqui fora, ué.

-Garota, deixa de ser tarada, sai fora, ok?

-Ai, tá bom. - Ela pulou da pia e foi se sentar do lado de fora do banheiro, encostada na porta.

-Vai ficar aí? - Perguntei.

-É.

-Vai me vigiar o dia todo?

-Menos na escola. - Ela balançou a cabeça.

-Tá né. - Fechei a porta do banheiro e fiquei parado. Ela me viu pelado?

Ainda bem que ninguém consegue ver ou falar com ela, ou eu tenho certeza de como ela ia falar pra todo mundo das minhas coisas.

Eu tomei banho rapidinho. E quase desmaiei ao ver que minhas roupas não estavam mais lá. Eu tinha certeza de como tinha trazido elas.

-Mas que droga é essa? - Reclamei sozinho e ouvi a risada baixa vinda de fora do banheiro.

-Sua.. Sua.. - Abri a porta. - Devolve minhas roupas.

-Porque você não se veste no quarto?

-Porque é o lugar onde você entra e sai quando quer e eu não teria como te impedir de sair de lá.

-Então eu não vou devolver. - Ela foi até as escadas e olhou para ver se tinha alguém na sala. Pelo visto ninguém, porque ela começou a fazer piruetas com minhas roupas. - Vem pegar.

Eu fui andando devagar até ela e falando:

-Louissean, por favor.

-Nanica. - Ela ia andando cada vez mais para baixo. Então eu corri em sua direção e ela desceu as escadas correndo também.

Foi tudo muito rápido. Agatha e Kendra apareceram na porta com mamãe, Louissean largou as roupas no chão, eu pisei no pedaço da toalha que estava no chão e ela caiu nos meus pés.

-Eu esqueci o... - Era Agatha. - AAAAAAAAAAAAAAAH! - e Kendra.

-JESSE, SE CUBRA! O QUE É ISSO, MENINO? - Era mamãe.

Alguém ria, e não era nenhuma das três. Eu peguei a toalha do chão, junto com minhas roupas e corri pra cima, totalmente vermelho.

Essa garota me paga!

Tranquei-me no banheiro e me vesti rápido, uma calça jeans escura, uma camisa de mangas preta e um casaco cinza de algodão grosso com capuz abaixado. Depois fui até o meu quarto e adivinha quem estava sentada na minha cama, cutucando minha bolsa? Pois é, acertou.

-Meu Deus! Você é louca?

-Você que é. Sai correndo de toalha pela casa e culpa a mim? - Ela fez cara de desentendida.

-Você não existe.

-Tecnicamente não, mas.. - Ela se levantou e pegou os meus tênis perto da janela. - Aqui.

-Você me apronta uma confusão e depois tenta ser gentil? Se acha que eu vou te desculpar, está muitíssimo enganada.

-Tudo bem. - Ela olhou pra baixo.

-Tá legal, tá legal. Você venceu. Mas vê se não faz mais isso, okay? Eu já tenho fama de louco, agora vou ter também de tarado.

Ela riu e voltou a se sentar na cama.

-Você.. Vai ficar aí?

-É. Eu não posso sair..

-Porque não?

-A não ser que você ou outra pessoa me peça.

-Você é feito aqueles vampiros que..

-Não. Eles entram na casa ou no ambiente. Eu saio. E eu não poderia sair para sempre. Teria que voltar, onde está o meu corpo.

-O quê? - Dei um passo para trás.

-Eu não posso ficar fora porque meu corpo está aqui.

-Seu.. Como assim? - Perguntei atônito.

-Não acharam meu corpo depois que eu morri. Eu morri na cozinha. E não acharam minhas cinzas.

-Você morreu.. Queimada? - Arfei.

-Eu tinha asma. - Ela baixou o tom de voz. - Estava fazendo panquecas e não percebi o fogo subindo na frigideira, quando vi eu fiquei tão nervosa que tive um ataque. Não tinha ninguém em casa além de mim. Mamãe estava na casa da vizinha e só viu quando as chamas começaram a tomar conta daqui. Meu corpo foi queimado. Eu morri antes disso.

Ela terminou com a voz meio embargada. Mortos choravam?

Nós ficamos em silêncio durante cerca de um minuto, ela tinha uma expressão de quem se lembrava de bons tempos impossíveis de retornar. Até balançar a cabeça e falar:

-Eu acho melhor ficar aqui.

-Eu pensei que mortos descansavam até o dia do Juízo Final. - Comentei, ignorando o que ela havia falado.

-Eu também. Mas ele está aqui. Ele sempre esteve, e não me deixou ir embora.

-Ele quem? - Arregalei os olhos.

-Uma força que me mantém presa aqui. Ele se alimenta do nosso medo.

-Você está me assustando, Loui.

-Do que me chamou? - Ela arqueou as sobrancelhas.

-Louissean é muito grande para ficar sendo repetido. Mas, me fala quem é ele?

Ela sorriu:

-Eu gostei. - Depois mudou de assunto. - Eu também não sei. Só o que sei é que ele é mau.

-Ele é..

-Não. Deus nos livre. Ele pode ir embora. Só basta que não tenhamos medo dele.. - Ela começou, mas não terminou. - Eu não devia estar dizendo isso.

-Por quê?

-Ele está ouvindo. - Ela sussurrou.

-Loui, eu tô ficando assustado..

- Desculpe-me, Jesse. Eu não devia ter dito nada. Desculpa. - Ela disse aquilo e desapareceu.

-Loui? - Perguntei, mas não recebi resposta.

Olhei para os lados. A janela estava aberta. Eu não havia abrido, Loui havia fechado. Olhei para o espelho, e depois para a porta, estava fechada.

Calcei meus tênis, arrumei a cama e olhei a hora. 07 horas e 15 minutos. Eu estava atrasado. O ônibus iria passar em quinze minutos e eu ainda nem sequer havia tomado café. Abri a porta.

Não, eu não abri. Ela estava trancada. Girei a chave e a puxei novamente. Ela não abriu.

-Droga. - Sussurrei.

Um vento gélido soprou da janela e eu ia fecha-la quando ela subitamente fechou-se sozinha. "Oh-Oh" Pensei, no mesmo instante em que os lençóis da cama eram puxados por uma força invisível. Virei-me para abrir a porta.

Eu tentei gritar, mas não saia voz. Eu não tinha medo suficiente, talvez por Loui já ter me avisado, talvez por eu já ter passado a mesma experiência com ela. Mas mesmo assim, o pavor ainda dominava metade dos meus sentidos. Forcei a porta diversas vezes, mas ela não abria. Alguém gritou. Puxei o trinco de novo e de novo ele não abriu. Outro grito, só que mais alto. Era eu. Senti algo chegar mais perto de mim. Cada vez mais perto, eu já estava pensando em me virar e socar quem quer que fosse quando a porta se abriu.

- Jesse! O que está acontecendo? - Era minha mãe de novo.

Eu não resisti e abracei-a, instintivamente.

- Mãe, você é um anjo. - Disse ofegante. - Eu te amo.

- Obrigada, querido, mas.. O que houve? - Ela perguntou mais assustada ainda com minha reação.

Eu pensei em contar, mas me lembrei do que havia acontecido das outras vezes. Não, eles não iam acreditar em mim. Só iam pensar que eu estava realmente enlouquecendo.

- Nada. Eu só não consegui abrir a porta. - Sussurrei.

- Mas estava aberta.

- É? Não importa. Estou atrasado, vamos. - Soltei-a e fui em direção às escadas.

Ouvi-a fechar a porta e vir atrás de mim.

Depois que tomei café e escovei os dentes, chamei os garotos, mas eles estavam olhando a TV e nem se mexeram ao meu toque. Eu olhei a hora: 07 h 24 min. Eu tinha seis minutos.

-Ah, qual é? Vocês são uns molengas. - comecei. - Duvido chegarem lá primeiro do que eu.

-Está me desafiando? - Jason perguntou, me olhando.

-Sim. Porque, tá com medo de perder? - Abri um sorriso sarcástico.

Jonah se levantou da cadeira:

-Você que é covarde. Eu não vou te dizer que vou apostar corrida com você.. Porque eu já estou apostando. - Ele nem esperou, passou por mim e abriu a porta num jato.

Eu corri atrás, sem antes dar tchauzinho para Jason:

-Hasta La Vista, bobão!

Logo estávamos na parada. E Agatha correndo atrás, tentando nos alcançar e gritando desesperadamente para que corrêssemos devagar.

Mal chegamos e o ônibus apareceu. Eu fui o primeiro a entrar, e para que não houvesse duvida que eles também entrariam, joguei mais um desafio:

-Vamos ver quem pega o melhor lugar?

É. Como sempre, funcionou. Eu passei pelo bando de alunos me olhando de cima a baixo, tentando não encara-los e fui sentar na penúltima cadeira. Agatha veio atrás.

Jason e Jonah passavam pelas pessoas e diziam 'oi', mesmo que algumas nem sequer responde-se os. Mas deu certo. Um garoto que parecia bem legal chamou Jason pra sentar ao seu lado. E uma menina bem mais velha que eles, chamou Jonah. Nossa, meus irmãos conseguiam em três minutos o que eu levaria semanas ou até meses para conseguir.

Eu passei o caminho todo em silêncio, o que fez Agatha perguntar se eu estava bem. A verdade é que eu sempre falo o tempo todo, principalmente com ela. Mas eu estava pensando na coisa do meu quarto. Rezando pra esquecer ou eu não saberia como dormir esta noite. Eu comentei sobre queijos suíços com ela, mas acho que não foi uma boa ideia.

Assim que chegamos, Jason e Jonah desceram e atravessaram a rua. Ótimo, mamãe queria que eu viesse a pé, quando o ônibus do meu irmão parava bem em frente do meu colégio.

A maioria das pessoas usavam roupas normais, alguns poucos usavam uma farda com o nome do colégio na frente: Null High School.

Tinha um enorme gramado, e um lado de concreto enorme e cinza com bancos enormes também. Como já deve ter percebido, eu gosto muito de usar o adjetivo 'enorme', então não se importem de eu usa-lo com frequência.

Além de pessoas andando pra lá e pra cá, ou paradas em alguns cantos, também tinha gente nos bancos no lado de concreto. Nos primeiros, estavam uns garotos jogando xadrez. No outro havia algumas meninas conversando e elas pararam pra me observar por alguns instantes antes de começar a fofocar e sussurrar umas para as outras, então eu olhei para outro lado. O gramado não tinha tantas pessoas quanto no lado concretizado. Tinha umas garotas que pareciam Cheer Leaders, e riam sem parar. Elas não perceberam minha presença e não pararam de conversar. Um pouco afastados estavam garotos do time de basebol, eles me examinaram e comentaram algumas coisas sobre Agatha, que ainda estava ao meu lado. Então eu comecei a andar para a direção oposta a que ela estava e ela foi sentar junto às meninas que ainda a pouco fofocavam no banco.

Foi então que eu senti algo chocar-se contra mim.

-Olha por onde anda, seu otário. - Um garoto com cara de durão me lançou um olhar ameaçador.

Não, eu não ia ter que ficar servindo de bola de futebol pra ninguém chutar.

-Eu posso deixar você reclamar comigo, mas não me chama de otário. - Lancei um mesmo olhar para ele, que me encarou:

-Tá querendo me desafiar, baixinho?

-Só em tamanho, porque com certeza eu sou mais inteligente que você. - Falei, ao ver algumas pessoas nos observando.

-O que você disse? - Ele perguntou, ameaçador.

-Que você é idiota. - Falei, em alto e bom som. - Quer que eu repita?

Agora já tinha gente começando a formar um círculo ao nosso redor, inclusive a turma do gramado havia se levantado pra olhar.

-Quem você pensa que é?

-Quem você pensa que é? Eu não fiz nada contigo pra você vir me chamar de otário. O mesmo modo que você não gosta que te tratem mal se aplica a mim também.

-Otário. - Ele me deu um leve empurrão. - Eu trato quem eu quero como eu quero.

Foi o que bastou. Eu levantei a mão e acertei bem em cheio o nariz dele. A multidão arfou num: 'Oooh!'

-Merda! Seu idiota, com quem pensa que esta lidando? - Ele tapou o nariz com uma mão.

Os alunos agora já começavam a cochichar e dar risadas.

-Com mais um otário que acha que manda em mim. Você pode mandar nos outros, mas em mim não.

Um garoto apareceu e tentou me chutar, eu pulei para trás e desviei dos golpes dele com as mãos, mas logo senti algo atacar minha barriga. A dor era horrível, mas eu não tinha tempo pra choramingar. Fui à direção do garoto, mas alguém me segurou pelas costas.

- Jesse, para! - Era Agatha.

-O nome do otário é Jéssica? - O garoto que até então estava com a mão no nariz, riu. - Bem-vinda então, Jess.

Eu me larguei dos braços de Agatha para tentar acerta-lo de novo, mas ela me segurou a tempo:

-Jesse, para! - Falou mais alto, e depois sussurrou. - O diretor tá vindo aí. Relaxa.

Eu não me mexi, mas ainda estava encarando com um olhar mortal os dois garotos na minha frente.

-Algum problema, Sr. Huanz? - Uma voz grossa soou e todos os alunos foram saindo de perto, para dar espaço a um homem de terno e com um crachá em que se tinha escrito: “Paul Sawyer - Diretor".

O garoto que havia levado o soco tirou a mão do nariz, que já havia parado de sangrar:

-Nenhum, a não ser esse idiota tentando arrumar briga.

Ele virou-se para mim:

-Jesse Jonas? - Assenti, com o sangue ainda quente. - Não estava arranjando problemas no primeiro dia de aula não é?

Desvencilhei-me dos braços de Agatha:

-Para mim, não havia problema algum. - Minha voz estava rouca e fria.

-Muito bem, todos pras salas. - Ele disse para os poucos alunos que ainda estavam a nos observar.

-Ainda nem tocou o sinal! - Alguém reclamou no mesmo instante em que uma sirene estridente foi ouvida.

Todos se retiraram aos poucos, e o diretor olhou para mim e Agatha:

-Não vão para a sala de aula?

-A gente ainda não tem o horário. - Agatha falou baixo.

-Agatha Parker? Bom, venham comigo. - Ele nos conduziu colégio adentro.

Eu estava sem humor para reparar na decoração e apenas segui até a recepção, com umas pontadas no estômago.

Uma mulher ruiva nos cumprimentou e passou um papel com os horários e o mapa da escola, e umas listas para os professores assinarem.

A minha primeira aula seria de Inglês, na sala 08, no corredor 02. A de Agatha seria Matemática em algum lugar que eu não a ouvi dizer.

Eu segui pelo colégio, em passos lentos por causa da dor e acompanhei algumas pessoas que iam para a mesma sala.

Para minha sorte o garoto que eu havia brigado fazia primeira aula comigo também. É, para minha sorte mesmo. Eu precisava acertar as contas com ele, mesmo com a barriga ainda doendo. Não que fosse aqui e agora, mas alguma coisa ia acontecer e eu tinha certeza disso.

A professora de Inglês era uma mulher de uns 40 anos, chamada Lucia Kupster, tinha os cabelos loiros e os olhos azuis. Ela era bem simpática, assinou a lista e me mandou sentar na primeira cadeira da última fileira, ao lado de uma garota de cabelo vermelho.

Eu me sentei. Ainda doía um pouco.

-Oi. - A garota falou comigo. - Eu sou Honor.

Fiquei em silêncio, não conseguia falar.

-Você foi incrível. Sabe, a minha amiga, a Shella, adorou a sua performance.

A dor pareceu melhorar um pouco, mas eu permaneci calado. Não havia nada pra falar.

-Você é novo na cidade também? - ela perguntou. Sua voz de certo modo me irritava.

-Sou - falei baixinho.

Ela me examinou e perguntou:

-Não vai falar mais nada?

-O que quer que eu fale?

-Sabe, a Shella é a garota mais popular da escola, e eu sou a melhor amiga dela. Eu não falo com ninguém que pertence ao seu grupo, e estou falando com você agora. E você fica parado aí como se falasse comigo todos os dias. - Ela disse isso num tom de voz superior, o que me irritou mais ainda.

-E porque você está falando comigo, então? - perguntei ainda indiferente.

Ela vagou os olhos pela sala, como se procurasse alguém. Pelo visto esse alguém não estava lá, e era isso que ela queria.

-Você quer sentar com a gente hoje?

-Porque está me chamando pra sentar com vocês?

-Porque você é bonito, parece ser legal, deu um soco na cara do Kevin.. E não liga pro que as pessoas estão comentando de você - ela sorriu e dessa vez parecia sincera.

-O que estão falando de mim?

-Boa coisa não é. Mas porque não para de perguntar e responde a minha pergunta logo?

-Já que você insiste. Mas eu não faço muita questão - dei os ombros e me ajeitei na cadeira.

A professora passou pela minha carteira, me entregou o livro de Inglês e outro que eu deveria ler, mas eu nem sequer olhei a capa e o joguei embaixo da carteira. Ela também me mandou tirar as pernas da mesa. Sim, eu estava com as pernas na mesa. Mas qual o problema? Tinham uns três garotos assim também lá atrás, e ela não reclamou. Decidi que próxima aula iria para o fundo.

Ela passou a aula toda comentando sobre a importância dos livros. Ok, mudei totalmente de opinião sobre ela, porque ela não era legal, era pra lá de chata e tediosa.

Maior parte da turma dormiu durante toda a aula. A garota ao meu lado estava pintando as unhas e eu fiquei desenhando na mesa. Eu ia desenhar no caderno, mas eu sou muito ecológico e não vi motivo para gastar folha com uma bobagem, então eu vi uns garotos riscando a mesa e segui o exemplo.

Para meu completo azar, eram dois horários, mas no segundo as coisas começaram a acontecer. Primeiro eu senti uma bolinha bater nas minhas costas e cair no chão. Apanhei-a e abri para ver se tinha algo escrito. Tinha um garrancho horrível que eu levei cerca de três minutos para conseguir ler:

"Você vai ver otario".

Ótimo, além de idiota, era burro também. Não sabia usar acentos e sinais de pontuação. Olhei para trás, ele estava na última cadeira, na mesma fileira que eu. Voltei para o papel e escrevi embaixo:

"Eu já vejo, e quer saber o que? O grande burro que você é. Continua assim que você ter um futuro promissor”.

Joguei o papel para trás, sem ao menos olhar. Tive sorte, ele pegou, pude saber pelo palavrão que ele proferiu ao ler o que eu havia escrevido. Mais uma vez senti a bolinha de papel. Porém dessa vez, Honor também viu e esticou o pescoço para olhar.

"Além de ser otario é também nerd otario"

Meu Deus, era a única coisa que esse garoto sabia falar? "Otário". Suspirei e joguei a bolinha no lixo, não acertei meu alvo, mas passei perto. A professora nem notou.

-Nossa! Você vai brigar com ele no fim da aula? - Honor perguntou.

-Não. - falei e depois complementei. - Se ele não quiser.

-Você é total - ela riu.

Era idiota rir naquele momento, mas eu não comentei nada.

-Veio de onde?

-De outra cidade - assenti com a cabeça.

-Isso eu sei - ela revirou os olhos. - Quero saber qual.

-Eu vim do Canadá.

-Porque veio para a Geórgia?

-Porque minha tia morreu, e mamãe resolveu cuidar da minha prima Agatha.

-Não podia cuidar lá?

-Olha, eu não sei de nada, só disso. Eu estava jogando vídeo game com meu amigo Matthias quando minha mãe chegou e disse que íamos nos mudar em dois dias. Eu fiquei tão triste que nem perguntei o motivo. Talvez porque a minha tia morasse aqui. Talvez porque meu pai recebeu uma oferta de emprego melhor de uma das afiliadas da empresa que ele trabalhava que funciona aqui. Eu não sei.

-Tá. Nossa... Você é estressado.

-E você irritante - comentei baixinho, mas ela pareceu nem ouvir.

-Já te disseram que você é lindo? - qual é a dessa garota?

-Já. - respondi, frio.

-Shella vai adorar você, aposto. - ela passou a mão no meu cabelo e eu tirei a cabeça de perto dela. Odeio quem pega no meu cabelo.

-Você tá me caçando pra servir de enfeite pra tua amiga?

-Na verdade vai servir de enfeite pra mim. Mas antes você tem que passar pela aprovação da Shella - ela colocou a mão no meu ombro e eu afastei devagar.

-Eu não..

-Você vai dispensar uma garota como eu? - ela enfatizou demais no ''eu''.

-Não, mas eu também não..

-Ai, eu sabia. Você é total - ela bagunçou meu cabelo e eu afastei minha cabeça bruscamente. Passei a mão nos cabelos de leve enquanto chacoalhava devagar:

-Não pega no meu cabelo, ok? Pode passar a mão aonde quiser, mas no cabelo não.

-Ai, desculpa. Eu não sabia. Você fica tão fofo quando tá estressado. Na verdade você é fofo - ela fez uma vozinha fininha e irritante.

Suspirei. Ah, céus! Cruzei os dedos para o sinal tocar logo e eu poder sair dali o mais rápido possível. E para minha sorte, o sinal tocou no mesmo instante. Eu pulei da cadeira e quase saí pulando e cantando da sala. Próxima aula: Biologia. Era a sala ao lado. Ô sorte!

-Te vejo depois, gatinho - era Honor.

Eu abri um sorriso educado entrei na sala.

O professor era careca, alto, e usava óculos. Tinha um crachá na sua bata branca que dizia: "Professor Mistaker". Que diabo de nome era aquele? Ele assinou minha lista e me deixou escolher um lugar para sentar.

Eu me sentei mais uma vez na última fileira, porém dessa vez na carteira do meio. Então eu os vi. Eram cinco. Tudo bem, isso está parecendo Crepúsculo, então vamos logo ao caso. Eram mesmo cinco. Garotos. Ambos usavam piercings e bonés para trás. Estavam acompanhando Kevin Huanz. O que queria dizer que eram do bando dele. O que queria dizer que se o Kevin viesse brigar comigo, eles viriam juntos. O que queria dizer que eu estava ferrado, torrado e malpassado.

E eles não iam me deixar passar ileso, com certeza não. Foi então que eu a vi. Uma garota loira usando uniforme de Cheer Leader passou por eles e disse alguma coisa e um deles discordou. Eu ouvi a garota gritar um "Eu não pedi sua opinião!" e o garoto recuou com o olhar de Kevin. Ao que parecia, ela tinha um poder maior do que eles. Quem ela era? Já se podia imaginar: Shella. Eu precisava chegar até ela de algum modo, e eu já sabia quem me ajudaria: Honor.

O professor era substituto e a aula toda foi de apresentações e comentários sobre o que faríamos durante o tempo que ele estivesse lá.

Eu não prestei atenção em quase nada. A aula depois dessa foi Álgebra e eu nem sequer vi o nome do professor. Depois chegou a aula de Física. Eu não prestava atenção em praticamente nada e queria que a hora do almoço chegasse logo, mas o tempo parecia andar trocentas vezes mais devagar que o normal e eu ficava frustrado, o que me fazia rabiscar a mesa e o olhar o relógio o tempo todo. A sorte maior foi a de ninguém querer puxar conversa comigo.

Assim que o sinal tocou e eu vi que finalmente era a hora do almoço, corri para a porta e fui o primeiro a sair de sala, pelo ao menos naquele corredor. Eu corri até o meu armário e estava guardando parte das minhas coisas quando ouvi alguém atrás de mim. Apesar de já ter ideia de quem era, torcia pelo contrário.

-E aí, otário? Vai querer levar uma surra depois da aula, ou agora tá com medinho? - era ele. Droga.

Fechei o armário e virei-me lentamente para Kevin e seu bando, que me olhava com uma expressão desafiadora.

-Eu não tenho medo de nenhum de vocês - falei alto, com medo até de a voz falhar. Em parte era verdade, mas era antes de eu saber que ele tinha um bando. - O problema é você e sua covardia.

-Está me chamando de covarde?

-Ah, a cada minuto que passa eu descubro mais sobre você - falei, abrindo um meio sorriso, e fazendo o dele sumir. - Primeiro descobri que era burro, depois que era covarde, e agora descobri que também é surdo.

Ele levantou a mão para me socar, mas eu me afastei para o lado, fazendo com que ele acertasse o armário.

-Seu otário! Você vai apanhar até chorar feito um vira-lata surrado - ele iria me bater ali mesmo não fosse Honor ter aparecido.

- Ei, saia daqui!

-Quem você pensa que é? - ele se virou para ela.

-Honor Mary Kinzer. E estou mandando você sair daqui agora!

Eu me afastei do armário e fui para o lado dela enquanto os garotos que acompanhavam Kevin também iam saindo de fininho. Ele continuou parado olhando para Honor até Shella aparecer por trás dela e perguntar o que estava havendo ali.

-O problema é esse idiota aqui - Honor apontou para Kevin. - Ele tá querendo bater no Jesse. Eu até deixaria se fosse uma luta honrada, mas ele está em maior número, além de que eu não arriscaria perder esse rostinho lindo - ela acariciou meu rosto, e apesar de eu não gostar disso, permiti. Eu precisava me juntar a eles ou eu me daria muito mal.

Shella olhou para mim pela primeira vez:

-Hum.. Então você é o Jesse Jones? O novato. Bom, veio bem melhor do que eu imaginava. Honor te convidou pra sentar com a gente, não é?

-É - respondi.

-Então vamos - ela sorriu e depois se virou para Kevin. - E você mantenha-se afastado dele, está ouvindo?

Kevin lançou-me um olhar petrificante e instintivamente eu desci a minha mão até a mão de Honor e a apertei com força, ela sorriu e nós seguimos Shella.

No meio do grande refeitório tinham duas mesas juntas e uma turma sentada nos bancos ou na própria mesa. Eram jogadores de basquete e de basebol, Cheer Leaders e outras pessoas que eu não sabia identificar de qual grupo pertenciam.

-Ei Shel, Honor - o garoto no centro da mesa acenou.

Ele me examinou e perguntou:

-Quem é esse?

-Esse é o Jesse - Shella apresentou. - Ele está com a Honor. Jesse, esse é Sean. - Sorriu para mim e depois se virou para a turma dos jogadores de basebol. - Esses são Dean, Tay e Artie - Depois para a turma do basquete. - Esses são Jack, Ozzie, Will, Flip e J.J.

A cada nome, um acenava com a mão ou a cabeça. Honor me fez contornar a mesa e sentar perto dela, no fim.

-Aqui estão Tiff, Trix, Milly e Jaz - ela gesticulou para as Cheer Leaders. - Esses são a turma do coral: Beatrice, Mika, Ian, Jerry, Clark, Leo, Tati, Hanna e Jena - ela apontou para as últimas pessoas.

-Hã.. Eu não sei se vou decorar todos esses nomes - mordi os lábios e eles riram.

-Com o tempo você aprende - o garoto que eu acho que devia ser Tay, falou.

-E então - era Sean. -, em qual dos times você entra nessa?

Olhei para Honor e ela sorriu.

-Ér.. Acho que..

-Porque não basquete? - uma garota morena sugeriu. - Você ficaria legal jogando basquete, porque não é muito agressivo quanto basebol. A não ser que você saiba cantar - todos riram.

-É, tudo bem - dei os ombros.

-Mais um pro nosso time, parceiro - era Jack, eu acho. - Você só é um pouco baixinho.

-Cresce jogando - outro garoto disse. - Como o Will.

Eles riram novamente. Então Shella se levantou do colo de Sean e subiu em um dos bancos:

-Quem vai ficar na escola hoje depois da aula?

Algumas pessoas levantaram as mãos e assentiram.

-Ótimo. Honor e as meninas vão pra minha casa com Hanna e Jen depois da escola, nós vamos providenciar os convites.

Olhei para Honor:

-Convites de que?

-Ah, Shella faz aniversário na próxima semana. Você vai ficar na escola com os meninos?

-Para..?

-Bom, um grupo vai pegar a lista dos alunos que vão ser selecionados para irem à festa, fora nós. Outro grupo vai falar com o diretor para começar a organizar os espaços e as decorações da primeira parte da festa que vai ser aqui no colégio.

-Hm.. É que eu não sei se vou poder ficar hoje na escola.

-Porque não? - ela falou alto e todos pararam de conversar para nos olhar.

-Por que.. Uns amigos meus vem me visitar - falei baixinho.

-Ah, isso não é problema, você trás eles pra cá - Shella disse.

-Não trouxe o celular - disse mais baixo ainda.

-Você vai a casa e espera eles chegarem depois trás eles pra cá, pronto - ela falou rapida e impacientemente.

-Então... Tá okay - eu falei em tom normal e eles voltaram a conversar e planejar coisas.