HyoYeon’s PDV

– Uau, você gosta mesmo de pizza! – Ri enquanto Jessica enfiava mais um pedaço enorme na boca. Ela me olhou envergonhada e voltou sua atenção para seu prato.

Estávamos nós quatro sentadas no chão da sala, vendo um filme que Jessica nos forçou a assistir. É algum romance idiota que não me importei em saber o nome. Passei meus olhos por Yuri e percebi algo que me deixou brava.

– Yuri! – Chamei sua atenção e TaeYeon arregalou os olhos, com medo.

– O que? – Yuri respondeu, puxando seu prato para mais perto de si.

– Você está dando pizza para TaeYeon escondido de mim?

Yuri riu, tomando um gole do suco.

– Deixe-a comer um pouco, aquela sua sopa não vai sustentar essa criança.

Olhei para TaeYeon, que mantinha seu olhar no chão, mastigando lentamente.

– Vou deixar essa passar.

Terminamos de comer e puxei uma almofada no sofá, acomodando-a atrás de minha cabeça. Após o filme terminar, nenhuma de nós teve coragem de se levantar e começamos a assistir mais um filme. Para minha sorte, era mais um romance.

Tédio.

Me ajeitei, tentando me acomodar no chão e cai no sono. O que eu preferia que não tivesse acontecido.

Já fazia dois anos que eu tinha esse mesmo pesadelo. Dois anos de noites acordada por não querer sofrer mais com esse sonho que me deixava atordoada, agoniada. Não me recordo de um dia que fiquei sem sonhar com ela.

HyoYeon…

Senti alguém me sacudir e abri meus olhos lentamente, logo sentindo uma lágrima solitária escorrer meu rosto. Por já estar acostumada com essa rotina, apenas passei meu polegar por ela e me sentei, soltando um gemido em resposta ao chamado de Yuri

– Está tudo bem? – Ela me perguntou, me ajudando a ficar de pé.

– Oh sim… Que horas são? – Perguntei, mudando de assunto.

– São sete horas – Ela me respondeu.

Esfreguei meus olhos, deixando um bocejo escapar.

– Eu dormi demais - Olhei ao redor e percebi Jessica adormecida no sofá – Não fui a única.

Olhei para Yuri e ela sorriu para mim.

– Essa aí dorme em qualquer lugar, é normal – Yuri disse enquanto pegava os copos do chão. Ajudei-a limpar a bagunça que fizemos e fui para o quarto de TaeYeon.

Ela estava lendo algum livro, enrolada na coberta. Sorri e me sentei no fim da cama.

– Não sabia que usava óculos, Ahjumma.

A vi levantar seus olhos lentamente até mim e sorriu envergonhada.

– É apenas para ler, não gosto muito deles – TaeYeon disse enquanto fechava o livro e o repousava ao seu lado na cama.

– Você fica bem com eles.

– Eu queria acreditar em você – Ela tirou seus óculos e os guardou na caixinha.

Sorri com sua atitude. Ela tem uma caixa para os óculos. De verdade, ela me surpreende a cada segundo. ‘JummaTaeng’.

– O que está lendo?

– Lágrimas do Dragão.

Puxei o livro, o manuseando devagar e me arrepiei apenas olhando para a capa. Era um esboço de um homem com os olhos vermelhos, parecendo estar atrás de um vidro molhado e a fonte com que o título fora escrito me fez temer o conteúdo que estaria dentro dele.

– É um livro de terror?

– Suspense. Dean é meu escritor preferido. Para mim, não existe melhores livros de suspense dos que os que ele escreve.

– São tão bons assim, hm?

– Essa é a quarta vez que estou lendo, tire suas próprias conclusões.

Coloquei o livro de volta em seu lugar e demorei alguns segundos antes de me pronunciar. Percebi que ela está dando seu máximo para perder a formalidade perto de mim. Fiquei feliz.

– Quem sabe um dia você me empresta. Poderei tirar melhor tais conclusões.

Ela concordou com um gesto de cabeça e se ajeitou na cama. Me levantei, indo em sua direção e colocando minha mão em sua testa.

– Como está se sentindo? Não está mais com febre, acho que comprei o remédio certo.

– Estou melhor, obrigada.

Trocamos sorrisos e sinto que ela entendeu que não precisava agradecer. Por mais que ela queira, não vai parar de ser formal tão cedo.

Há um momento, quando você olha para uma pessoa e tem quase uma certeza de que se darão bem. Não sabe o porquê, apenas sente isso. Quando esta sorri delicadamente e você sente-se alegre. Eu não sei explicar, só me senti assim uma vez na minha vida.

Não quero que me interpretem errado. Eu realmente penso que TaeYeon será minha amiga e que me darei bem com ela, mais do que com as outras. Não sei o motivo. Só sinto. Os olhos dela me transmitem algo com que já me deparei antes, me traz lembranças. O brilho deles me recorda algo familiar.

Na minha cabeça, acabo criando limites entre mim e as pessoas, por achar ser o certo a se fazer. Mas quando olho pra essas meninas, meu coração me mostra que depois de um longo período de tempo, me sinto bem novamente. Isso é totalmente estranho. Quem sabe deve ser esse o curso natural das coisas? Eu realmente espero que esse seja meu novo começo. Eu agradeço por ter minha segunda chance. Tenho plena consciência de que não vou deixar meu passado ao relento, mas vou continuar meu caminho.

Não tem tanto tempo que a conheço, mas vejo que ela também tem um certo medo de se abrir, isso me chamou atenção. Em querer descobrir quem é a verdadeira TaeYeon.

Julgo ter ouvido alguém, e volto à realidade.

– Onde está seu celular? – Perguntei depois de um tempo em silêncio, recebendo um olhar confuso. TaeYeon pegou o celular em seu casaco e me entregou – Vou anotar o meu número aqui, ok? Se você precisar, pode me ligar.

TaeYeon apenas continuou me olhando, sem dizer nada.

– O que foi? – Fiquei preocupada com sua expressão.

– Ah…Nada, não é nada.

– Certeza que está bem? – Insisti mais um pouco e ela soltou uma rápida risada. Olhei-a confusa por sua atitude repentina.

– Eu tenho certeza.

Decidi deixa-la com seu livro, pois já estava na hora de ir embora. Despedi-me de TaeYeon e voltei para a sala, encontrando Jessica e Yuri conversando no sofá.

– Eu estou indo – Avisei, pegando minha bolsa na poltrona e elas voltaram a atenção para mim – Quer carona, Jessica?

– Eu vou aceitar.

– Você disse que não queria voltar para casa – Yuri disse, parecendo não querer que a outra fosse embora.

Jessica sorriu e deu-lhe um beijo na bochecha.

– Querer não é poder, infelizmente.

Ela levantou, pegando suas coisas e me seguindo até o carro, após combinarmos com Yuri de nos encontrarmos no outro dia.

A noite me agradou. Uma neblina suave fazia de São Francisco mais fresco. A brisa invadia o carro e eu não me importava com os constantes arrepios que sentia, eu gostava. Olhei para Jessica e pareceu-me que ela também não estava incomodada. Ficamos em silêncio por alguns poucos minutos depois que saímos do apartamento de Yuri. Parei no sinal e aproveitei para observar a cidade movimentada e bastante iluminada.

– Quero cachorro-quente.

Jessica se pronunciou, olhando para a praça do outro lado da rua, onde se encontrava um trailer de hot dogs.

– Ainda está com fome?

– Eu estou – Ela me olhou séria, mas seus olhos diziam alguma coisa. E eu entendi.

Quando o sinal abriu, dei a volta na praça, estacionando logo enfrente ao trailer. Jessica abriu um grande sorriso e saiu do carro, andando em longos passos até seu destino.

Sai em seguida e caminhei devagar até um dos bancos livres da praça. Me pus a sentar e suspirei ao sentir aquela leve brisa arrepiar-me novamente. Estava bem claro e eu mal conseguia encontrar uma estrela no céu por culpa disto. Senti-me frustrada, mas continuei a procura de algum ponto brilhante que eu pudesse apreciar. Logo após um intervalo de tempo, minha visão se ofuscou e desisti. Olhei ao redor a procura de Jessica e ela ainda estava lá, indiferente, esperando por seu lanche.

Passei a observar Jessica. Ela era de altura mediana, seus cabelos loiros se acomodavam tímidos em seus ombros e ela levava uma expressão vazia em seu rosto. Acho que isso não era algo que ela pudesse controlar, seus olhos sérios era algo pessoal. Eu ficava feliz quando conseguia fazê-la sorrir, pois parecia impossível. Era apenas impressão.

Depois de uns meses que convivi com Jessica, pude perceber o quão doce ela passara a ser. E vou confessar que me deixou mais calma, pois de primeira ela parecia ser uma menina difícil de lidar, mas ela realmente não liga para algumas coisas. É um ponto positivo, se pensarmos por diferentes lados.

Jessica suspirou em alívio, logo que o rapaz lhe entregou seu cachorro quente e uma lata de refrigerante. Ela passou os olhos pelas pessoas na praça, até me encontrar não tão longe de onde estava e veio caminhando em minha direção, sentando-se ao meu lado, sorrindo.

– Aceita? – Me perguntou.

– Não, estou bem, obrigada.

Deu um meneio de cabeça e mordeu pela primeira vez seu sanduíche, com uma vontade enorme de saciar aquela fome que para mim ainda era um mistério de onde viera. Encostei-me ao banco e olhei novamente para o céu, mantendo meu olhar na lua minguante logo a cima de nossas cabeças. Ao fundo, alguma música country conhecida era tocada nos alto falantes da praça. Deparei-me com grandes carvalhos ao redor do local e respirei fundo, podendo sentir o perfume das folhas.

Graças ao cachorro quente de Jessica, pude ficar um tempo ‘sozinha’, em paz. Tenho uma personalidade agitada e gosto de lugares badalados, mas eu gostei daquele lugar. Gostei de poder desfrutar de momentos assim, calmos.

– Me desculpe por fazer você ficar aqui, quando poderia estar em seu apartamento. Eu não queria voltar para casa, minha mãe está passando por algumas crises no trabalho e ela gosta de descontar em mim e na minha irmã – Ela disse e tomou um gole de refrigerante, mantendo seu olhar longe do meu – Só queria um pouco de silêncio.

– Está tudo bem, estou gostando daqui.

– Obrigada por me fazer companhia.

Sorri com sua ultima fala, e respirei fundo, ainda admirando a beleza daquela noite. Eu queria conversar mais com ela, só não sabia como começar. Não era de mim ficar nervosa, mas ela me deixava assim.

– Você só tem uma irmã? – Comecei.

– Sim, Krystal. Ela é mais nova – Ela me olhou, curiosa – Você disse que cuidava de seu irmão antigamente. É só ele?

– Sim, é mais novo também. Sempre dizem que somos gêmeos – Revirei meus olhos – Não gosto de parecer com aquele lerdo do MinGu.

Ela riu e cruzou as pernas, se ajeitando no banco, olhando para as árvores em nossa frente, como eu.

– Lerdo?

– Ele é lerdo, mas eu o amo.

Ficamos quietas mais uma vez, olhando para tudo e pensando em nada. Ao menos eu estava assim.

– Posso te perguntar uma coisa? – Ela disse com seu tom de voz baixo, sem mudar a direção de seus olhos.

Gemi em resposta.

– Você se acha uma boa irmã?

Parei uns segundos antes de responder sua pergunta. Refleti sobre isso rapidamente, sorrindo ao lembrar de momentos de minha infância.

– Eu poderia ser melhor.

– Como?

– Eu realmente não sei. Eu me sinto no dever de cuidar dele, mas sei que MinGu não tem confiança em mim. Eu queria poder dar um jeito de mostra-lo que estou a sua disposição, mas não sei como farei isso.

– Me sinto do mesmo jeito. Por mais que pareça algo fácil, a relação entre irmãos sempre vai ser complicada, a meu ver.

- Por que a pergunta?

- Venho pensando sobre isso com frequencia. Apenas fiquei curiosa.

E mais uma vez o absoluto silêncio apaziguou nossos pensamentos. Ouvia a respiração compassada de Jessica ao meu lado. E a diferença foi que neste momento, tal calmaria durou por mais um tempo. E por fim, percebi que estava mais silencioso do que deveria. Olhei para a menina ao meu lado e seus olhos estavam pesados e cansados. Apenas me levantei e peguei em sua mão, puxando-a suavemente até ela se manter firme em pé.

– Está pronta para ir?

– Na verdade não.