Elisabeta recordava-se de ter lido, certa vez, a respeito de imagens que, a primeira vista, pareciam uma coisa, e com o movimento, ou uma mudança de compreensão, se tornavam outra coisa. Como um disco que ao girar parece todo da mesma cor, mas quando está parado tem apenas um círculo naquela tonalidade. E era exatamente assim que Elisabeta sentia-se em relação à Darcy.

Era como se, agora que percebera o quanto ele era atraente, ela não conseguisse mais pensar em outra coisa ao vê-lo. E tentava lembrar exatamente quando Darcy se tornara um homem como aquele, e porque ela parecia nunca ter percebido tal fato. A verdade é que parecia que, em um piscar de olhos, ele se tornara um homem capaz de movimentar todos os seus hormônios.

Elisabeta recordava-se de Darcy, quando criança. Supunha agora que ele sempre fora uma criança bonita, ainda que na época ela não pensasse sobre isso. A medida que virava um adolescente, Elisabeta lembrava-se de ouvir suas amigas discursando por horas sobre o quanto Darcy Williamson era o menino mais bonito da escola. Mas, naquela época, ele era apenas Darcy.

Dando-se conta agora, Elisabeta conseguia perceber que Darcy sempre fora atraente. Era mais alto que a maioria dos garotos de sua idade, sempre praticara alguns exercícios, mantinha os cabelos quase em ordem e há muito tempo tinha uma barba para cobrir o rosto. Para falar a verdade, a única vez que Elisabeta vira Darcy sem barba fora na temporada do exército.

Ainda assim, Elisabeta supunha que nunca dera muita importância para o fato. Estivera sempre muito mais preocupada em ganhar as discussões do que em admirar a beleza de Darcy. Ele era seu amigo mais antigo e seu vizinho por toda uma vida, e talvez essa proximidade tivesse impedido que Elisabeta percebesse quem ele era.

Porque à luz de sua nova descoberta, Elisabeta não tinha dúvidas de que precisava haver alguma explicação. Se Darcy Williamson não fosse Darcy, ela certamente teria ficado encantada por ele à primeira vista. Não havia em qualquer universo uma Elisabeta Benedito que não ficaria embasbacada pela altura e porte de um homem como ele.

Por isso era perturbador que ela simplesmente não conseguisse mais vê-lo com os olhos de antes. Porque agora os olhos dela eram puxados para ele toda vez que Darcy entrava no cômodo. Porque os braços dele pareciam ainda mais fortes, agora que ela sabia como era quando ele a segurava. E o sorriso de lado, que tantas vezes ela vira, agora parecia perfeito para ele.

E agora, enquanto ela o observava jogar cartas com os irmãos e suas irmãs, Elisabeta não conseguia se concentrar no jogo. Não quando Darcy estava relaxado na cadeira à sua frente, uma expressão concentrada no rosto, as mãos embaralhando as cartas com maestria. Não quando a camisa dele tinha dois botões caprichosamente abertos, dando à Elisabeta uma visão maior do que poderia tolerar.

Sentia o coração acelerado e a boca seca, e perguntou-se como seria se aproximar, arrumar os fios que escapavam da boina preta, sentir a textura da barba de Darcy. E, sentindo-se observado, Darcy ergueu os olhos, incapaz de compreender a expressão de Elisabeta, mas vendo claramente o rubor em seu rosto.

Ela o estava enlouquecendo. Desde o episódio da semana anterior, Darcy não pensava em outra coisa que não a perfeição que parecia o corpo dela colado ao dele. E havia sonhado com ela, em situações muito menos lisonjeiras, mas absolutamente deliciosas. Porém, ela era Elisabeta. Irmã de Jane, Mariana, Cecília e Lídia. Filha de seus vizinhos e grandes amigos, Ofélia e Felisberto.

A melhor amiga de seu irmão, Ernesto. O par perfeito para Ernesto, como ele pensara a vida inteira. A menina que o irritava, a adolescente que o fazia bufar. Não era bobo, é claro que já reparara outras vezes no quanto Elisabeta era bela. Sabia que era uma mulher atraente, mas era Elisabeta. Nunca pensara nela daquela forma, ela nunca invadira seus sonhos.

E era difícil ignorar aqueles sonhos quando ela o fitava daquela forma, como se pensamentos proibidos estivessem na mente dela. Porque só podia ser algo da imaginação de Darcy, ainda assim fazia com que seu corpo ficasse um pouco mais quente, sua mente imaginar se estava certa quanto às curvas que o vestido vermelho escondia.

Elisabeta desviou o olhar, mordendo o lábio, e Darcy perguntou-se como seria fazer o mesmo. Morder o lábio inferior de Elisabeta, enquanto suas mãos a puxavam para ele. Ou sentir os dentes dela em seu ombro, enquanto se movimentava dentro dela. Céus, ele estava louco. Aquela era Elisabeta. Sua vizinha, sua amiga.

Darcy remexeu-se, desconfortavelmente, e Elisabeta voltou seu olhar para ele. Ele começou a distribuir as cartas, e ao final espiou as dele. Elisabeta também viu as dela, mas não prestou atenção. Porque Darcy tomou um gole de cerveja naquele momento, e Elisabeta imaginou o gosto dos lábios dele. E imaginou como seria ter os lábios dele em seu pescoço.

E quase riu, sozinha, ao constatar que a ideia de beijar Darcy era mais excitante do que beijar Edmundo. Então engoliu em seco ao perceber que, em sua imaginação, permitia à Darcy coisas que nem ousara pensar com qualquer outro homem. E isso só poderia significar que não estava pensando bem, que estava supervalorizando seus pensamentos.

Mas o tempo não apaziguou aquele desejo, e a cada vez que se encontravam parecia mais difícil de ignorá-lo. Estavam cada vez mais cientes um do outro. Tão cientes que Elisabeta não conseguia mais encontrar Edmundo, e Darcy ignorara todos os recados de sua ex-namorada. Porque não parecia certo encontrar outra pessoa quando só conseguiam pensar um no outro, mesmo sabendo que jamais aconteceria algo entre eles.

O destino, porém, era caprichoso. E, naquela noite, algumas semanas depois, quando o frio fazia sua primeira aparição, o jantar dos Benedito forçara a todos que ficassem confinados dentro de casa. Elisabeta e Darcy estavam sentados no mesmo sofá, cada um em uma ponta diferente. Era perfeito para que não precisassem olhar um para o outro, já que não conseguiam controlar suas divagações.

Tudo estava bem, até Ernesto levantar-se do meio deles, para saudar Ema. E, quando retornou com a namorada e pediu inocentemente que Elisabeta chegasse mais perto de Darcy, para que Ema sentasse na ponta e ele pudesse ocupar o braço do sofá, a amiga o fez. Deveria ter imaginado, porém, que isso faria com que chegasse mais perto de Darcy. E também, que Ernesto logo alegaria estar desconfortável, e que o sofá era grande o suficiente para os quatro.

Isso praticamente empurrou Elisabeta para o colo de Darcy. Não de verdade, mas não havia mais como ocupar o espaço junto de Ema. Ela se aproximou de Darcy, que para dar mais espaço, apoiou o braço no encosto do sofá. Dessa forma, toda a lateral de Elisabeta estava em contato com Darcy. Seu braço estava praticamente apoiado na perna dele, que estava colada a dela.

Naquela noite, que ameaçava estar fria, a sala dos Benedito parecia estar fervendo. Porque qualquer respiração parecia uma provocação, qualquer farfalhar de tecido parecia alto. O perfume de Elisabeta inebriava os sentidos de Darcy, os cabelos dela caprichosamente batiam em seu peito, e ele precisou fazer esforço para não acaricia-los.

— Parecemos duas sardinhas. – ele disse, baixo, para tentar aliviar aquela energia que sentia.

Mas soou como um sussurro no ouvido de Elisabeta, que sentiu o corpo inteiro se arrepiar. Como instinto, virou um pouco a cabeça em direção a ele, sem perceber que estavam perto demais, e isso fez com que a boca de Darcy roçasse em sua orelha. E era para ser só em seus cabelos, mas havia uma pequena mecha fora do lugar, que fez com que os lábios dele tocassem na pele dela.

Elisabeta não conseguiu segurar um suspiro, seus olhos se fechando rapidamente. E Darcy deveria ter se afastado, mas não resistiu ao impulso de ficar ali, porque se dissesse mais alguma coisa, sua boca a tocaria de novo. E assim ele o fez.

— Duas sardinhas apertadas. – era uma frase sem sentido, mas dessa vez ele falou propositalmente perto.

Elisabeta sentiu a respiração dele, a boca de Darcy se movendo, muito mais do que interpretou as palavras. Seu coração parecia querer sair por sua boca, seu corpo inteiro estava arrepiado, todas as partes que se faziam surpreendentemente demandantes quando estava perto dele.

Elisabeta suspirou de novo, baixo, quase um gemido que só Darcy escutou. E fez coisas com ele, com seu corpo, e Darcy rapidamente puxou uma almofada da cadeira ao lado, colocando em seu colo. Mas Elisabeta não pensou sobre aquele gesto, e por isso aproveitou o novo apoio para seu braço. Foi a vez de Darcy suspirar, e o fez no ouvido dela, sem se dar conta.

Darcy mal podia acreditar que estava ali, na sala dos Benedito, excitado demais para seu próprio bem, apenas por estar do lado de Elisabeta. Com toda sua família em volta, com a família dela em volta. Sem que Elisabeta tivesse qualquer noção do que fazia com ele. E sem que ele percebesse o que fazia com ela.

Ela movimentou-se um pouco, desconfortável, e seu braço fez um pouco de pressão na almofada em que Darcy tentava se esconder. Ele controlou a respiração, mas Elisabeta se movimentou de novo, sem perceber, e Darcy jogou a cautela pela janela. Porque não havia como sair dali sem chamar atenção, porque não conseguiria se controlar se ela continuasse fazendo aquela pressão indireta.

— É melhor você parar de mexer esse braço. – ele sussurrou no ouvido dela, dessa vez mais colado ainda, para ninguém mais ouvir.

Elisabeta virou-se rapidamente para ele, sem compreender, e então olhou para seu próprio braço. E para onde a almofada estava. Levou menos de um segundo para a realização. E foi como jogar um fósforo em um galão de diesel.