Victor Brandão, o namorado de Mariana, era Coronel do Exército Brasileiro em um pequeno município conhecido como Vale do Café. Acostumado a respeitar a hierarquia das forças armadas, Darcy não sabia se, na noite em que finalmente conheceria o homem, deveria respeitá-lo como um Coronel, ou agir como o irmão mais velho ciumento de Mariana.

Quando entrou na casa dos Benedito naquela noite, Darcy logo avisou quem deveria ser Brandão. A começar, era a única pessoa desconhecida na casa. E estava com a mão na cintura de Mariana. Como acontecia em geral, seus irmãos fizeram cumprimentos gerais, e logo Mariana se aproximou, de mãos dadas com o homem.

Darcy, é claro, logo desistiu de agir como o irmão mais velho, afinal Brandão foi extremamente educado, olhava para Mariana como se ela fosse a mais importante das criaturas, e inclusive disse que seu batalhão estava a disposição, caso Darcy quisesse retornar ao exército. Logo já conversavam como velhos conhecidos, e por isso demorou algum tempo para que Darcy percebesse que Elisabeta não estava em nenhum lugar por perto.

Quando Brandão e Mariana se afastaram, perguntou discretamente à Ernesto onde Elisabeta estava. E ao ouvir do irmão que Elisabeta havia ido passear com um amigo – e Ernesto incluiu um sorriso significante ao dizer esta palavra, Darcy sentiu um desconforto desconhecido. Parecia-se muito com sua antecipação à conhecer o namorado de Mariana, mas de alguma forma parecia mais forte.

— Como é? – ele perguntou, certo de que não ouvira direito.

— Ela disse que é um amigo, mas sei que é mais do que isso. – Ernesto gargalhou. – Ema o conhece, é um riquinho metido a jornalista, chama-se Edmundo.

— Edmundo? – Darcy engoliu em seco. – Mas não está um pouco tarde para uma moça estar passeando com um rapaz?

— Darcy, não são nem nove horas da noite. – Ernesto revirou os olhos. – E duvido muito que Elisa preste atenção à esse tipo de regra.

— Não é uma regra infundada. Pode ser perigoso. – Darcy resmungou.

— Nossas meninas estão crescendo, Darcy. – Ernesto sorriu. – E eu já tentei esse discurso com todas elas, inclusive com Jane que namora nosso irmão. As Benedito não se importam com nada disso.

— Você conhece este tal Edmundo? – Darcy perguntou.

— Já o vi uma ou duas vezes com Elisa. É um sujeito simpático.

— Simpático, é? – ele resmungou novamente.

Ernesto logo mudou de assunto, e Darcy tentou não pensar sobre as palavras do irmão. Mas, por algum motivo, o fato de Elisabeta estar em um encontro o incomodava. Disse a si mesmo que era natural, afinal, conhecera as Benedito a vida inteira e sentia-se responsável por elas. Odiaria que Elisabeta, ou qualquer uma delas, se deixasse levar por um canalha.

Embora não conhecesse Edmundo, Ernesto dissera que era um homem rico. E Darcy conhecia homens ricos o suficiente para desconfiar de suas intenções. Homens ricos quase nunca se interessavam genuinamente por mulheres pobres. Além disso, voltara a morar na casa dos pais há mais de quatro meses, e Elisabeta nunca mencionara Edmundo, o que indicava que era algo recente.

A refeição foi um pouco indigesta, e por isso Darcy resolveu tomar um pouco de ar assim que a sobremesa foi servida. Deveria ter escolhido outro horário, ou ter saído pela porta dos fundos, pois abriu a porta a tempo suficiente de ver Elisabeta e um homem, que deveria ser Edmundo, trocando um beijo. E o que parecia um beijo um pouco intenso demais para ser dado na rua. Darcy pigarreou uma, e depois outra vez, até que Elisabeta notasse sua presença.

— Darcy, oi. – ela disse, um pouco sem fôlego, e Darcy não deixou de notar a mão do homem na cintura dela.

— Boa noite, Elisabeta. – ele disse, sério.

— Este é Edmundo. – Elisabeta sorriu, constrangida. – Edmundo, este é Darcy, irmão de Ernesto.

— É um prazer conhece-lo, Darcy. – Edmundo soltou Elisa, e se aproximou de Darcy, oferecendo-lhe a mão.

Darcy a apertou com um pouco mais de força do que usaria normalmente, e apenas assentiu. Continuou ali, olhando de um para o outro, até que Edmundo abriu um grande sorriso para Elisabeta, e Darcy, por algum motivo, teve vontade de socá-lo.

— Bem, Elisa, acho que está entregue. – Edmundo se aproximou dela.

— Sim, foi um ótimo passeio. – Elisabeta disse, apressada, então encarou Darcy e logo depositou um beijo na bochecha de Edmundo.

— Espero que possamos repetir. – o homem sorriu, e despediu-se de Darcy.

Elisabeta e Darcy ficaram em silêncio, observando Edmundo entrar em seu carro, dar a partida e acelerar. Já não ouviam mais o barulho do motor quando finalmente pararam de parecer duas estátuas.

— Você poderia ter sido mais sutil. – Elisabeta disse, franzindo a testa.

— Eu poderia ter sido mais sutil? – ele riu, irônico. – Eu só vim tomar um pouco de ar fresco. Não sabia que estava interrompendo a sua afetuosa despedida.

— Afetuosa despedida? – Elisabeta revirou os olhos. – Parece até que nunca viu um beijo, Darcy.

— Por que não trouxe seu namorado para o jantar? – Darcy cruzou os braços.

— Edmundo não é meu namorado. – ela bufou. – E o que você tem a ver com isso?

— Poderia ter sido outra pessoa a sair de casa naquele horário, Elisabeta. Seu pai, sua mãe, nossas irmãs mais novas. Você não deveria fazer isso no meio da rua. – ele disse, seco.

— Fazer o que no meio da rua? Você soa como um puritano. – Elisabeta riu, irônica.

— Você deveria tomar cuidado com este homem. – Darcy a encarou, sério.

— Tomar cuidado? Do que você está falando, você nem conhece Edmundo. – ela cruzou os braços, sustentando o olhar dele.

— Conheço homens como ele. Homens que iludem as mulheres com um único objetivo. – Darcy disse, sombrio. – Por que acha que ele a beija dessa forma, mas não entra para conhecer seus pais?

— Por que eu não o convidei? – Elisabeta elevou o tom de voz. – Você já parou para pensar que eu posso não querer apresenta-lo para os meus pais ainda? Que eu esteja me divertindo indo ao cinema, ou beijando Edmundo, sem que minha mãe planeje nosso casamento?

Darcy ergueu os braços, como em sinal de paz. Poderia seguir com aquela discussão por tempo indeterminado, mas sentia-se irritado demais para debater. Sabia que se arrependeria das coisas que diria. Elisabeta era adulta, consciente, deveria saber o que estava fazendo. Mesmo que não fosse tradicional. Mas nenhuma das Benedito era tradicional.

— O que foi? Ficou sem palavras? – ela o provocou. – Não existe uma nova rodada de discurso onde você despeja sua sabedoria nos meus ouvidos?

Darcy ficou em silêncio, e Elisabeta soltou uma risada irônica.

— Covarde. – ela sussurrou, assim que passou por ele.

Darcy não pensou exatamente no que estava fazendo, mas viu seus dedos se fecharem em volta do braço de Elisabeta, de forma delicada, porém firme. O corpo dela ficou próximo ao dele, e os olhos dela faiscaram, furiosos.

— Só estou dizendo para tomar cuidado. – Darcy disse, baixo. – O mundo não é justo com as mulheres.

— E você é, Darcy? Vai tentar me convencer que nunca beijou uma mulher na frente da casa dos pais dela, sem que eles soubessem? – Elisabeta provocou.

— Nunca uma que não soubesse o que estava fazendo. Nunca uma que me levasse a sério. – ele disse.

Havia uma proximidade eletrizante, que fez com que Darcy não soltasse o braço de Elisabeta, e ela permaneceu ali. Os dois trocavam olhares de desafio, até que o olhar de Darcy passeou pelo rosto de Elisabeta, parando por alguns segundos na boca dela. Elisabeta fez o mesmo com ele, e de repente estavam conscientes demais de onde estavam, da conversa que estavam tendo.

— Você é um hipócrita. – Elisabeta disse, baixo, quase num sussurro.

— E você é uma inconsequente. – Darcy respondeu no mesmo tom.

— Por que é que você não vai encontrar uma dessas mulheres, cuidar um pouco da sua vida? – Elisabeta finalmente soltou o braço, dando dois passos para o lado, a procura de ar. – Não existe nenhuma interessada?

— Elisabeta, não é porque eu não fico expondo meus relacionamentos no meio da rua que eles não existem. – Darcy respondeu, irritado.

E era verdade, não era um puritano como ela sugeria. Havia encontrado uma ex-namorada de antes do exército. Não era nada sério, e justamente por isso não sentia a necessidade de gritar aos quatro ventos. Mas Elisabeta o tirara do sério.

— Eu não estava expondo nada. – Elisabeta também irritou-se. – E se estivesse, não seria da sua conta.

— Faça como quiser. – Darcy disse, por fim. – Apenas tome cuidado.

— Eu não sou uma criança, Darcy. – Elisabeta aumentou o tom de voz.

— Mas age como uma. – Darcy se aproximou dela novamente. – Como uma criança que não pensa nas consequências. Se não quer nada sério com esse rapaz, seja mais discreta.

— Eu não vou ouvir lições de moral de você. – ela bufou.

— Pergunte à Ernesto, então. Quer saber? Não pergunte a ninguém. Faça o que quiser. E depois lide com as consequências dos seus atos.

— Você é inacreditável, Darcy. Que tipo de consequências você acha que um beijo vai trazer?

— Homens não se contentam com beijos, Elisabeta. Para alguém que se acha tão esperta, você consegue ser surpreendentemente inocente. – Darcy irritou-se.

E, para a surpresa dele, Elisabeta soltou uma gargalhada, completamente inesperada.

— O que foi? – ele perguntou, carrancudo.

— Darcy Williamson, você é a pessoa mais dramática que eu conheço.

Elisabeta virou as costas, e antes que Darcy pudesse compreender, ela já havia fechado a porta da casa dos Benedito.