Naquele domingo de sol, em sua terceira semana de trabalho no bar, Darcy sentia-se exausto. Nas quintas e sextas acordava antes das seis horas da manhã, e chegava em casa perto das três horas. Aos sábados, não trabalhava na fábrica, e por isso iniciava seu turno no bar mais cedo. Mas, naquela semana, Manoel, o dono do bar, pedira a Darcy que cobrisse a doença de outro funcionário, e por isso trabalhara todos os dias da semana.

O pouco sono e o trabalho braçal na fábrica faziam todo o seu corpo doer, e uma dor de cabeça indicava que talvez estivesse ficando doente. Então, apesar das vozes que ouvia do quarto, que indicavam que os Benedito já estavam a postos para o almoço de domingo, Darcy não encontrou ânimo para levantar. Mas, como já havia perdido o jantar de terça-feira e também o de sábado, não demorou para ouvir uma batida na porta.

— Posso entrar? – a voz de Mariana soou do outro lado. – Você não está pelado, está?

— É claro que não! – Darcy resmungou, e Mariana abriu a porta.

— Como você está? – ela perguntou, com um sorriso. – Sua mãe fez parecer que você voltou aos tempos de escravidão.

— Minha mãe é uma exagerada. – Darcy sorriu, enquanto Mariana pegava uma cadeira e sentava-se à seu lado. – Só estou cansado.

— Senti sua falta nessa semana. Foi quase como quando você estava fora. – Mariana fez uma careta triste.

— Precisei trabalhar toda a semana no bar. Por outro lado, vou ganhar mais dinheiro. – ele a tranquilizou. – Eu estou bem, não precisa se preocupar.

— Discuti com Camilo e Ernesto por sua causa. – ela suspirou. – Me desculpe, mas estavam os dois contando sobre restaurantes caros, eu não consegui ficar quieta.

— Você não deveria ter feito isso. – uma linha surgiu na testa dele. – Eles não tem obrigação de ajudar nossos pais, você sabe disso.

— Mas eles deveriam ajudar, Darcy. Todas nós ajudamos mamãe e papai, mesmo que eles reclamem. Não é justo que você precise trabalhar vinte e quatro horas, enquanto seus irmãos...

— Nossos pais nos protegeram demais, Mariana. – Darcy pegou a mão dela. – Eu mesmo preciso fazer um esforço muito grande para ajudá-los. Meus irmãos tem outra personalidade. Mas não duvide, meus pais são os primeiros a dizer que devem usar seus salários para essas coisas.

— Não é justo. – Mariana apertou a mão do amigo. – Agora, por favor, faça um esforço para se juntar à nós. Jane e Elisabeta disseram que eu não deveria me meter, e contando com seus irmãos já são quatro pessoas me olhando feio.

— Ninguém olharia feio para você. – Darcy riu. – Mas não há nada que você peça que eu não faça. Eu só vou me trocar.

Mariana assentiu com um sorriso, deixando Darcy novamente sozinho no quarto. Ele foi até o banheiro e tomou um banho rápido, mas só depois que vestiu a camisa é que percebeu um furo bem na frente. Por isso, retornou ao quarto, para trocar de roupa antes de encontrar todos.

Estava no meio do processo, com a camisa furada nas mãos e a outra estendida em cima da cama, quando a porta se abriu rapidamente, e Ernesto e Elisabeta entraram como dois furacões.

— O que é que você quer me mostrar? – Elisabeta perguntou à Ernesto.

Quando as palavras saíram de sua boca, ela percebeu que não estavam sozinhos no quarto. E sua boca ficou ressecada ao ver Darcy ali, parado, com uma camisa nas mãos e o torso despido. Em segundos, Elisabeta refletiu que talvez nunca tivesse visto tantos músculos. E então desejou tocá-los. Afastou o pensamento, e logo Darcy vestiu a camisa, apressadamente, envergonhado.

— Elisabeta. – ele disse, assustado. – Isso é jeito de entrar no quarto?

— Eu não sabia que você estava aqui. – Elisabeta respondeu, como se fosse óbvio.

— Achei que estava no banho. – Ernesto deu de ombros, e foi em direção à sua escrivaninha.

Enquanto ele remexia em alguns papeis, Darcy e Elisabeta encaravam um ao outro, constrangidos. Ela sentia as bochechas coradas e o coração acelerado. Darcy agora havia cruzado os braços, e isso apenas fazia com que seus bíceps parecessem maiores e Elisabeta não conseguia parar de pensar nisso.

— Aqui, encontrei. – Ernesto disse, de repente. – Olhe o que Ema me deu.

Ernesto entregou o pedaço de papel para Elisabeta, e enquanto ela lia das declarações da amiga, Darcy passou por ela para sair do quarto. O cheiro de sabonete, loção e roupa limpa fez seus pensamentos ficarem confusos, e Elisabeta tentou recordar se alguma vez havia sentido um desejo tão grande. E o pior, por Darcy Williamson.

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Foi um almoço dos mais pacatos, uma vez que nem Elisabeta e nem Darcy estavam com vontade de discutir. Mariana também evitou os comentários sarcásticos, e as conversas sobre banalidades não causaram nenhuma polêmica. Após, os jovens se reuniram em volta da mesa no jardim para um jogo de cartas. Darcy, que estava cansado, optou por ficar dentro de casa, e logo a conversa com Archibald e Felisberto se dissipou e ele adormeceu no sofá.

Mais de uma hora depois Elisabeta entrou em casa para buscar um pouco de água, e encontrou Darcy dormindo no sofá, que era pequeno demais para ele. Além disso, a posição em que ele dormia não parecia nada confortável, e Elisabeta poderia apostar que teria dores ao acordar. Ainda assim, Darcy dormia de uma forma pacífica, e Elisabeta não resistiu ao impulso de observá-lo.

Como se sentisse a presença dela, Darcy abriu os olhos rápido demais para que ela pudesse fingir que não estava olhando, e um sorriso travesso surgiu no rosto sonolento do mais velho dos Williamson.

— Você estava me observando dormir? – ele perguntou, com uma voz rouca que causou um arrepio desconhecido em Elisabeta.

— Não. – ela disse rápido demais.

— Pois parecia. – Darcy tentou sentar-se, sentindo uma fisgada no pescoço, um gemido baixo escapando dos lábios.

— Eu estava apenas prestes a alertá-lo que você não cabe no sofá e por isso acordaria dolorido. – Elisabeta revirou os olhos.

Darcy tentou alcançar a parte de suas costas que estava doendo, sem sucesso. Sem pensar muito no que estava fazendo, Elisabeta se aproximou dele, sentando-se à seu lado. Estava acostumada a agir assim com Felisberto e até Ernesto, e por isso foi apenas quando colocou a mão nas costas de Darcy que cogitou aquela não ter sido uma boa ideia. Darcy suspirou ao sentir Elisabeta apertar exatamente no lugar de sua dor.

— Viu só? Tem um nó aqui. – ela disse, continuando a apertar o local.

— E desde quando você é médica ou enfermeira? – Darcy resmungou, fazendo com que ela apertasse ainda mais forte.

— Eu não sou, mas basta um pouco de leitura e um pai que costuma ter dores ao acordar. – Elisabeta respondeu. – Você vai precisar de uma massagem, e compressas de água quente.

— Não preciso nada disso. – Darcy remexeu-se.

— Fique quieto. – Elisabeta revirou os olhos, sem que ele pudesse ver. – Vire-se para lá.

— Você está muito mandona. – ele reclamou, mas fez exatamente o que ela disse.

Então Elisabeta começou a fazer os movimentos que conhecia bem. Mas, ao contrário de quando o paciente era seu pai, ou Ernesto, suas mãos formigavam ao tocar em Darcy. Mesmo por cima da camisa, era como se a pele dele queimasse. Darcy não se sentia tão diferente. Apesar da dor que sentia, as mãos de Elisabeta em seu corpo pareciam ter um efeito bastante inesperado. Não que ele não soubesse que ela era uma mulher atraente. Seria louco se não notasse. Mas não recordava-se de algum dia ter ficado tão próximo dela.

E o silêncio dos dois fez com que suas respirações aceleradas ficassem mais em evidência. Não que algum deles tenha notado o efeito que exercia no outro, uma vez que estavam confusos demais com aquelas sensações e pensamentos. Por sorte Elisabeta atingiu um pouco especialmente sensível, fazendo Darcy praticamente saltar no sofá. E foi como se o encanto tivesse quebrado.

— Você deve estar adorando me torturar. – ele disse, virando-se para ela.

— Você é um ingrato, Darcy. – Elisabeta resmungou. – Eu só estou tentando ajudar.

— Muito obrigado, mas eu acho que é suficiente. – ele disse, e Elisabeta apertou novamente o local dolorido. – Pare com isso!

— Mal agradecido. – Elisabeta apertou novamente.

— Você é um sádica! – ela apertou de novo, e Darcy soltou uma gargalhada. – Pare, Elisa!

— Só quando você me agradecer. – ela abriu um pequeno sorriso.

— Obrigado, Elisabeta. – ele disse, em tom exagerado. – Se não a conhecesse, diria que é um anjo enviado por Deus para me salvar.

— Deixe de ser irônico. – Elisabeta revirou os olhos. – Você precisa se cuidar. Mariana disse que trabalhou todos os dias da semana no bar. Está sem dormir direito, e dúvido que se alimente direito.

Darcy piscou uma e depois outra vez, e então ficou observando Elisabeta, que continuou a falar.

— Eu entendo que você queira ajudar os seus pais e é algo muito nobre, mas não pode sacrificar a sua saúde. Está cheio de nós de tensão, e aposto que carrega peso pelo seu pai e pelo meu na fábrica. – ela voltou seus olhos para ele. – O que foi, por que está me olhando?

— Quem é você? – ele perguntou, com um sorrisinho de lado. – Porque ouvindo você falar assim, eu diria até que está preocupada comigo.

— Idiota. – Elisabeta empurrou o ombro dele, que fingiu uma dor exagerada. – Apenas se cuide, está bem?

— Não se preocupe, eu estou me cuidando. – Darcy piscou para ela.

Levantando-se, ele deu alguns passos, e então retornou ao sofá. Pegando Elisabeta e até ele mesmo de surpresa, Darcy depositou um beijo na testa dela.

— Obrigado. – ele disse, sincero dessa vez.

E deixou Elisabeta com uma sensação engraçada no estômago.