Nessun Dorma

Hamlet, Ato III, cena 1


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Chegaram à casa do casal. Bianca olhava para a fachada como uma curiosidade quase infantil. Tudo era absolutamente novo, sua última lembrança era de morar em West end, subúrbio de Londres, onde residia com a mãe e dividia um quarto com a irmã em um pequeno apartamento.



Jared caminhou até o hall de entrada da casa, abrindo a porta rapidamente dando passagem a namorada e a mãe.



Para a surpresa de Bee, deparou-se com algumas pessoas paradas na sala de estar. Todos olhavam-na entre sorrisos, com certza estavam à sua espera.



– Finalmente você está de volta! – falou um homem abraçando-a amigavelmente


– Vai com calma Shannon – advertiu Jared


– Eu até entendo que você tenha se esquecido desse mala do Jared, mas não esqueceria de mim,né cunha?



A jovem respondeu com um sorriso amarelo, realmente não se lembrava dele.



– Bee, esse é o meu irmão Shannon, a minha mãe, Constance meus amigos Tomo e Vicki


– Oi...- disse um pouco encabulada


– Não fique assim Bianca, tenho certeza que vai se recuperar rapidamente – tranquilizou Constance enquanto segurava-lhe um das mãos



Ceiaram o jantar preparado por Constance e Helena. Conversaram por um bom tempo no jardim, próximo a piscina enquanto cada um contava algo para a jovem. Shannon Tomo e Vicki fizeram daquele momento uma espécie de "quiz" em que faziam perguntas aleatórias para Bianca.



– A Amy Winehouse morreu – disse Shannon


– Mentira – arriscou Bianca


– Verdade – respondeu Tomo


– O Brasil ganhou a copa do mundo de 2010 – falou Vicki


– Hum....acho que deve ser verdade


– Não, quem ganhou foi a Espanha


– Ahh droga – ralhou a garota


– O Bin Laden foi morto


– Verdade?


– Isso! até que enfim acertou alguma – divertiu-se Tomo


– Sei que vocês estão se divertindo muito, mas a Bee precisa descansar – falou Helena aproximando-se do grupo


– Ahhh mas ainda nem mostramos a ela um tablet – disse Shannon entre risos


– O que é isso? – perguntou Bianca olhando-o curiosa


– Depois eu te conto – falou Shannon dando-lhe uma piscadela



Por incrível que pareça Bianca estava confortável em torno daquelas pessoas. Era uma agradável sensação de Dejàvu que a invadira.



(...)



Mais tarde –



Bianca estava no quarto, que anteriormente era dividido por ela e Jared, O homem, carregado de bom senso, cedera-lhe o cômodo e fora dormir no quarto de hóspedes. Sua mãe, assim como os amigos e familiares de Jared já haviam ido embora.


Havia acabado de tomar um banho reconfortante. Ainda de roupão caminhou para o closet a procura de algo que pudesse vestir, porém para sua surpresa, só encontrou vestimentas que não se encaixavam muito a sua personalidade; roupas justas, curtas além de sapatos com saltos altíssimos. Nada de roupas básicas, sapatilhas ou tênis.



Tenho que comprar roupas novas, não vou usar isso! – pensou enquanto fazia uma careta de reprovação



De tanto garimpar, encontrou uma camisola de algodão no fundo de uma gaveta, como se estivesse sido escondido ali. Vestiu-o e se deitou sobre a cama. Soltou um leve suspiro de satisfação ao sentir o conforto daquele leito, embora soubesse que o que fazia da cama tão maciia era o nível de ansiedade na sua mente. Sentia-se atônita por ter sido exposta a tantas pessoas novas e situações diferentes, por essa razão não conseguia sequer fechar os olhos para um breve descanso.



(...) Dormir; Só isso.E com sono - dizem - extinguir dores do coração e as mil mazelas naturais a que a carne é sujeita; eis uma consumação ardentemente desejável.



Pegou o álbum que fizera, desde que Jared o entregara, não conseguia achar melhor passatempo do que folheá-lo como um eficaz exercício para sua, agora, esquecida memória.



Abriu-o com esmero, como sempre o fizera. Voltou sua atenção a mais uma página do álbum, naquela folha não havia fotografia e sim alguns desenhos do casal, feitos de maneira bem simples e peculiar e mais um texto:



"Agosto de 2010 –

Hoje faz um ano desde a nossa primeira noite de amor. Deve estar me achando a garota mais piegas do mundo, não é? Na verdade gosto apenas de lembrar os momentos importantes da minha vida.


Sempre imaginei que minha primeira transa aconteceria em uma noite fria num local todo decorado com corações e velas aromatizadas, caracterizando o clima romântico onde faríamos amor ao som de uma música de Marvin Gaye.


Um pouco diferente, porém, fora a nossa primeira vez, consumimos nosso ato de amor em plena luz do dia no sofá da sala da sua casa ao som do barulho da construção na casa do vizinho.


Não vou entrar em detalhes sobre como aconteceu, não há palavras para explicar tal momento e tenho certeza que deve ter sido tão especial para você como foi para mim (pelo menos eu espero!). O que quero comentar e deixar gravado nesse singelo, porém sincero presente são as três palavras ditas por você logo após a nossa consumação carnal enquanto eu me aconchegava aos seus braços.


“Eu te amo” fora tão inesperado que não respondi, ao invés disso tentei pensar sobre o que sentia, será que eu também conseguia exemplificar toda a imensidão de meus sentimentos em apenas três palavras? A resposta era sim. Amar não é se envolver com a pessoa perfeita, afinal pessoas perfeitas só existem na realidade alternativa que só nós imaginamos.


A partir do momento que encontrei-me confusa com meus próprios sentimentos apurei meu olhar na busca de identificar outras pessoas na mesma situação que eu. E há muito sentimento por aí, muitos deles são amores mesmo; devastador, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva, mas esbarram na dificuldade em transformar o ato de amar em algo bonito; tratado com carinho, cuidado e atenção, ou seja, amores levados com arte e ternura como o trabalho da mais dedicada tecelã.

Então esses amores, que antes eram verdadeiros e eternos, de repente se mostram ameaçados apenas e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram; exigem; rotinizam, descuidam, reclamam, deixam de compreender, necessitam mais do que oferecem, precisam mais do que atendem, criam mais expectativas do que se merece. Quem espera muito do outro acaba por, algum dia, se decepcionando ou até mesmo sofrendo e tudo isso acaba por tornar o amor em algo feio. Quem ama de maneira bonita não gasta o tempo usufruído com o ser amado em cobranças e discussões sobre o que se teve por demais ou o que se deixou de ter.


Desde o início sempre te encarei de forma real e sincera, exaltando suas qualidades, mas sabendo também de seus defeitos. Foi a partir dessa reflexão que finalmente conclui que realmente estava amando, e que consegui fazer desse amor algo bonito, pois o amor só se torna belo, quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser."



Fechou o álbum. Ler aquelas palavras faziam-na sentir-se em uma grande dualidade. Acreditara que nem Hamlet, famoso personagem de Shakespeare, estivesse tão confuso quanto ela ao proferir a famosa citação:



“Ser ou não ser; Eis a questão! Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz, ou pegar-me em armas contra o mar de angústias - e, combatendo-o, dar-lhe fim?”


Quem era ela realmente? A jovem tomada pela razão e cheia de ideais e princípios da qual se lembrara ou a moça romântica, sonhadora e bem sucedida que há pouco deixará de existir materializando-se naquele álbum?



Quem sou eu? – balbuciou para si mesma



“E assim a reflexão faz todos nós covardes.
E assim o matiz natural da decisão se transforma no doentio pálido do
pensamento. E empreitadas de vigor e coragem, refletidas demais, saem de seu caminho, perdem o nome de ação.”