Éramos muito pequenos quando eu o vi pela primeira vez. Mesmo tendo apenas 11 anos, Malfoy abusava do gel de cabelo em suas mechas loiras e aparentava estar vestido com vestes muitos caras – o que, descobri depois, ser culpa de uma família banhada no dinheiro de seus antepassados. Logo, suas ações obviamente refletiam o meio em que tinha sido criado, o transformando em um garotinho prepotente e mimado ao extremo.

Forçando minha memória, relembro o olhar gentil que ele me lançou na primeira vez que nos vimos. Como o perfeito cavalheiro que seu pai lhe ensinou a ser desde criança ele se apresentou, perguntou meu nome, beijou a minha mão, “é um prazer te conhecer Hermione, espero que possamos ser amigos”, e iniciou uma conversa. Isso tudo, claro, antes de ele descobrir minha descendência trouxa no banquete de boas vindas. Aparentemente ser escolhida para a grifinória – sua então casa rival – não ajudou muito no processo.

Justamente por conta dessas lembranças que insistem pipocar em minha mente eu me afasto dele. Encarando seu olhar após esse beijo consigo decifrar sua aparente confusão com a minha ação, o que acaba me surpreendendo, já que em ocasiões normais qualquer pessoa dificilmente consegue ler as emoções de um sonserino. Mas eu não sou qualquer pessoa. E novamente, isso não é uma ocasião normal.

Depois de ficarmos nos encarando pelo que pareceu 100 anos eu finalmente decido recuperar a pouca dignidade que me resta, me virando de boca fechada e indo ao encontro de Harry, o arrastando para trás de uma estante. Malfoy permanece parado, chocado demais para me impedir – ou fazer qualquer coisa que um Malfoy faria nessa situação. Após alguns segundos tensos, Harry me entrega o celular.

— Desafio comprido. Parabéns Mione. — sua voz estava baixa. — Podemos ir embora agora?

— Não... — coloquei a mão na minha cabeça. — ainda não. Eu preciso e alguns minutos para pensar ok? — minha mente estava uma confusão.

— Não tem nada pra pensar Hermione. Você beijou o Malfoy. O Malfoy Mione!

— Eu sei Harry. Eu estava lá, caso você não tenha percebido. — meu tom foi ácido e baixo, sinalizando a raiva súbita que estava começando a me consumir lentamente. Será que eu seria julgada pelos meus amigos todos os malditos dias da minha existência?

— Mas... Você não percebe Mione? O Malfoy nos odeia!

Revirei os olhos. — Não Harry, o Malfoy não me odeia, diferente do que acontece com você. — bati em seu peito com o indicador, e então como se uma lâmpada mágica se acendesse em minha cabeça, tudo ficou claro. — Mas esse assunto não se trata e mim não é? — soltei uma risada que mais pareceu um rosnado. — Você não está com raiva por eu ter beijado o Malfoy. Você esta com raiva por eu ter beijado o seu rival sonserino no quadribol que te odeia com toda a força existente em seu ser. Estou certa?

Harry teve a decência de parecer envergonhado.

— Mas Mione... Não é só isso. Ele é mau! E pessoas... pessoas morreram jogando esse jogo!

— E você tem provas por um acaso? Ou isso é só mais um jeito de me tentar fazer desistir desse jogo? — ele ficou calado. Bufei. — Foi o que eu pensei. Quer saber Potter? Você e Gina se merecem mesmo! São dois idiotas superiores que acham que podem controlar a minha vida como malditos deuses. Realmente, foram feitos pra acontecer! — Balancei a cabeça em decepção, pronta pra sair dali quando uma voz e parou.

I found a love for me
Darling just dive right in
And follow my lead

Era Malfoy, o motivo principal da nossa discussão. E como se já não fosse estranho demais ele estar cantando Ed Sheerran – um cantor britânico trouxa - ele começou a caminhar no meio das mesas apontando para uma garota ou outra.

Well I found a girl beautiful and sweet
I never knew you were the someone waiting for me
'Cause we were just kids when we fell in love

A sua voz era doce e rouca, algo que me surpreendeu e me trouxe uma paz inexplicável. Naquele momento, com suas feições relaxadas e sorriso fácil, ele não parecia o garoto mimado que eu conheci uma vez. Ele parecia um homem gentil e decente, fazendo uma flor aparecer com a sua varinha só para entregá-la a uma corvina terceiranista. Sem perceber me encostei ali naquela prateleira e fiquei o admirando – assim como toda a população feminina da biblioteca – até ele cantar as últimas frases.

I don't deserve this
You look perfect tonight

— Uau. — fiz uma pausa. — Do que você estava falando mesmo Harry? Algo sobre Malfoy ser mau, se eu não me engano?

Harry parecia ter sido pego pelo feitiço petrificus totalus. Quando uma garotinha apareceu e lhe entregou um dispositivo similar ao meu que ele pareceu acordar, abrindo a boca para continuar a discussão. Já cansada daquilo dei meia volta e fui embora sem He lançar um segundo olhar. Não estava com paciência pra mais nada.

Uma voz me chamou quando cheguei na entrada do jardim.

— Ei, Granger! — era Malfoy.

— O que? — Respondi sem me virar. Pelo menos a vergonha inicial de ter que beijá-lo já tinha passado.

Ouvi passos apressados, para logo depois ver o loiro se colocar em minha frente.

— Posso ajudá-lo em algo Malfoy?

— Não se faça de desentendida Granger. Eu quero saber o porque.

“Não sei do que você está falando” foi a primeira resposta que me veio a mente. Mas Malfoy estava certo, eu era inteligente demais para isso, fora que esses joguinhos não eram a minha praia.

— Porque fui desafiada Malfoy. Agora, se me der licença. —dei um passo pra direita. Ele me seguiu.

— Você quer dizer que a santinha Granger esta jogando Nerve?

Revirei os olhos. — Algumas coisas são surpreendentes Malfoy, eu sei. Seu repertório musical, por exemplo. — apontei.

Ele franziu as sobrancelhas. — Não sabia que tinha visto aquilo. Pensei que tivesse saído depois de brigar com o Potter.

— Não sabia que cantava. Pensei que sua família detestasse tudo que faz referência aos trouxas, músicas inclusas. — estava ficando sem paciência. Seu celular apitou. — Agora vá jogar e me deixe passar.

— Não posso. — ele segurou meu braço, firme o suficiente para me parar em machucar.

— E posso saber o por quê?

—Por que meu próximo desafio envolve você.