NeoSquad

A Obra de Aegis


Shadow não tinha certeza se a viagem iria correr tão bem quanto todos esperavam. Apesar de estarem todos otimistas, algo ali parecia muito suspeito para aquele investigador experiente. Sabe como dizem: “quem é da rua, nunca perde a malícia”. Viajar para Petrynia parecia um pouco estranho para ele que nunca tinha saído de Deheon, diferentemente dos amigos, que tinham vindo de lugares variados para cursar sua faculdade na renomada academia de ciências de Deheon, que anteriormente era situada em Salistick.

Acompanhando aquele alto e esguio poço de segredos, que possuía lâminas de ossos escondidas por qualquer parte do corpo que se projetavam através da pele para furar qualquer coisa que estivesse no caminho, estavam seus amigos Addam, um velocista que cursava psicologia e adquiriu uma extrema habilidade de persuasão e manipulação, Alectro, um físico popular nos tempos de academia que adorava fazer experiências elétricas, até que sofreu um estranho acidente, onde ele foi eletrocutado por uma descarga absurdamente alta e entrou em coma. Quando acordou, estava consciente, mas falava mais idiomas do que sabia que existia e adquiriu a habilidade bizarra de transformar o próprio corpo em eletricidade e se conduzir através de metais, além de emitir descargas de alta tensão com o corpo capazes de tirar temporariamente alguns sentidos. Apesar de esses casos serem raros, eles acontecem em Arton. Seguindo com o grupo, estava também Zero, um amigo de Addam que corria junto com ele, mas diferente do primeiro velocista, que só possuía uma espécie de supervelocidade, Zero aparentava ter controle sobre o fluxo temporal, podendo retardar ou acelerar o tempo numa certa área, usando seu corpo como ponto de partida.

– Já reservei nosso quarto no hotel. – Disse Zero, esperando que todos já estivessem com as malas prontas – Pelo que disseram, o submarino já vai emergir.

Com o estado de guerra eminente entre estados, as únicas formas de atravessar fronteiras são através de submarinos ou a pé, por isso, eles haviam embarcado num desses veículos invisíveis, tanto a olho nu, quanto a radar, se dirigindo para Petrynia, um estado que antes fora conhecido como Reino das Histórias Épicas, onde ninguém poderia confiar em ninguém, não porque mentiam, mas porque boatos eram criados constantemente e, quase sempre, quem contava não sabia se o que estava contando era mentira ou verdade.

– Ótimo, precisamos ir. – Completou Alectro.

– Cara, para de fumar essa coisa, isso ainda vai te matar – Disse Addam para Shadow.

– Se me matar, vai estar me fazendo um favor. – Respondeu – Isso aqui é bom. Alivia o estresse e melhora minhas dores de cabeça. Você deveria experimentar também.

– Sai com isso daqui! Quero continuar podendo respirar sem problemas.

O veículo está se preparando para emergir. Contagem regressiva: 5... 4... 3... 2... 1.

Semelhante a um elevador subindo, todos sentiram um aumento no peso, por causa do movimento do submarino. Do lado de fora, haviam doze plataformas de embarque e desembarque, sendo seis de cada lado. Para emergir, o veículo precisava entrar num canal construído para que ninguém saiba onde aquele local se encontra, Após o desembarque, o grupo de turistas estava no subsolo de Petrynia, cerca de cinquenta metros da superfície. O teto da caverna artificial se erguia por quinze metros e os trinta e cinco metros restantes que separavam seus pés da superfície eram preenchidos por pura rocha magmática inquebrável, ou quase.

Zero pegou um pedaço de acrílico perfeitamente quadrado, fino e transparente, com pontas arredondadas, do bolso. Ao toque, o acrílico exibiu um brilho eletrônico e, com dois ou três toques, mostrou um mapa de como sair daquele local e ir para o quarto de hotel que ele mesmo havia reservado.

– Mais ou menos meia hora de caminhada. – Zero informara ao grupo – Droga, não sei se a bateria do meu celular vai durar até a gente chegar no hotel. Carrega pra mim, Alec?

– Tá, pode ser – Alectro assentiu, de mau humor, pegou o pedaço de acrílico da mão de Zero e começou a aplicar uma carga em cima da bateria, que apesar de esquentar muito, estava carregando.

Ao subirem pela plataforma de acesso à superfície, eles ficaram maravilhados com Altrim, a cidade capital daquele estado. Não porque era grande, afinal, eles vinham da parte mais evoluída e populosa de todo o Arton, mas sim porque ao longe, no topo da montanha Dente de Dragão, uma megalítica plataforma do mesmo acrílico do qual era feito o celular de Zero se encontrava apoiada por bases de metal que se encaixavam tortas em todas as direções na montanha, dando sustentação para a plataforma de duzentos metros de espessura, que aguentava em si, uma cidade que alternava entre o transparente e o cinza metálico. A cidade onde somente os ricos poderiam morar. Sky City ou “A cidade dentro de uma cidade”, como era chamada, não possuía conexões com o resto de Altrim, mas precisava do porto para receber certas cargas, então usava veículos de extrema blindagem e capacidade de voo, para fazer o transporte de variadas bugigangas. A visão daquela bandeja colossal transparente com pilastras de vinte metros de diâmetro espetadas na montanha tão grande quanto os prédios que se erguiam sobre ela era algo que maravilhava até quem já vivia por lá.

– Por favor, diga que nosso hotel fica lá em cima – Addam ainda tinha esperanças.

– Você acha que teríamos dinheiro para isso? Inocente. Nosso hotel fica ali. – Zero apontou na direção da base da montanha, onde uma cidade enferrujada erguia seus humildes prédios e casebres à sombra do poder dos ricos. Urban Down, era o nome daquela “subcidade”.

– Porque eu ainda pergunto? – Ele parecia completamente decepcionado – Tudo bem então, vamos lá.

****

– Boa tarde, senhores – disse o recepcionista do hotel –, em que posso ajudá-los?

Depois do ano 3147, não eram necessários mais uniformes para nada em Arton, porque, através do registro genético, todos sabiam a função de todos na sociedade. Aquele recepcionista usava botas de couro sintético, com detalhes dourados e calça jeans preta, presa por um colete que ficava por cima de uma camisa preta e vermelha, rasgada nos cotovelos e nos ombros, assim como a calça era rasgada nos joelhos. Para finalizar, uma touca negra que não servia para aquecer, mas sim para esconder o cabelo, e por cima dela, dois suportes cilíndricos de alumínio, com lentes escuras como obsidiana, presos em volta da cabeça por um elástico preto bastante apertado.

– Claro, reservamos o quarto 417 – Addam respondeu.

– Aqui a chave – disse o recepcionista, após checar os genes de quem havia reservado o quarto com um scanner de DNA portátil – o quarto de vocês fica no quarto andar, os prostíbulos ficam no nono, décimo e décimo primeiro andares. A boate fica no décimo segundo e a boate VIP fica no décimo terceiro.

– Mas esse prédio tem mais de quarenta andares – disse Shadow, curioso.

– Bem, somente treze, pra vocês – respondeu o recepcionista –. Se precisarem, basta chamar o serviço de quarto que o mesmo robô que carregará suas malas vai atendê-los.

De fato, um robô veio carregar suas malas e guiá-los para a plataforma de subida, que os deixaria no andar de seu quarto.

Já no quarto, com as malas ainda fechadas, os quatro sentaram-se para discutir por onde começar. O motivo de estarem ali é para concluir uma pesquisa arqueológica que estavam fazendo juntos. A ideia era descobrir relíquias do passado e se pelo menos uma das histórias épicas contadas em Petrynia fosse verdade, então eles tinham chance de descobrir algo realmente valioso.

– Bem, todos viemos para cá em busca do Coliseu Fantasma, mas precisamos saber como encontrá-lo, já que ele não se encontra em mapa nenhum – disse Zero.

– Se ele é uma história antiga daqui, todos devem saber algumas pistas de como chegarem até ele. Até aquele recepcionista deve saber de algo – disse Alectro.

– Pode até ser que sim, mas em Petrynia, se seguirmos o que sai da boca do povo, vamos acabar perdidos e mortos – era Shadow.

– Não ganhamos nada se não testarmos. É uma chance de dar certo – Addam rebateu.

– Tudo bem. Eu e você vamos lá embaixo perguntar pra eles como fazemos para chegar no Coliseu – Disse Alectro para o velocista e ambos foram para o salão de entrada, no primeiro andar.

Ao chegar lá embaixo, o recepcionista estava parado no mesmo local. Alectro deixou cair uma caixa de metal que representava o dinheiro disponível de cada pessoa. O recepcionista viu claramente num holograma a quantidade. Cinquenta tibares.

– Você sabe algo sobre o Coliseu Fantasma? – perguntou o cientista.

– Apenas algumas histórias – respondeu o recepcionista –. Tudo o que consigo me lembrar é que eles são acessíveis apenas por túneis subterrâneos.

– Disso nós já sabíamos – o valor da caixa dobrou para cem tibares –. O que queremos saber é como chegamos nesses túneis e como achamos o Coliseu através deles.

– Olha, por esse valor eu não posso te dar mais do que um papel.

Papel? Num cenário cyberpunk? Que estranho.

O recepcionista pega a caixa e aperta o único botão preto que se projetava dela. Imediatamente o botão lê o DNA do funcionário e transfere a quantia marcada para a conta dele. O papel dado para Alectro era um mapa que marcava uma casa, não muito longe dali.

– Aqui vocês vão encontrar respostas e ajuda. É tudo que sei dizer.

****

– Parece que é aqui – disse Addam –, mas não tem nada além dessa casa abandonada.

Na frente deles, estava uma casa com arquitetura muito antiga e com suas portas e janelas bloqueadas por madeira, ferro e tijolos arcaicos. Aquela casa havia sido esvaziada há muito tempo.

– Como entramos aqui? As portas estão cimentadas e as janelas protegidas por grades de ferro e tábuas fortes – disse Shadow.

– Posso tentar usar um dos meus poderes – a chuva de Tormenta havia mudado os genes de praticamente toda a população artoniana, dando uma espécie de superpoderes para todos, seja lá como isso tenha acontecido –. Se tornar incorpóreo as vezes é bem útil, mas já vou avisando que só tentei algumas poucas vezes – disse Addam com um pouco de receio –. É a primeira vez que se tornar incorpóreo é útil.

O velocista, depois de obter a aprovação dos seus colegas, foi caminhando em direção à porta selada da casa, mas parou a dois passos de distância da porta, para tomar coragem. Além de perder o corpo por alguns instantes, ele iria entrar sozinho num lugar desconhecido, de onde não sabia se conseguiria voltar. Deu dois passos largos e forçou para se tornar incorpóreo.

Olhos fechados.

Medo de algo ter dado errado.

Se prender na parede seria fatal.

Que morte horrível seria.

Porque esses pensamentos não param de aparecer?

Addam finalmente abre os olhos e percebe que está sobre uma plataforma circular iluminada por um azul neon. Os outros aventureiros perceberam e desceram junto com ele. Bastava pisar em frente à porta lacrada para que o peso da pessoa ativasse o elevador flutuante e que todos fossem transportados para o andar de baixo.

Uma ante sala meio iluminada que dava acesso, através de um portal holográfico especial, que permitia que a luz passasse, mas barrava o avanço da onda sonora, a uma outra sala, muito maior, com um balcão que ocupava uma parede inteira. O teto e as paredes das duas salas eram formados pelos mesmos elementos: placas de metal, parafusos e muitos fios espessos e finos que trançavam padrões de linhas sobre os padrões das placas e dos parafusos do tamanho de mãos humanas. Atrás do balcão, uma mulher, usando uma simples roupa de couro negro que parecia lhe grudar ao corpo com mais aderência do que a própria pele, distribuía pesadas canecas de hidromel, que ainda não havia saído de moda, graças à sua qualidade e eficiência impecável quando o assunto é embebedar alguém, para todos.

Apesar de todos parecerem fazer parte da corja mais imunda da sociedade, nenhum deles ali portava nenhuma arma, fosse ela de perto ou longo alcance, mas ainda sim existiam pessoas que, mesmo sem saber qual era o poder que a tormenta havia lhe dado, causavam medo, apenas pelo tamanho de seus corpos. O minotauro monstruosamente musculoso, com braços tecnológicos e um chifre aparado e polido, enquanto o outro era livre para crescer como quisesse, era um desses que impunha terror em quem o visse.

– Chegaram mais fracotes, galera! – Disse rindo o touro.

– Fiquem atentos – disse Zero –, não há dúvidas de que são todos matadores de aluguel. Caçadores de recompensa que nada mais são do que consequências dessa maldita desigualdade social.

Nem mesmo o futuro escapa dela.

Já meio bêbado, o minotauro olhou para eles e perguntou interessado.

– Vieram entrar para o clube?

– Viemos avaliar. Quem sabe entramos – respondeu Zero, percebendo algo muito estranho.

Em ambas as paredes laterais, alguns quadrados holográficos meio rosados e transparentes mostravam fotos, nome, lista de poderes e mais alguns dados sobre algumas pessoas. A parede da esquerda mostrava imagens de pessoas que estavam naquele salão e de outras pessoas que muito provavelmente frequentariam aquele local, enquanto a da direita exibia imagens de pessoas importantes e conhecidas, ou de desconhecidos com cargos sociais de extrema importância. Por um momento, Zero achou que eles fossem da Irmandade Sombria, mas seria estranho que um grupo tão procurado se escondesse tão pouco a ponto de serem descobertos por acidente. Além do mais, aqueles cartazes virtuais exibiam números, valores em dinheiro que pareciam ser uma recompensa, seja por matar ou por obter alguma informação dos caras que tiveram o azar de ter o rosto marcado naquele mural de alvos.

– Façam o que quiserem – disse o minotauro, passando a mão por cima de uma das holografias-cartazes e removendo-o da parede –. Preciso ir andando. Coliseus não se acham sozinhos.

Algo estalou na cabeça de Alectro.

– Espera, o que você disse?

– Disse que coliseus não se acham sozinhos – respondeu o touro.

– Vamos com você. Queremos achar esse coliseu também.

– Não vou dividir a recompensa – ele fora rápido em pensar.

– Não precisa dividir – respondeu Zero –, só queremos descobrir algo sobre o Coliseu.

– Ainda não perguntamos – Shadow se intrometeu –, qual o seu nome?

O minotauro estendeu a mão para a parede e, depois de ter seu DNA mapeado e reconhecido, uma pequena janela se abriu na parede. De mais profundo ainda, uma plataforma subiu até chegar na altura dessa janela que dava para o metal que compunha as calçadas de Arton. A mão robotizada do minotauro foi dentro do tubo de metal, para pegar um machado de guerra com lâminas duplas e tão pesado quanto o próprio touro. Um metro e oitenta de aço cortante prateado, adornado com uma cabeça de minotauro logo abaixo do punho, com dois chifres perfurantes que eram bastante úteis para matar. Na ponta oposta, um rubi em forma de icosaedro brilhava como se emitisse luz própria, num vermelho hipnotizante. Um vermelho sangue que fazia qualquer um sentir cada gota de sangue que aquele machado já derramara.

A liberdade rubra.

Era o que estava escrito no idioma dos dragões, mas ninguém fora capaz de ler.

– Meu nome? – hesitou por um instante, enquanto prendia o machado a um suporte de metal nas costas – Acho que podem me chamar de... Leônidas.