Nascido Do Sangue

Um Anjo Nos Meus Braços


Conforme os passos que dava na escuridão, Damian lembrava-se do beijo que a criada lhe dera e assim como naquela noite da morte de Mihaela, pôde saber o que se passava dentro dela, pôde sentir, como se ao tocá-lo tão rapidamente, pudesse ter absorvido um pedaço de sua alma, a parte mais inocente e doce, assim como foi com a melancólica garota morta.

De tempos em tempos olhava a lua, alta e lúrida no céu, o que lhe dava ainda mais certeza de que encontraria sua amada naquela noite. Seus passos o levavam cada vez mais para dentro da escuridão e parecia que quanto mais escuro, mais sua mente lhe pregava peças.

O vento carregava o som de um choro fino, as árvores moviam-se lentamente, galhos quebravam-se, mas não somente sob seus pés, em cada canto trevoso daquele pedaço de natureza adormecida, um arrepio lhe percorria a espinha e uma dor lancinava-lhe o peito, os rostos de Ionela, Mihaela, Viorica, Andreea e Rosalind passeavam por seus pensamentos, um após o outro, algumas vezes todos tornavam-se apenas um.

Por que estaria tendo tais pensamentos? Um vazio fez com que parasse, por sorte já havia chegado ao lago, pois não mais aguentava caminhar, sentou-se fixando seus olhos no reflexo trêmulo da lua na água, ela era a deusa da noite, o anjo que tudo via e tudo sabia, por ela já passaram vários amantes e proibidas histórias de amor foram contadas sob sua luz, esta era apenas mais uma história?

Desde a noite do baile, o jovem não mais conseguia tirar a filha do Conde de sua cabeça, sua tétrica figura semelhante a um pobre anjo caído, como pôde ser tão frio? Pesadelos não deixavam-no esquecer seu rosto, seus olhos penetrantes e cheios de julgamento, a última pessoa que vira ao deixar o mundo.

As imagens vinham acompanhadas de outra lembrança, uma mais forte, que fazia-o ter enxaquecas somente por recordar, a memória do sangue dela em seus lábios, como pôde ser capaz? Era a única coisa que se perguntava todas as noites ao pousar a cabeça no travesseiro, não sabia e talvez nunca saberia o que o levara a fazer tal coisa, mas por mais que fosse macabro, foi bom, tão bom quanto uma noite de amor.

O sabor era puro, mais doce que o vinho, tão suculento e excitante, em nenhum momento em que chegara ao orgasmo com as mulheres que dormira tivera tão semelhante sensação como quando o líquido tão preciso para a vida daquela jovem estava dentro de sua boca, brincando consigo, enlouquecendo-o de uma viciosa maneira que não mais podia parar.

As lembranças eram tão vivas, como se acabassem de ocorrer, parecia que estava em transe, não sabia ao certo o que estava fazendo, apenas fazia, não a ouvia gritar, porém os olhos inocentes e repletos de medo o deixavam ainda mais excitado e a tornavam ainda mais bela, a cada gota sua sede aumentava, fora o único instante em que tivera o vazio em seu peito preenchido, fora quando encontrara a cura para sua fome, para sua sede, foi quando a dor finalmente morrera em seus lábios.

Quando a adolescente livrara-se de seus braços, era como se tudo houvesse mudado, como se saísse deste estranho transe que pensava estar, não entendia o motivo do rosto de Mihaela estar assustado, as lágrimas em seus olhos avermelhados, por que fugiria dele? Há alguns minutos apenas queria abraçá-lo na esperança de que a consolasse e depois, havia medo e repulsa, era como sempre iria se recordar dela, com medo... Com tanto medo... Até que tudo ficou escuro para sempre.

Não havia uma noite sequer que ele não a ouvia gritar e acordava transpirando no meio da madrugada, engolia em seco e surpreendentemente o doce sabor do sangue dela ainda estava borbulhando em seus lábios sequiosos.

Ouviu um ruído que fez com que as memórias sumissem como a densa fumaça quando seu pai colocara a ferradura escaldante mergulhada na água de normal temperatura, um ruído que não saberia ao certo se era inaudível aos outros ouvidos, mas para o seu era claro como o dia que já se fora.

O barulho fora aumentando, como se chegasse cada vez mais perto, então a lua iluminou o vulto que surgia por entre as árvores, o luar lhe dera formas e contornos suaves, seus cachos cor de bronze caídos delicadamente até o bico de seus seios pareciam as chamas fracas de uma fogueira, passos lentos e amedrontados como se andasse por um desfiladeiro. Rosalind usava um vestido longo e sapatos de salto, era difícil caminhar sobre a terra e os pedregulhos sem fazer nenhum som, mas estava esforçando-se.

A moça ia chegando cada vez mais perto do lago, o olhar atento ao estranho silêncio à sua volta e também à tão esperada presença, viu que a lua estava alta no céu, ficou contente, pois ela viera, mas logo voltou a ficar apreensiva e com medo, estava sozinha ali. Apenas ela e a lua.

Apertou os dedos entre o tecido do vestido, umedeceu os lábios com a língua e continuou observando ao redor com um aspecto de esperança e nervosismo, eis que sentira uma voz tão grave e sombria sussurrar-lhe ao pé do ouvido:

___ Boo!

Com um salto para frente e virando-se na direção da voz, a senhorita pôde deparar-se com o venusto rapaz rindo de uma maneira alegre e infantil, o que a deixou zangada.

___ Ora, seu desgraçado! Você quase me matou de susto, Damian!

___ Ah o que é isso? Vai ficar zangada comigo apenas por um susto, Rose?___ dizia o rapaz com uma voz pueril e solta.

___ Eu arrisco-me vindo até aqui e é assim que me trata, vou embora ___ avisou a garota com um agudo descontentamento.

___ Não, não faça isso!___ disse o jovem pegando-a pelo braço.

Rosalind sentiu certo ódio em seu peito, um ódio de que quando olhava no fundo daqueles olhos celestiais era como se eles a enfeitiçassem e o rapaz a tivesse em suas mãos como uma boneca, poderia brincar o quanto quisesse e depois jogá-la em um canto que não se importaria, seria apenas sua.

___ Está bem ___ assentiu com um suspiro derrotado ___, só por alguns minutos.

___ Certo, só alguns minutos ___ repetiu ele sorrindo.

___ Por que me chamou até aqui?

A resposta fora um beijo, um ardente beijo que fez com que a jovem se desmanchasse nos braços do ferreiro, que enterrasse os dedos finos e rosados em seus cabelos tão negros quanto à noite, por dentro queimava, um estranho e delicioso calor que a consumia, envolvia cada célula de seu corpo numa enorme chama, foi exatamente assim que se sentira na noite em que fizeram amor.

Damian apertou aquele tênue corpo feminino contra o seu, suas mãos grudadas na delicada cintura enquanto seus lábios provavam dos dela, como amava aquele calor que ela podia lhe transmitir, aquela essência vital que tanto lhe faltava, sentia-se como se estivesse abrindo os olhos para a vida pela primeira vez em muito tempo, logo sua boca estava tocando seu desnudo e perfumado pescoço enquanto uma de suas mãos apertava-lhe o seio direito.

Estava tão perto que podia sentir facilmente as mesmas sensações que a amada, sabia que estava excitada e queria tanto quanto ele fazer amor naquele mesmo instante, mas estava com medo, não sabia ao certo de quê, mas estava trêmula e fria por fora enquanto o dolorido calor fazia seu sangue borbulhar dentro de suas veias.

Ela era o único fogo que lhe excitava ao invés de causar dor, a única e permanente chama que lhe derretia até os ossos, a eterna luz que nunca machucaria seus olhos.

Por um instante, o medo que emanava pelos poros dela o excitou ainda mais como um animal selvagem que podia sentir o odor de sua presa a quilômetros de distância fazendo-o continuar com os beijos e carícias, agora mais intensos, seus lábios tocando o lívido pescoço enquanto sua língua sentia o adocicado e quente sabor de sua pele, seus dedos entrelaçaram-se nos braços da garota, não queria apenas beijar e lamber aquele pescoço, sentiu um enorme desejo que cravar seus dentes, pois ao mesmo tempo em que o ruído do sangue dela correndo pelas veias o assustava, o deixava ainda mais enlouquecido.

Seus ágeis dedos começaram a desamarrar o espartilho da jovem, paravam por algum tempo para que uma de suas mãos segurasse a cabeça dela junto à sua enquanto a outra levantava o longo vestido acariciando sua coxa e subindo cada vez mais até sua virilha, logo detinha-se e continuava a despi-la ansiosamente. Ouvia as batidas aceleradas do coração dela, estava pronto para dá-la o máximo de prazer que poderia ser capaz de sentir, porém percebendo os finos e róseos dedos afastando seu tronco, a ouviu dizer:

___ Talvez este não seja o momento certo.

Levou alguns segundos para recuperar-se, estava extremamente excitado de tantas formas que mal conseguia explicar, entretanto sua respiração mudou para um tom desapontado, porém compreensível e disse brandamente abotoando seu colete.

___ Talvez...

A senhorita notara que Petrescu ficou decepcionado.

Ambos ajoelharam-se ao mesmo tempo sobre a terra fria às margens do lago, Damian ainda segurava amorosamente o rosto adolescente entre suas álgidas e lívidas mãos, via que ela sentia-se triste por ter que desapontá-lo e não somente ele, mas como a si própria, tentou explicar-se, mas o rapaz a deteve dizendo:

___ Está tudo bem, dragul meu, eu nunca vou machucar você, sabe disso, não é?

___ Eu sei.

O ferreiro franziu as sobrancelhas assim que um gélido arrepio lhe tomou da cabeça aos pés, tivera a leve impressão de que a amada estava mentindo, seu coração dantes cheio de amor e vida, agora estava emurchecido com esta decepção que resolvera guardá-la somente para si.

Ele deitou a cabeça dela em seu peito e começou a acarinhar seus reluzentes cachos enquanto sentia suas lágrimas quentes molhando sua pele.

___ Não tenha medo, iubita mea, eu estou aqui, estou aqui com você. Não deixarei nada nem ninguém lhe ferir.

___ Estou com muito medo, Damian, eu te amo... ___ falou Rosalind com tremura em sua voz.

O moço nunca tivera tanta vontade de chorar como naquele momento, sentia o medo dela em cada célula de seu corpo, seu sangue transportava até o coração cada lágrima que ela chorava, mas não conseguia entender, estava confuso e sentindo um imenso vazio em seu peito.

Não sabia o que fazer, muito menos o que dizer àquela donzela tão linda e desiludida, nada mais que a dura e cruel verdade, por mais que a lua fosse testemunha de seus atos libidinosos, ambos nunca pertenceriam um ao outro, jamais... Ela viera por eles naquela noite, e sempre guardará suas almas, mesmo que nunca sejam abençoadas elas viverão pela eternidade uma paixão proibida embebida em medo e lágrimas.

___ Eu também te amo, Rosalind, eu também te amo.

O casal deitou-se sobre um monte de folhas secas e macias, o adolescente ficou olhando a lua enquanto sentia a respiração dela em sua pele, ouvia o som tão débil, uma de suas mãos estava pousada em seu peito, sua cabeça aconchegada em seu ombro, ele estava lá para ela, para protegê-la e guardá-la como um anjo noturno, gostaria de dizer que estaria segura em seus braços, mas pensou que seus gestos naquela noite foram o suficiente para que notasse.

Seus braços a envolviam e a aqueciam, entretanto, ao mesmo tempo em que a queria tão próxima, implorava a si próprio para levantar-se e desaparecer, pois novamente o tormento o encontrara, as batidas tranquilas do coração dela soando em sua mente como trovões anunciando uma tempestade, ouvia o sangue correndo pelas veias como a nascente de um rio, olhava para seu pescoço e tudo que via era sua artéria pulsando.

Rose estava tão formosa, mais do que podia se lembrar, era como um lúrido fantasma, um pequeno anjo em seu ombro, assim, tão quieta e mergulhada docemente em seus sonhos, parecia que dessa forma sua beleza duraria para sempre, resistindo a tudo, como se a morte havia beijado-a de forma tão sensual e carinhosa, porém com pena de destruir tão sublime perfeição.

E ela estava ali, adormecida em seus braços, trazendo em seu rosto a beleza de um anjo e a inocência de uma criança, Petrescu não sabia qual ia se sobressair, como numa mutação, ambas as características se fundiram sem que uma dominasse a outra resultando numa criatura híbrida, a bela e inocente Rosalind.

Às vezes sentia o ar gelado quando as narinas da garota se moviam para inspirar lentamente, como se quisesse roubar todo o calor do corpo do rapaz, todavia, em centésimos de segundos ela logo lhe devolvia em dobro todo o ardor expirando serenamente.

Para Damian, este era o momento em que ela se encontrava mais magnífica, a beleza de uma mulher adormecida era algo impossível de se descrever, estava tão frágil, desprotegida, era apenas uma criaturazinha encantada, seus lábios cerrados levando pela eternidade a essência do beijo que lhe dera, seus olhos fechados, suas pálpebras tremiam de tempos em tempos, sua boca entreabria e suas narinas lentamente se moviam, mas ainda estava aprisionada em seu sono, perdida num mundo somente dela, onde nada nem ninguém lhe faria mal.

As horas correram longas e agonizantes, à medida que a garota dormia tão profundamente, o adolescente nem ao menos sentia seus olhos pesados e ardendo por causa do sono, estava nervoso enquanto a lua não parava de encará-lo com soturna calma, o som do coração de sua amada pulsando tão perto de seus ouvidos não o deixavam fechar os olhos, estava com muito medo, pois mesmo que fosse uma fraca essência, conseguia sentir o cheiro do sangue dela.

Estava relutante por dentro e a cada batida lenta vinha-lhe o som do arrependimento, não deveria ter vindo, não deveria estar ali ao lado daquela dama tão desprotegida, sabia que havia algo errado e ao olhar para o semblante de Rosalind pôde ver claramente Mihaela o encarando com medo e espanto, a única lembrança que tinha daquela jovem era o gosto do sangue dela excitando suas sensações, moldando suas emoções, encontrando o que tanto estava procurando.

Chegou mais perto, quase podia tocar os lábios hirtos e avermelhados da amada, suas mãos tornavam-se ainda mais ebúrneas iluminadas pela luz da lua, elas acariciaram o rosto tão terno da jovem, seus dedos gelados tocando aquela pele quente, apenas um tênue contato fez com que ela franzisse as sobrancelhas e contorcesse o corpo até aconchegar-se novamente entre os braços do ferreiro, este sentiu-se angustiado por nem ao menos poder tocá-la sem que lhe provocasse incômodo.

Levantando-se subitamente, Damian a pegou nos braços e começou a andar para fora daquele bosque, as estradas estavam escuras e desertas, mas a lua iluminava seu caminho, nada era tão escuro e sombrio quanto parecia ser, estava até mais claro que o dia, julgava-a tão leve que poderia andar por meses carregando-a que não se cansaria.

Chegando em frente à residência dos Iordache, o moço ficou encarando a alta janela onde se encontrava o quarto da garota, estava pensando em como subiria até lá com ela em seus braços, ajoelhou-se então deitando o corpo dela em seus joelhos e fitando-a como uma magnífica obra-prima que iria se desfazer quando a luz do sol a beijasse bruscamente, eis que notou os olhos da donzela movendo-se e direcionando-se para ele.

___ Onde eu estou?___ a pergunta saiu carregada de sonolência e suavidade.

___ Em sua casa.

Ele a ajudou a se levantar, ainda estava sonolenta e um pouco confusa, mas viu que era mesmo sua casa.

___ Como vim parar aqui?

___ Eu.

___ Ora, Damian, mas por que não me acordou?

___ Porque somente em seus sonhos pode se livrar de mim.

E com um carinhoso beijo na fronte lívida da jovem, o ferreiro a deixou e pôs-se a caminhar.

___ Nem mesmo em meus sonhos estou livre de você, meu querido ___ murmurou ela enquanto o observava sumir na escuridão.