Petrescu escondeu o rosto sobre as mãos e começou novamente a chorar, desta vez fora movido por puro desespero, apenas isto e nada mais.

O pranto não durou muito, pois o que desejava ardentemente nas últimas semanas era ver a pútrida carcaça daquele traidor diante de si e havia conseguido, mas essa não mais era sua vontade. Os dedos se abrindo como cortinas, entre eles os dardejantes e úmidos olhos azuis espiavam.

Começou a se arrastar até perto do corpo ainda quente do adversário, sentou-se admirando com curiosidade o modo como o rosto dele estava ficando arroxeado, o ardor da vida ainda não o tinha deixado e isto lhe parecia surpreendente.

Não sabia mais se estava com medo ou triste, só conseguia olhar para o corpo do rapaz de modo tão frio que causava-lhe incômodo, não imaginava ser tão cruel diante de uma pessoa que sempre fizera parte de sua vida, não conseguia acreditar em sua capacidade de ignorar o fato de ter matado seu melhor amigo, um garoto que considerava como o irmão que nunca tivera.

O silêncio abençoava aquele lugar, os olhos de Damian iam da cabeça aos pés do jovem estirado a sua frente, uma nuvem negra encobria seus pensamentos, como se sua mente no momento estivesse vazia, apenas podia admirar a beleza da morte, imaginava que ela não tinha rosto, não tinha corpo, ela era cada um que levava. Naquela noite ela era Mary e Tristan, era negra e branca, era uma medrosa criada e um tolo burguês, a morte era uma terrível e sublime mutante que se alimentava de suas vítimas e precisava de seus rostos e seus nomes para se fazer concreta.

O sangue ainda escorria do peito do inimigo, a adaga ainda enterrada em seu coração cobria uma lacuna, retirou-a com extrema cautela deixando com que o doce aroma do viscoso líquido cálido o embriagasse. O cheiro o dominava e sentia uma sensação nova e exuberante acompanhada de um soturno, porém voraz apetite.

O medo havia ido embora, seus atos eram mecânicos. Os olhares e movimentos todos pareciam que eram programados, não era mais Damian quem controlava a situação, era uma desconhecida força que o fazia admirar o corpo do adversário de forma tão fria concentrando-se em cada detalhe e era esta força que fazia com que seus sentidos se aguçassem de maneira que não temesse nada.

Suas lúridas mãos tocaram suavemente o peito de Tristan, tatearam a pele ardorosa sentindo o sangue entre seus dedos, vagarosamente afastara uma das mãos do tórax do rapaz e fora levando-a para mais perto de sua boca, nada mais via ao seu redor, era mais uma vez uma marionete agindo apesar dos comandos invisíveis aos olhos, dados por ele, o quente, o rubro, o revigorante e doce sangue.

Damian a cada amanhecer morria mais, uma outra coisa nascia a cada anoitecer, um ser irracional, escravo de uma sede sem fim, um objeto, uma máquina que só destrói e, aparentemente, sofre menos a cada dia.

Antes que pudesse alimentar-se por completo da vitória sobre seu inimigo, ouviu uma voz familiar e uma força distanciando sua mão suja de sangue de seus lábios sedentos, a nuvem enegrecida formada diante de seus olhos se desfizera, a consciência era retomada e a primeira coisa que pôde ver foi o semblante de Benjamin, parecia sério e com um ar repreensivo.

___ O que pensa que está fazendo, seu tolo?!___ o tom do sujeito era firme e autoritário, como um pai repreendendo um filho.