Nascido Do Sangue

Quem Quer Ser Um Monstro?


___ Eu tenho uma surpresa para você ___ disse Benjamin sorrindo para o garoto.

Damian não questionou ou tentou adivinhar o que vinha do amigo daquela vez, apenas esperou quando Grigore deixou a sala e logo retornou com uma taça contendo um líquido rubro quase escorrendo pelas bordas em uma das mãos.

Aquele cheiro... Damian sabia muito bem do que era aquele cheiro, mais uma vez vinha Benjamin trazendo em suas mãos o mal que tanto afligia aquele ferreiro. Suas pupilas dilataram ao depararem-se com o avermelhado e sensual brilho do líquido que quase escapava da taça de cristal.

___ De novo não, Ben, por favor.

___ Damian, eu nunca faria nada para prejudicá-lo, mas vejo que não tem se alimentado direito e está tão lívido quanto um floco de neve.

___ Ben, eu não posso ___ murmurou o ferreiro.

___ Sim, você pode, você deve, draga mea, está definhando, padecendo em silêncio, morrendo cada dia mais, não posso suportar assistir tamanha atrocidade sem fazer nada!

___ Isso não vai ajudar.

___ É claro que vai, meu de tineri! Só precisa de uma dose, uma pequena dose para que suas bochechas voltem a ter cor, para que se sinta vivo novamente.

Os olhos de Damian dardejaram intensamente, mas só Benjamin pôde contemplá-los, via como os instintos e os sentidos do rapaz estavam sendo despertados, um a um.

Finalmente a vida gritava dentro de Damian, seu coração batendo tão forte quanto podia suportar, achou que saltaria de seu peito, sua boca salivava ao mesmo tempo em que sentia sua língua tão seca, não podia ver suas pupilas dilatadas, mas sua atenção estava focada apenas na taça que Benjamin segurava gentilmente.

___ Não, Ben, isso é loucura.

___ Quem está dizendo isso? Há algo intenso crescendo dentro de ti, meu caro, posso olhar em seus olhos e ver o quão desesperado está por apenas um gole.

___ Mas não posso, eu tenho que resistir.

___ Por quê? Para quê?

___ Porque não é normal!

___ O que é normalidade para você, băiatul meu? Agir como os outros? Seguir as regras? Isto é fazer parte de algo? Isto é ser normal? Pois saiba que isto é um ledo engano, querido, a normalidade não existe, mas cada vez que tentamos criá-la, que tentamos personificá-la, estamos apenas dando corda a uma ilusão pérfida que, quando menos se esperar, vai acabar nos matando.

___ O que quer dizer com isso?

___ Todos têm um vício, algo tão obscuro que guardam dentro de suas almas vazias na esperança de preencherem-na, de darem algum sentido a suas vidas medíocres. Álcool, tabaco, sexo... Sangue... Não importa o vício, meu de tineri, todos caímos em tentação um dia, pode tardar, contudo, é certo que o momento chegará, por que adiá-lo assim?___ dizia Grigore estendendo a taça na direção do jovem, mas Petrescu se afastava na esperança de não poder sentir aquele forte cheiro que o enfeitiçava.

___ Se todos têm um vício, qual é o seu?___ inquiriu o ferreiro tremulante.

___ Meu único e inevitável vício, é protegê-lo, meu caro, é cuidar para que se sinta feliz... E vivo.

___ Não dessa forma.

___ E qual outra forma conheces? Sei que este é o único caminho, Damian, sei que isto é tudo de que precisa.

___ Como pode saber disso?

___ Você não consegue esconder, olhe só para você! Parece um animal acorrentado que vislumbra dolorosamente a presa se exibindo a apenas alguns metros de distância, mas o que este pobre animalzinho não sabe, é que estas correntes que o impedem de correr, de exercer sua função sobre a mãe natureza, são ilusões criadas por outras ilusões ainda mais desleais e tudo que esta criaturazinha tem de fazer, é livrar-se destas amarras e correr... Correr o mais rápido que puder.

___ Para onde?

___ Para a liberdade.

___ Ter um vício não é ser livre, Ben, mas sim estar preso a algo que mata aos poucos.

___ Então me diga, como o sangue pode te matar?

Damian voltou a fitar aquele líquido reluzindo e ondulando, viu que uma gota estava silenciosamente escapando e deslizando pela lisa superfície do cristal, aquele pequenino pedaço de rubi o provocava, sua língua queria projetar-se para fora de sua boca e ir ao encontro daquela gota rubicunda, ambos deliciando-se um do outro como amantes sob o luar imaculado.

___ Não sabe o que dizer, não é? Simplesmente porque ele não pode, ele te dá uma nova vida ao invés de matá-lo.

___ Mas eu não quero essa vida.

O suave sorriso que se formava nos lábios de Benjamin logo desapareceu ao ouvir aquelas palavras, viu que aquele animalzinho trêmulo e desesperado à sua frente dizia a verdade, suas sobrancelhas se arquearam para baixo em sinal de desapontamento, algo que pareceu estranho aos olhos de Petrescu.

___ Não quer?

___ Me diga, Ben, quem gostaria de ser um monstro?

Damian estava assustado demais para perceber a excessiva palidez no rosto do amigo após aquela pergunta que, não obteve nenhuma resposta.

___ Está certo ___ falou Ben com uma voz tão baixa quanto um sussurro ___.

Numa espécie de surto, Grigore atirou a taça em direção à lareira acesa, o fogo ganhou força e um breve tom avermelhado em suas chamas, a ação pegou Damian desprevenido, não entendia o por quê daquele gesto.

___ Eu tentei lhe ajudar dando o que tanto queria, mas me parece que tudo que mais queres é morrer à mingua não é, seu garoto idiota?___ vociferou o lorde passando a andar de um lado a outro da sala de estar.

___ Ben, eu...

___ Basta, Damian! Não me venha com seus discursos em prol de uma vida frívola e ilusória, quando o que mais tentei fazer foi mudar isso!

___ Está tentando me tornar algo que não sou!

___ Pelo contrário, meu caro, é isso que você é e sempre foi! O vício nasce conosco e não podemos fugir dele.

___ Eu não quero isso, Ben, será que não consegue entender?

___ É claro que entendo, perfeitamente. Entendo que não passas de um garotinho ingênuo e patético que só sabe lamentar e lamentar enquanto podia ter o mundo a seus pés!

___ Apenas cadáveres estariam aos meus pés, e o sangue deles estariam em meus lábios!

Grigore exprimiu um riso raivoso, todavia, tocou gentilmente o semblante confuso de Petrescu e seus lábios se moveram ao dizer:

___ É você quem não entende, meu de tineri. Vê isto como uma maldição, quando na verdade, não passa de uma cândida bênção.

___ Como pode falar assim?

Benjamin deu a volta e por detrás do garoto, tapou seus olhos e murmurou em seus ouvidos:

___ Quando aprender a enxergar além da escuridão, saberá do que estou falando.

Afastou-se deixando o ferreiro sozinho na sala de estar.