Nascido Do Sangue

La revedere, iubitul meu!


Damian acordou subitamente com os gemidos e a respiração ofegante de Andreea ao seu lado, ao abrir os olhos percebeu que ela havia virado-se para a janela, não mais podia ver seu rosto, apoiou o cotovelo sobre o colchão e a observou, parecia ainda estar dormindo, mas estava inquieta, contorcia seu corpo, sua respiração estava pesada e soltava gemidos dolorosos, o rapaz pensou que a dama poderia estar tendo um pesadelo, tentou acordá-la chamando brandamente seu nome:

___ Andreea? Andreea, está tudo bem?

Ela não lhe respondia, apenas continuava em volta de contorções e gemidos de dor, como um animalzinho prestes a ser morto, mas que antes fora deixado agonizando sobre o chão duma floresta por um inescrupuloso caçador.

___ Andreea? Acorde.

E com um leve toque no ombro da mulher, o garoto a puxou para perto de si, ao avistar sua face transpirando e esmaecida espantou-se, tocou sua fronte e percebera que a viúva estava ardendo em febre e poderia até estar delirando. Saltou da cama e vestindo apressadamente seu roupão, disse:

___ Eu vou pedir ajuda.

Antes que pudesse cruzar a porta do quarto, Damian ouve um chamado, uma débil e rouca voz que seguiu ondulante e quase incerta até seus ouvidos.

___ Draga mea, vă rog, não me deixe aqui sozinha, fique comigo.

___ Andreea, está febril, preciso chamar o doutor Valeriu, caso contrário...

___ Fique comigo, por favor.

Os olhos suplicantes dela plantando uma amarga angústia em seu peito, por um momento ficou frio e enrijecido como uma estátua, não sabia o que fazer, seguir ou retroceder? Atravessar aquela porta ou aconchegar-se novamente entre os lençóis?

O som seco que a respiração de Andreea fazia lhe deixava perturbado, como se a cada golfada fraca de ar seus pulmões estivessem atrofiando, atrofiando, atrofiando.

Sentiu uma gota fria de suor deslizar de sua testa, por dentro estava em chamas, a dúvida fervia e borbulhava, mas por fora ainda trazia a frieza que tanto lhe diferenciava dos outros daquela comuna, o que fazer?

Olhava para ela com ternura e espanto, um espanto que logo deu lugar à compaixão, agora o martírio era ainda mais cruel, estava novamente sentindo um tipo carinhoso de pena em relação à Andreea, não queria que fosse assim, não naquele momento.

O ferreiro não podia insistir no contrário, percebia no tom de voz da mulher que ela não estava bem, então assentiu sem mais nada a dizer. Caminhou em direção ao leito e deitou-se novamente ao lado dela aconchegando-a em seus braços como seu velho urso de pelúcia no qual apertava sofregamente em noites de tempestade e falou:

___ Fique calma, estou aqui com você, querida, nada irá acontecer, ninguém irá te machucar enquanto eu estiver aqui.

___ Eu te amo, Damian, eu te amo muito.

O silêncio tomou o lugar e o som fraco da voz de Andreea afogou-se na escuridão, sem obter ao menos uma resposta. O garoto sabia que poderia dizer qualquer coisa que desejasse ouvir, pois estava muito doente e não teria muito tempo de vida, pelo menos foram estas as palavras do doutor Valeriu, porém não queria mentir nem para ela muito menos para si mesmo, mesmo que dissesse que sentia o mesmo em relação à senhorita, ambos sabiam que não era verdade.

Ficou em silêncio enquanto acarinhava os dourados fios longos que iam do topo de sua cabeça até um pouco abaixo de seus seios, entretanto havia alguns dias que não mais brilhavam com tanta intensidade quanto no dia em que a conhecera, não mais lembrava-se do fulgor de bronze que emanava de sua jovem cútis, agora tão encanecida quanto o rosto de uma boneca de porcelana, seus rúbidos e carnudos lábios não eram mais os mesmos, estavam secos e enrugados como um murcho botão de rosa, até as esmeraldas em seus olhos perderam a cálida luz.

Com o passar dos dias, a fraqueza ia tomando aquele esbelto e desejado corpo, o adolescente sabia que seu dever era ficar ao lado dela, não entendia o motivo, mas sentia que era o que devia fazer, pois a partir do momento em que pisou naquela casa como morador e não como convidado, passara a sentir algo forte por aquela mulher, não sabia se era alguma forma de amor ou apenas paixão, todavia gostava de sua companhia e sabia que apagara-se a ele de tal maneira que, se a tivesse abandonado, provavelmente já estaria morta.

Quando não estavam entregando-se aos prazeres da carne, ele a admirava de modo fraterno, a via como uma criança, olhava nos olhos dela e sabia que não passava de uma menina, tão doce e ingênua, tudo lhe era uma brincadeira, os bailes, as roupas novas, os passeios e como qualquer criança, temia a solidão e certamente até o escuro lhe assustava, ela só queria alguém que a entendesse e encontrara refúgio e conforto nos braços do venusto moço.

Não deveria abandoná-la, mesmo que esta fosse a sua vontade, não era a coisa certa a se fazer, sabia que se cruzasse aquela porta nunca mais se perdoaria, entretanto não entendia tais pensamentos, não conseguia entender nada mais que se passava em sua vida nos últimos meses, tudo havia mudado, o ambiente, as pessoas, até ele mesmo, estava tomado por um imenso vazio, que se lhe desse relevância, de certa forma já teria tirado a própria vida, pois pensava estar enlouquecendo.

Nunca parava para pensar em tudo que estava lhe acontecendo, os sentimentos à flor da pele, raiva, dor, tristeza, paixão, amor, tudo tão intenso que se sentisse ao mesmo tempo implodiria, várias crises de fraqueza extrema que somente eram curadas ingerindo sangue, aquilo provavelmente era a pior parte da história, julgou-se ser algum tipo de maníaco perturbado, já ouvira tantos relatos de psicopatas que arrancavam membros de suas vítimas e por prazer até os devorava, contudo, espantava tais pensamentos de sua mente, por medo de algum dia estar certo.

Todas as noites os olhos de condenação de Mihaela assombravam seu sono, olhos frios e vazios, sem luz e sem amor, o corpo estirado sobre a relva iluminada pelo pálido e frágil luar, os braços jogados sobre a terra e em um dos dedos de uma das mãos, um pequeno fio de sangue escorrendo sem cessar, o sangue que ao mesmo tempo em que entrara em contato com seus lábios lhe deixaram em estado de transe, não pensava, não via, não sabia de mais nada, queria apenas sugar, drenar cada gota daquele líquido brilhante e saboroso até as veias daquela jovem secarem.

Quem a matou naquela noite? Como fora parar na carruagem? Se Andreea fora buscá-lo, provavelmente vira o corpo da filha do Conde junto dele, como pôde dizer que enforcara-se em seu quarto? Tantas perguntas e nenhuma resposta sequer, algo estava errado, mas sentia que jamais saberia o que era.

De alguma forma, ele também a amou, tão verdadeira e intensamente que jamais poderia esquecê-la, roubara sua dor no momento em que a teve em seus braços, sentia o coração dela batendo ao ritmo do seu, não somente a dor, mas a paixão, aquela pobre criaturazinha aninhada em seu peito, ansiando por uma faísca de esperança, agora juntou-se ao seu amado.

O moço a amou, da mesma maneira na qual ama Andreea, tão pura e ardentemente, não mais sentia-se atraído sexualmente, mas gostava de sua companhia, apreciava ouvi-la tagarelar sobre futilidades e coisas banais, pois via um brilho de alegria nos olhos dela e isto o deixava alegre, o sentimento alheio tornou-se seu alimento, depois que Benjamin o instruíra naquela noite no baile, jamais conseguira ignorar os pensamentos e sentimentos de outras pessoas ao seu redor, conseguia sentir, podia absorver tudo, poderia ser quem quisesse, compreendendo assim os maiores sonhos e pesadelos dos que viviam por perto.

Deitou sua cabeça sobre a da mulher e também adormecera.

Novamente acordou com os gemidos de Andreea, porém desta vez seguidos de sua enfraquecida voz chamando por seu nome:

___ Damian... Damian...

___ O que houve?

A mulher puxou o cobertor e o rapaz espantou-se ao ver a lívida camisola banhada em sangue, assim como os lençóis azul-claros, entrou em pânico, por um instante não soube o que fazer.

___ Oh, meu Deus, o que está acontecendo?

A viúva não conseguia falar, apenas olhava fixamente para o ferreiro, gemia e suspirava com dificuldade, Damian retribuiu ao olhar e percebeu que aquelas doces esmeraldas haviam perdido seu brilho não passando apenas de uma vela apagada que ainda trazia vestígios de luminosidade e calor, mas eram apenas vestígios e nada mais.

___ Certo, eu vou buscar ajuda, espere um instante, eu já venho.

___ Não! Não vá, fique comigo ___ falou ela puxando o jovem pelo braço.

___ Mas eu preciso chamar alguém!

___ Não, querido, não há nada a ser feito, a não ser esperar.

___ Não, não diga isso. Confie em mim, nada irá lhe acontecer enquanto eu estiver aqui.

___ Algo já me aconteceu, draga mea, não há mais tempo.

___ Há sim, sempre há tempo, espere que eu já volto com ajuda.

___ Não, Damian, não me deixe aqui.

___ Serão apenas alguns minutos, Andreea.

___ Creio que tenho bem menos que alguns minutos, meu bem, fique, por favor, eu não quero partir sem lhe dizer adeus.

___ Não diga isso, por favor ___ a voz do rapaz era trêmula e sufocante, a dor e o choro estavam entalados em sua garganta.

___ Ouça com atenção...

O ferreiro voltou para a cama deitando a cabeça da viúva em seu colo e fixando seu olhar em seu pálido semblante.

___ Quando chegar o momento, mate-o. Não importa o que faça, não importa o que diga, mate-o ou se tornará igual a ele.

___ O que? Matar? De quê está falando?___ indagou o adolescente confuso e tendo quase total certeza de que aquelas palavras não passavam de delírios febris.

___ La revedere, iubitul meu.

___ Não, por favor, Andreea, me diga de quem está falando! Vă rog!

A dama fora calmamente cerrando os olhos, ainda transpirava e seu rosto estava quente, sua respiração ia diminuindo assim como suas forças. Como um alguém exaurido que acabava de cair sobre um macio e confortável leito e aos poucos fosse pegando no sono, Andreea foi deixando-se levar pela calmaria, pela escuridão, pelo calor do corpo do belo menino, a única pessoa que estivera ao seu lado.

___ Andreea, Andreea, por favor, acorde! Andreea!

Damian chamava e a sacudia levemente, mas era inútil, a jovem e bela viúva agora não mais abriria seus olhos, não mais falaria sobre banalidades cotidianas, estava adormecida em um sono tão profundo, perdida em outro mundo no qual não mais poderia voltar.

___ Não... Andreea!

A linda criança agora havia pegado no sono, depois de tantos vendavais e tempestades agitando uma noite, veio por fim o silêncio. Ela agora dormia e sonhava e quando o sol surgisse, não iria mais acordar.

Levantou o tronco leve dela envolvendo-o em seus braços, enterrou seu rosto dentre os fios opacos de seus cabelos e ouvia-se apenas seus finos choramingos, a dor que sentia naquele momento era algo indescritível, seu amor era tão forte e tão terno, porém adoecera e morrera com ela, apenas queria tê-la por perto por algum tempo, despedir-se de seu corpo que logo iria esfriar, de seus belos e tenros traços que como areia ao vento iriam desaparecer, não sabia o que faria a partir daquele instante, sentiu-se perdido e desolado.

Molhava os fios semelhantes a secas palhas, apertava-a junto a si, nada mais podia ser feito, sentia um nó em sua garganta e não conseguia parar de chorar, se precisasse falar ou chamar alguém não poderia, tropeçaria em seus soluços angustiantes.

O corpo dela ainda estava quente, uma linda boneca tão quieta como se estivesse dormindo, há dias estava péssima, mas naquele momento pareceu-lhe tão sublime, como a transição da vida para a morte era algo tão delicado e belo! Se a chamasse, se a quisesse de volta poderia estragar tudo, sua alma agora vagava entre dois mundos enquanto seu corpo despedia-se da lasciva beleza que facilmente não seria esquecida.

Lembrou-se de quando Irina lhe contou como sua mãe morrera, Katrina morreu nos braços de Ionel por conta de uma hemorragia, os lençóis manchados de sangue, a pobre mulher tão fraca quanto um graveto podre, aos poucos beijava os pérfidos lábios da morte deixando com que sugasse até sua última essência, buscasse no canto mais escuro de seu ser a última gota de vida.

Em nenhum outro momento um dejá vu fora tão surpreendentemente assustador, a mulher que tanto o amava em seus braços, os lençóis cheios de sangue e as lágrimas banhando o semblante eternamente adormecido de Andreea, faltava apenas um formoso recém-nascido para que estivesse literalmente entre a vida e a morte.