Rosalind dormia silenciosamente deitada de lado, uma das mãos depositada gentilmente em seu ventre enquanto a outra repousava junto ao seu rosto no travesseiro, os cachos de leves tons rúbidos caídos sobre os ombros, a camisola permitindo ver os contornos tão sensuais, não só de seus seios, mas também de todo o seu corpo esbelto, a respiração fazia mover tão vagarosamente seu peito, estaria ela sonhando?

Uma criatura tão pura adormecida nas asas de um anjo, tão delicada e ingênua num momento onde qualquer coisa poderia lhe fazer mal, estava tão entregue ao universo, seu sublime corpo tão frágil, sua alma tão solta vagueando no espaço entre a vida e a morte cruzando as ruínas do tempo, nenhum instante era mais imaculado do que quando seus olhos encontravam-se cerrados e seu ser mergulhado e envolvido nas pérfidas garras dos mais lindos sonhos.

Ela então sonhava...

Estava dormindo no silente escuro, tendo seu quarto iluminado apenas pelo prateado luar, porém não estaria sozinha... Via um rosto, tão lívido e belo quanto o primeiro e mais esperado floco de neve, cabelos tão negros quanto a noite lhe emolduravam a face, lábios pintados com o sangue que pulsava apaixonante em suas veias... Olhos tão azuis quanto o mais enfurecido mar em madrugadas de tempestade.

No sono ele veio... Veio murmurar seu nome ao pé d’ouvido.

Rosalind despertou de súbito, percebendo que não era apenas um sonho, Damian estava olhando para ela, havia tanta mágoa em seu olhar silencioso, no fundo de sua alma... Ele gritava.

___ Damian, é você? ___ perguntou ela apertando os olhos para que suas pupilas adaptassem-se à penumbra ___ O que faz aqui tão tarde? Se meu pai o descobre aqui, ele...

___ Ninguém irá nos descobrir ___ falou o jovem calando-a com sua gélida voz.

Os olhos cor de mel da moça olharam o garoto de cima a baixo e espantara-se ao ver manchas avermelhadas em suas vestes, retraiu-se na cabeceira da cama puxando o lençol lívido até a altura dos seios dizendo:

___ Há sangue em você.

___ Eu sei.

___ O que houve? Se machucou?

Calmamente Petrescu sentou-se ao lado da amada e a observou com carinho, tudo lhe era mais fácil, podia ver e sentir o que se passava ao seu redor, porém ainda era difícil saber... Conhecer... Ter certeza de algo, afinal... O Presente das Trevas fora-lhe entregue parcialmente.

___ Eu vim me despedir.

___ O quê?___ Rosie excedeu seu tom de voz exalando perplexidade diante da súbita notícia ___ Não, você não pode fazer isso, Damian, para aonde vai?

___ Para qualquer lugar bem longe daqui... Talvez Transilvânia! Lá deve ser o lugar certo para... ___ o moço emudecera, sabia que não deveria continuar aquela frase diante de Rosie, via nos olhos dela, ela nunca iria entender ___ para alguém como eu.

___ Você não está sozinho ___ disse ela aproximando-se do adolescente ___, eu sempre estarei ao seu lado, não importa o que aconteça. Não pode se afastar de mim, não agora.

___ Sei que está triste por Tristan.

___ Não tão triste quanto devia estar sua jovem noiva... E se nunca o encontrarem?

Os olhos azuis desviaram-se dos castanhos, por um instante Damian parecia aflito e pensativo, segurou a mão da garota entre as suas e voltou a encontrar o olhar dela.

___ Então será feliz com um alguém que realmente a mereça.

___ Eu quero você, Damian.

O ferreiro soltou um riso forçado acompanhado de um suspiro triste, como se achasse um elogio e ao mesmo tempo uma ofensa a declaração da senhorita Iordache.

___ É tarde demais para nós, Rosie... Sempre foi.

___ Como assim?

___ Você nunca quereria alguém como eu.

___ Eu te iubesc, Damian, e tudo que eu mais quero é estar ao seu lado. Não mais me importo com o que meus pais pensam ou até esta comuna, não mais quero que decidam meu destino por mim! Eu agora sei o que quero e é você, Damian. Draga mea, Damian.

___ Não... Você nunca estaria segura comigo. O que sou, o que fiz... Você não pode suportar este peso em seus ombros.

___ O que você fez?

___ É tarde demais para lamentar...

Damian pôde sentir o arrepio que percorreu o débil corpo de Rosalind como se fosse por sua espinha que ele havia corrido ligeiro fazendo seus pelos eriçarem.

___ Tudo que tenho neste mundo é nada... não posso mais me aproximar ou me unir a alguém, então... Antes que eu vá, quero lhe dar um presente.

Do bolso de sua camisa, o rapaz retirou um envelope e pediu para que a dama o abrisse, era um testamento.

___ O que significa isto, Damian?

___ Andreea deixara-me uma fortuna, como não vou precisar dela e... Ao amanhecer irão me declarar morto, deixo todos os bens materiais a você, quero que viva bem até não mais respirar, só assim eu estarei em paz.

___ Eu não estou entendendo, irão declará-lo morto?

___ É uma longa história, iubita mea, só peço que não me odeie ou sinta pena de mim...

___ Eu não faria isso.

Seus rubentes lábios tocaram os dela num caloroso e demorado beijo, suas mãos manchadas segurando o rosto da jovem e ao mesmo tempo enterrando seus lúridos dedos nos cabelos bronzeados, Rosie pôde sentir um sabor triste e amargo na boca de Petrescu, um sabor tão familiar...

O menino levantou-se da cama dando um suspiro e mais uma vez começou a falar, sua voz era branda e baixa, um tom cansado... Como se fosse uma tortura passar por aquele momento:

___ O corpo de Tristan está no bosque, no fundo do lago. Vă rog, faça com que tenha um enterro digno, seu pobre pai não merece padecer até a morte sem notícias do filho... Nem mesmo Tristan merece passar os anos mergulhado no esquecimento.

O jovem sabia que veria um grande temor no olhar da amada, mas o que não esperava era sua tão mórbida reação, sem perguntas, sem escândalo, apenas:

___ Como quiser.

___ La revedere, Rosie.

Rosalind o viu dando as costas à ela e rapidamente o garoto saltou pela janela, ela não foi até o parapeito na esperança de vê-lo desaparecer na escuridão muito menos levantara-se da cama, continuou fitando a janela aberta com ar pensativo, a moça começou a acariciar suavemente seu ventre e uma lágrima fugiu de seu olhar morrendo em sua boca quando disse:

___ Vamos sentir sua falta...

Damian impressionantemente chegara ao chão em um só salto. Perto da porta de entrada da casa de sua amada havia uma janela, as cortinas estavam arriadas, porém o vidro estava fechado, as luzes acesas podendo-se ver o que estaria se passando lá dentro, precisamente na sala de visitas.

O adolescente então se aproximou e espiou pelo vidro avistando os pais de Rosalind sentados. O homem numa confortável poltrona na qual lhe era de costume passar as tardes preguiçosas fumando enquanto lia o jornal local, havia um charuto pela metade em sua boca entreaberta e uma fraca fumaça ascendendo, o jornal estava em suas mãos, porém caíra amassado e sujo de sangue no chão. A mulher estava num sofá de três lugares macio e aconchegante localizado logo ao lado da poltrona do marido, segurava duas agulhas de crochê em suas mãos, porém a linha lilás havia caído como o jornal e espalhara fios rosa-claro pelos pés da senhora, o casal estava com a cabeça reclinada e havia um contínuo fio de sangue escorrendo de suas jugulares.

Damian soltara um suspiro que, sem querer, embaçara o vidro da janela, ele então sorriu e falou baixinho:

___ Noapte bună, senhor e senhora Iordache, durmam bem!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.