Nascido Do Sangue

Fatos Difíceis de Entender


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Damian despertara e sua primeira ação foi rapidamente sentar-se e observar ao redor numa rapidez inexplicável, mal abriu os olhos e já começou a explorar o lugar onde se encontrava, pensou ainda estar no bosque dormindo sobre a terra fria, protegido pelas grandes e acolhedoras árvores, mas não, estava em um quarto, um luxuoso e elegante dormitório com uma única cor predominante, o vermelho.

As cortinas de seda tão delicada que quase não escondiam os traidores raios de sol, o papel de parede liso e sem adornos, tão pobre e ao mesmo tempo tão rico, o tecido da poltrona, os objetos, os lençóis, os travesseiros, tudo era de um vermelho vivo, tão vivo quanto o sangue, seu olhar inquieto admirava cada mínimo detalhe do local, tudo era tão charmoso, tão esplêndido que não podia voltar sua atenção para outras coisas, podia passar a eternidade em um ambiente assim.

Seu passeio estava deleitoso, porém algo tirara sua concentração, um ruído vindo detrás da porta da mais bela madeira talhada e rutilante, pensou que nem o melhor carpinteiro ou artesão do vilarejo tinha a capacidade de reproduzir tal qual delicada arte, franziu a testa, levantou-se e decidiu sair para explorar o lugar onde se encontrava.

Ao descer as escadas, degrau por degrau ainda com uma leve tontura que lhe dava finas pontadas no crânio a cada vez que seus pés tocavam o piso de madeira, o adolescente deparou-se com uma ampla sala de estar com o chão recoberto com um enorme e pomposo tapete, havia dois sofás de três lugares, aparentemente confortáveis e detalhadamente trabalhados, duas suntuosas poltronas de fronte para uma majestosa lareira apagada que trazia alguns desenhos parecendo ser banhados a ouro puro, tudo era tão delicado e precisamente distribuído pelo grande lugar. Logo acima da lareira, os belos olhos azuis do moço fitaram algo que lhe chamou muita atenção...

Havia uma enorme pintura, um autorretrato, as cores sombrias e vibrantes, os traços bem trabalhados, as pinceladas precisas e suaves deram origem a um rosto, um rosto que o jovem conhecia, um rosto que nunca poderia esquecer, eis que ouvira uma voz vinda por cima de seus ombros.

___ Não é estupendo, meu de tineri?

O rapaz virou-se em direção à voz e respondeu:

___ Certamente que sim, senhor Grigore.

___ Foi feito por um artista francês, muito amigo de minha família.

___ É maravilhoso!

___ Fora um presente de aniversário, para ser sincero.

___ Quantos anos tinha na época, pois não parece que mudara muito?

___ Ora, meu de tineri, não é educado perguntar a idade de alguém, esta regra vale mais para as mulheres, mas há alguns homens que sentem-se incomodados com o modo como o tempo lhes castiga.

___ O senhor fica sempre me chamando de “meu de tineri”, mas vejo que não é mais do que quatro ou cinco anos mais velho que eu, creio que o senhor deve ter ao máximo vinte e dois anos, se não me precipito.

___ Está correto, meu... Ah, Damian, se prefere que lhe chame assim. Eu apenas tive uma rígida educação desde meus tempos de menino e a uso para qualquer pessoa de inúmeras faixa etárias, perdoe-me se não lhe agrado chamando-o deste modo.

___ Não é preciso se desculpar, apenas penso que como somos quase da mesma idade devíamos nos tratar de uma maneira um tanto menos formal, concorda?

___ Excelente ponto de vista, bem, apesar de eu não estar habituado a tratar amigos e conhecidos de um jeito menos formal, tentarei seguir estes padrões para não mais aborrecê-lo, băiat.

___ Você não me aborrece, Benjamin, eu o acho um homem muito elegante e educado, o que é rara esta combinação por aqui.

___ É uma pena, Petrescu.

___ Certamente que é.

___ Creio que deva estar com fome, prietenul meu.

___ Estou faminto!

___ Aceita fazer-me companhia no desjejum?

___ Adoraria.

Ambos sentaram-se à mesa na sala de jantar, o moço estava tonto e faminto que mal pôde perceber que a sala era profundamente escura, as janelas recobertas por grossas cortinas de veludo carmesim, apenas candelabros banhados a ouro iluminavam o recinto repleto de pinturas de anjos nus de pele alva e asas negras, o que incomodou e atiçou a curiosidade do rapaz.

Ao ser servido, o ferreiro olhou para seu prato e por mais que estivesse faminto, não sentia tanto apetite por aquela comida que estava diante de si, ficava encarando o alimento sem pensar em nada, o som de seu estômago roncando enlouquecia-o, por mais que aquele cheiro e aparência não lhe agradavam teria de comer, todavia achou estranho não querer saborear o café da manhã, tudo que estava distribuído em seu prato já havia comido antes e tantas vezes lhe despertara voraz apetite.

Começou a comer pequenas porções de ovo com alguns pedaços de pão mastigando lentamente esforçando-se para não regurgitar os alimentos, fitou o garboso rapaz na outra ponta da longa mesa que tomava quase todo o espaço do recinto e vira que não colocou nada na boca desde o momento em que o desjejum fora servido, apenas tomava goles e mais goles de vinho, um vinho tão escarlate e reluzente, aparentemente suculento.

___ Não está com fome?___ perguntou o adolescente.

___ Todas as manhãs minha primeira refeição é uma garrafa do meu melhor vinho, prietenul meu, mas aprecie a comida por mim ___ respondeu Grigore sempre tão brando e sorridente.

___ Posso apreciar também o melhor vinho?

___ Com toda a certeza, meu caro ___ disse o lorde com um sorriso ainda maior nos lábios rubentes.

Com um estalar de dedos, uma criada negra trajando roupas simples, sujas e um tanto rasgadas surgira trazendo uma garrafa da rubra bebida, despejou um pouco do líquido na taça perto do menino e logo voltou para a cozinha deixando a garrafa por perto como ordenara Benjamin.

___ Beba, băiatul meu¹.

Damian acompanhou o vinho sendo despejado cuidadosamente em sua taça com os olhos atentos, aquele vermelho tão vibrante lhe chamava e o aroma que era emanado desde o momento em que a garrafa fora aberta o estava tentando. Levou a taça à boca e sentiu o líquido escorrer doce e quente por sua garganta, já havia tomado vinho diversas outras vezes, mas esta era diferente, o sabor era completamente incomum, muito melhor, mais adocicado, mais vicioso, mais vivo e com apenas um só gole bebera até a última gota.

___ Está de seu agrado, meu amigo?

___ Sim!___ respondeu o garoto com um suspiro.

___ Oras, então beba um pouco mais, um vinho de uma safra tão boa não deve ser desperdiçado ___ sugeriu o lorde ressaltando as palavras “safra tão boa”.

O jovem nada disse, apenas encheu novamente a taça e com mais um só gole tomou todo o conteúdo sem deixar escapar uma gota, após isso novamente enchera a taça e consumira o líquido rapidamente, aparentemente podia se dizer que nem ao menos estava sentindo o sabor, mas pelo contrário, aquele sabor tão doce e morno estava explodindo em seus lábios.

Como na noite em que, como uma fera sanguinária, devorara toda a carne crua imersa em sal grosso e água na tigela sobre a pia, sua tontura havia passado apenas com poucos goles daquele vinho tão peculiar. Damian nem mesmo podia parar para conseguir encontrar as palavras certas que descrevessem tão qual sabor, mas os adjetivos “vicioso” e “irresistível” eram suas melhores escolhas.

Saboreava cada segundo com os olhos fechados, por mais estranho que pudesse parecer, o sabor o arrastava de volta para a noite em que devorava enlouquecidamente os pedaços de carne manchados de sangue, assim que o líquido tocava sua boca de forma tão suave e até lasciva, sentia a mesma e deliciosa sensação de quando teve aquela carne macia presa entre seus dentes vorazes.

Continha sua respiração e deixava mais uma vez seu paladar falar mais alto, como era magnífico o gosto daquele vinho, podia-se dizer até que era algo... Revigorante!

___ Sem dúvidas, esse é o melhor vinho que já provei ___ elogiou o ferreiro antes de acabar com o líquido num só gole.

O elegante homem do outro lado da longa mesa de madeira não perdia um só movimento do garoto, observava tudo com os formidáveis e atentos olhos azulados e um imenso sorriso em seu semblante pálido, como se aquilo fosse um glorioso espetáculo à sua vista.

___ Fico feliz que esteja gostando ___ disse Benjamin.

Em alguns poucos minutos a garrafa encontrava-se vazia e o jovem Petrescu estava completamente bêbado, em silêncio sentado na ponta da mesa, os olhos fixos na taça de cristal, com a ponta dos dedos tocava a superfície lisa e delicada num movimento repetitivo enquanto os olhos do outro rapaz estavam repousados sobre ele.

___ Acho que chega de vinho por hoje, meu de tineri.

___ Eu quero mais.

___ Mas não terá, está bêbado.

___ Eu estou bem!___ Damian aumentara seu timbre de voz, mas sua entonação era mole.

Levantando-se rapidamente, Grigore caminhou até perto do ferreiro e começou a puxá-lo pelo braço dizendo:

___ Vamos, băiat, levá-lo-ei até o quarto, precisa descansar.

___ Eu não estou cansado, eu estou bem, eu quero mais vinho ___ resmungava o menino nem mais ao menos podendo manter seus pés no chão.

Benjamin o apoiou em seu ombro e vagarosamente caminharam em direção às escadas, Damian não parava de tagarelar coisas sem sentido até chegarem ao quarto e o rico homem deitá-lo confortavelmente sobre os lençóis de cetim rubicundos.

___ Precisa dormir um pouco, meu caro.

___ Eu não quero dormir.

___ Pois bem, gostaria de alguma outra coisa?

___ Rosalind... Eu quero a Rosalind ___ falou o ferreiro baixando a voz quase transformando-a num murmúrio.

___ Ela é uma boa pedida, prietenul meu.

___ Eu quero... Eu quero...

___ Não tenho como dá-la a você neste momento.

___ Ben, eu quero a Rosalind, me traga ela, eu quero...

___ Eu poderia substituí-la, apenas por este momento, o que acha?

Os olhos do lorde fitaram a porta, uma bela mulher vestindo apenas um robe vermelho de seda brilhante adentrara o quarto e, ajoelhando-se ao lado do adolescente, sussurrou:

___ Que ótimo revê-lo, Damian.

___ Rose... ___ murmurou o garoto de olhos fechados.

___ Não... Andreea ___ falou a dama sussurrando sensualmente ao seu ouvido.

___ Achei que gostaria de passar mais uma noite com seu tão merecido prêmio, Damian ___ declarou o lorde num tom de que queria agradar o rapaz quase inconsciente sobre o leito.

O homem caminhou até a porta e enquanto a fechava lentamente, disse sua última frase:

___ Aproveite, meu de tineri, aproveite.

O ferreiro estava zonzo, sua cabeça doía e pesava, se já não estivesse deitado provavelmente cairia, estava fraco e não conseguiria manter-se em pé, ouvia Andreea sussurrando em seu ouvido, mas não podia entender o que estava dizendo, sentia suas mãos tão quentes tocando sua pele, desabotoando sua camisa, seus lábios tocando seu pescoço, abria os olhos de tempos em tempos, porém tudo que conseguia visualizar era um vulto de delicada silhueta cavalgando sobre seu corpo aparentemente morto.