Nascido Do Sangue

Eu Preciso De Sangue!


Voltando à mansão, Damian permaneceu calado durante todo o trajeto, seu corpo sacolejava feito a carruagem, porém seus olhos estavam fixos ao nada deixando com que seus pensamentos o dominassem nem mesmo o rapaz sabia no que pensar, tantas lembranças e fatos explodindo em sua mente, não mais queria chorar, queria apenas esquecer.

O ferreiro trancou-se na sala de estar, não mais tinha sequer vontade de passear pelo jardim, as flores suspiravam quando ele ali estava, suas pétalas agora tão murchas suplicavam pela pura e doce essência daquele ser inebriante desabrochando como elas, relaxando tão suave e protegido aos pés de um majestoso pessegueiro, Volte, Damian, elas diziam, Volte para nós...

Sentia que não mais valia a pena, estava tudo desmoronando e era jovem demais para entender o que estava se passando, no início do ano era apenas um menino que brincava de duelar com seu melhor amigo e ajudava o pai na ferraria, meses depois já era um rico viúvo, tão só e tão triste, tendo a incerteza de que se ainda era inteiramente humano.

Torturava-se com as lembranças que nunca seriam apagadas, o fato de estar mudando era a única coisa que ainda podia lhe assustar e fazer com que lágrimas amedrontadas escorressem por seu semblante esmaecido, como poderia sentir o cheiro do sangue das pessoas correndo em suas veias, o som do coração delas num ritmo estonteante feito música para seus ouvidos, sabia o que se passava em suas mentes, conhecia seus sentimentos, entrava nos corpos delas como se suas peles fossem o mais elegante traje ou apenas uma alegórica fantasia.

Precisava contar a alguém, porém não havia em quem confiar exceto Benjamin, que no momento era seu único amigo, o único que estava ao seu lado e que esteve desde antes de tudo acontecer, um bom companheiro tão sagaz e sério, entretanto surpreendentemente confiável, precisava vê-lo, falar com ele, contar tudo que lhe afligia, mas teria de esperar até a noite, pois o mordomo havia dito que novamente tivera um compromisso com um rico fazendeiro da Transilvânia e prometeu voltar assim que a lua despontasse alta e lúrida no céu.

Para a tristeza do adolescente, naquela noite o amigo não voltara. Passaram-se dois longos dias e noites e Petrescu ficara sozinho na mansão sem ter com quem conversar, afogado em sua própria dor, sufocado pelo silêncio, deixando com que o tédio o roesse até os ossos, pois nada poderia ou queria fazer.

Encontrava-se na sala de estar desfalecido no elegante sofá, os olhos abertos fixos nas chamas trêmulas que emanavam da lareira antiga, ouvia-se apenas o baixo ruído da lenha a crepitar, tornando-se cinzas e um fraco aroma de madeira empesteava o lugar, mais uma garrafa de vinho vazia dentre três espalhadas pela sala, as últimas gotas restantes manchando o tapete, que não importasse o quanto fosse lavado, o vermelho arroxeado jamais iria se desvencilhar do tecido.

___ É um espetáculo e tanto!___ soou uma grave voz por detrás do rapaz distraído com os sensuais movimentos que as chamas faziam.

Damian reconhecera e absorvera aquele tom como um sopro de vida invadindo-lhe os pulmões, um alegre som que o fizera saltar do sofá e pronunciar com entusiasmo aquele nome:

___ Benjamin!

___ Quem mais seria? Vlad Tepes?___ zombou soltando um riso irônico.

___ Você esteve na Transilvânia ___ brincou o rapaz, contudo, sem perder o tom sóbrio e funesto de sua voz ___, pode ter trazido macabras lembranças de lá.

___ Ora, mas que espirituoso de sua parte, meu de tineri, mas confesso que fora um bom passeio e, aquele castelo é magnífico! Adoraria ser proprietário de um castelo como aquele.

___ E assistir às sessões de empalação durante o jantar?

___ Não seria uma má ideia, estou vendo um pingo de maldade brotando em você, meu caro ___ disse o outro em tom animado.

Logo o belo menino voltou a ter sua face beijada pela tristeza e sua voz soou melancólica ao inquirir:

___ Por que demorou tanto?

___ Estava resolvendo alguns assuntos ___ respondeu Grigore jogando palavras ao vento enquanto tocava de forma curiosa um retrato de Andreea com moldura de ouro sobre a lareira.

___ Que assuntos?

___ Nada que seja relevante, draga mea.

___ Por que nunca me conta sobre o que faz?

___ Ora, Damian, não há segredo algum, apenas tenho que resolver alguns assuntos inacabados de meu pai com fazendeiros e comerciantes locais, nada que queira saber ou deva se preocupar.

___ Seu pai faleceu?___ perguntou o adolescente com o tom de curiosidade de uma criança.

___ Sim, há alguns anos.

___ Sinto muito.

___ Não precisa sentir. Nem mesmo ele era digno de sentimentos ___ falou o sujeito com ar sombrio.

___ Que tipo de assuntos ele deixou inacabados?

O lorde soltou um suspiro impaciente e virou-se para o moço respondendo:

___ Dívidas.

___ Mas se você é tão rico como diz que é, por que se preocupar com estas tais dívidas?

___ Ah, meu de tineri, ainda é tão jovem para entender tais complicações.

___ Então por que não me explica?

___ Uma outra hora, estou exausto da viagem.

Grigore quase pisou na garrafa vazia sobre o tapete, pegou-a e olhou para o menino com sinal de desapontamento em seu rosto.

___ Andou bebendo de novo?

___ Eu precisei.

___ Saiba que isto não irá fazê-lo esquecer, mais cedo ou mais tarde, as lembranças voltarão para lhe assombrar.

___ Eu sei, Ben. Elas vêm todas as noites.

___ Como assim?

___ Se não bebo tenho pesadelos, terríveis sonhos nos quais sinto a presença de várias mulheres conhecidas minhas, inclusive Andreea. Elas me cercam, me assustam, tentam matar-me de medo, não sei ao certo se são apenas sonhos, pois são tão reais...

Grigore gargalhou como se novamente estivesse zombando do perturbado adolescente.

___ Ora, meu amigo, já não és mais uma criança para crer em fantasmas, certo?

___ Eu sei, mas...

___ Mas o que?

___ Todas as mulheres que vejo, têm algo em comum.

___ O que seria?

___ Eu não sei ao certo, mas... Parece que morreram de uma mesma forma, Ionela, Mihaela, Andreea, Viorica... Oh, meu Deus, Viorica! Preciso vê-la, preciso saber se está bem!___ falou ele saltando do sofá, porém sendo impedido de sair do local pelo amigo.

___ Espere, Damian.

___ Não posso esperar, Ben, sinto que algo acontecera à ela, preciso saber!

___ Damian, acalme-se, está bem?

___ Não posso acalmar-me, Grigore, sinto que algo de muito ruim aconteceu à Viorica, preciso vê-la!

___ Damian, olhe para mim!___ vociferou o elegante homem segurando o rosto do adolescente entre suas lívidas mãos e olhando fixamente em seus olhos ___ Está tudo bem com Viorica, nada aconteceu à ela, você apenas está alterado por conta do álcool, certo?

Após alguns segundos em silêncio fitando o sujeito tão semelhante a si, Petrescu falou:

___ Certo, certo, tem razão...

___ Agora acalme-se, băiatul meu , está tão pálido... Não tem se alimentado corretamente?

___ Há tempos não tenho tido apetite.

___ Ora e por que não?

Damian sentiu seu coração bater tão forte que quebraria seus ossos, rasgaria sua pele até saltar de seu peito, um nervoso calor se alastrou por seu corpo e um nó em sua garganta fazia com que sentisse dor ao engolir em seco, temia contar a verdade e Benjamin assustar-se. Fechou as portas da sala de estar e encostado à elas, mirou os olhos do amigo.

___ Acho que há algo de muito estranho acontecendo comigo.

___ E o que poderia ser?___ indagou o donaire rapaz seriamente.

___ Gostaria de saber. Estou assustado, Benjamin, não sei o que faço ou a quem contar!

___ Conte para mim.

___ Não sei se devo... Não quero assustá-lo.

___ Seja lá o que for... Não irá me assustar, garanto-lhe.

O tom de voz de Ben era um tanto obscuro, porém reconfortante, não sabia ao certo o por que, mas o moço sentia que podia confiar naquele sujeito. Resolveu arriscar.

___ Sinto que estou mudando... Tudo ao meu redor está diferente, até mesmo por dentro... Me sinto outro ser, algo que não sou ou até posso ser, somente ainda não descobri.

___ Estas mudanças são comuns, prietenul meu, em algum momento da vida todos passamos por elas.

___ Não, não, Ben, não é o que está pensando, é mais.

___ Quanto mais?

___ Eu não sei, é cada vez mais intenso e ao passar de cada dia, está me torturando, me enlouquecendo. Como um ser dominado por uma estranha abstinência, um pérfido vício... Eu quero o que ninguém mais quer, eu imploro, eu peço... Eu preciso.

___ E o que seria?

Os olhos feito safiras penetrantes mirando Benjamin e então a resposta saiu rouca e desesperada:

___ Sangue. Animal ou humano, não importa! A questão é... Eu preciso.