Até o dia seguinte, decidiu esquecer o que havia acontecido, tudo até o momento em que estava na cozinha quando os empregados trouxeram as galinhas mortas, pensou ser apenas fruto de sua fértil imaginação que nunca se cansava de lhe pregar terríveis e cruéis peças. Pensou em ocupar-se com qualquer outra coisa para distrair-se, como ir buscar seu fraque feito por encomenda para o baile daquela noite, por mais que julgasse aquilo desnecessário, não dizia nada a Andreea, pelo contrário, deixava que ela o bajulasse, sabia que isso a fazia feliz.

Ao terminar seu banho, o rapaz estava enxugando seu corpo quando notou algo estranho em sua coxa, uma marca, mais parecida com um arranhão, observou claramente e constatou de que se tratava mesmo de marcas de unhas, então lembrou-se do que achou ter sido um sonho, a aparição de Ionela ao aproximar-se de seu corpo cravando suas unhas em sua coxa.

O garoto olhou novamente para o hematoma em sua pele, riscos avermelhados que podiam ser facilmente notados em uma cútis tão pálida que nem ao menos parecia ter veias cheias de sangue correndo sob ela, sua respiração tornou-se ofegante à medida que seu coração acelerava as batidas, uma fria brisa de fim de tarde entrou pela janela aberta apagando as velas dos lustres pregados em cada canto dos aposentos, o jovem assustou-se quando ouviu alguém bater na porta.

___ O que é?___ inquiriu ele.

___ Damian querido, está tudo bem?___ perguntou a donzela rica do outro lado do cômodo, parecia preocupada.

___ Está sim.

___ Já está pronto? A carruagem vai chegar a qualquer momento, é uma viagem longa até Bucareste e não queremos nos atrasar.

Petrescu odiava o modo como a viúva falava na primeira pessoa do plural, como se ela soubesse o que ele queria ou deixava de querer.

___ Aguarde alguns minutos, dragul meu, já irei descer ___ respondeu o moço tentando ser gentil ocultando seu nervosismo.

___ Tudo bem, querido.

Por mais que não gostasse de todos estes paparicos da parte da bela dama solitária, tinha de admitir, cada roupa, cada sapato, cada cuidado direcionado somente para ele, era algo admirável, tudo tão rico em detalhes e altamente valioso, talvez estivesse sendo ríspido com as atitudes da viúva, deveria dar uma chance e apreciar o luxo e o requinte que agora faziam parte de sua vida, pois não sabia até quando teria o privilégio de desfrutá-los.

Olhava para cada peça delicada estendida sobre a cama, pareciam ter vida própria, sua camisa de pálida seda escondida por dentro do fraque que estava sob suas calças cujas pernas caíam a ponto de quase tocar o chão e, bem perto havia seus brilhantes sapatos, via-se dentro daquelas roupas, ali estirado sobre os lençóis feito um anjo caído, seus braços estendidos tentando abraçar o largo colchão, suas pernas pendidas e a ponta de seus pés acariciando o chão de madeira.

Damian sentia-se como uma traiçoeira serpente que havia acabado de trocar de pele, não usaria mais calças sujas de serragem ou queimadas por faíscas, não mais vestiria um horrendo avental de couro ou luvas de mesmo material, somente roupas tão suaves e elegantes quanto o beijo refrescante de uma brisa de primavera.

Encarou-se diante do espelho com os olhos reluzentes, o pouco tempo que passara naquela mansão estava despertando seu lado narcisista, o qual não suspeitava que pudesse ter, admirou-se com suntuoso olhar, não surpreendia-o naquele instante o fato de as mulheres o desejarem tanto, parecia um digno lorde europeu, a pele tão ebórea quanto a neve, os cabelos tão negros quanto a noite, seus lábios uma vez tão vermelhos quanto o vinho e seus olhos, seus misteriosos e exuberantes olhos tão azuis quanto safiras valiosas e brutas esperando para serem lapidadas revelando assim um oculto e sublime brilho, tudo em seu corpo era motivo para despertar libido e paixão e naquele momento, ele soube disto.

Desceu até a sala de estar, onde encontrou Andreea andando de um lado a outro segurando o longo vestido para que não tocasse o chão ou eventualmente tropeçasse em sua impaciente espera pelo acompanhante, quando o viu, imediatamente começou a falar:

___ Ah, já não era sem tempo, a carruagem acabara de chegar e você ainda não havia descido, pensei que...

O rapaz a calou com um ardoroso beijo, diferente de todos os outros, naquele momento ele queria sentir a essência dos carnudos e escarlates lábios da mulher, após suas bocas se distanciarem, ele abriu um sorriso dizendo:

___ Estou aqui, meu bem.

___ Estou vendo agora ___ suspirou a dama quase sem fôlego diante da ação repentina do adolescente.

___ Podemos ir?

___ Mas é claro.

Durante toda a viagem, o jovem ouvia atentamente a viúva falar sobre o Conde de Bucareste, o quanto era poderoso e abastado, poderia ter a esposa que desejasse, tomava posse de tudo que lhe conviesse e matava a sangue frio quem cruzasse seu caminho, esquecendo momentaneamente estes detalhes, ouviu-a dizer também o quanto ele era convencido, adorava elogios e não sabia diferenciar sinceridade de falsidade, pois seu ego era do tamanho de uma montanha.

Damian fitava precisamente os lábios da mulher, via o modo como se movimentavam e procurava distinguir cada momento em que sua voz alterava-se, com isto pôde perceber que em uma de suas aventuras eróticas, a senhorita Voiculescu já havia dormido com este Conde, notou que ela não mencionara o fato, mas ficou nervosa e falou pausadamente quando tocou no assunto de que o homem adorava mulheres comprometidas, ainda mais com amigos seus.

O garoto sorria e balançava lentamente a cabeça, notava que Andreea falava cada vez com mais satisfação quando via que o amante estava prestando atenção e parecia interessado em suas tolices, porém ele estava mesmo interessado e atento, a felicidade e euforia da jovem viúva o alimentavam com um júbilo indescritível, se ela se entristecesse, a tristeza dela tornar-se-ia sua, era como se naquele instante, estivesse conectado à bela dama de uma maneira que não sabia detalhar.

O brilho que emanava dos olhos dela era um resquício de prazer para a alma do jovem Petrescu, estava deleitando-se daquele momento mais do que das vezes em que invadia de forma tão voraz o corpo daquela mulher. Ela não era mais uma mulher, mais uma vez era uma criança apenas querendo atenção e ele não era mais um garoto, era um amoroso pai que a pegava no colo e não ouvia somente suas palavras, mas o som de seu coraçãozinho batendo tão lento e tão rápido ao mesmo tempo, era um ritmo mais do que regozijante, era uma sensação mais que excitante.

Petrescu percebia que a cada vez que Andreea agia daquela forma, algo nascia em seu peito, algo tão inocente e tão cândido que não podia comparar com nada que conhecia ou conhecera. Queria sorrir, suspirar e poder passar a eternidade ouvindo-a tagarelar, pois a achava engraçada e sublime ao mesmo tempo, imatura e vivida, graciosa e desastrada, admiravelmente risível e doce, algo que alternava suas sensações e percepções a cada ato ou palavra pueril que ela exprimia.

Passando-se quase duas horas e meia de viagem que mais pareceram dois minutos, pois a atenção destinada à Andreea era tão sobrenatural que o ferreiro mal pôde explicar a si mesmo, a carruagem finalmente detivera-se e o cocheiro abrindo a porta, avisou:

___ Chegamos.