Estava uma manhã nublada, ventava muito, uma brisa fria, porém delicada quanto um floco de neve, isto era sinal de que o outono se aproximava ou era apenas mais uma das chuvas de verão, alguns habitantes do vilarejo compareceram ao enterro de Andreea Voiculescu, havia um círculo de pessoas em volta do caixão, ao lado estava uma profunda cova onde logo após as palavras do padre alguns homens iriam baixá-lo e cobri-lo de terra cravando uma singela cruz com o nome dela escrito.

Apenas Damian e o Padre Cosmin estavam próximos ao caixão, o homem com uma negra batina segurando a bíblia aberta em suas mãos enquanto o adolescente estava com um sóbrio e elegante terno de cor equivalente à batina, estava magnífico tal qual um anjo caído, sempre que trajava vestes enegrecidas sua palidez excessiva realçava-se, assim como seus olhos, que tornavam-se ainda mais azuis do que de costume. Seu rosto intacto como o de uma estátua de mármore esculpida pelo mais prestigioso artista, seus cabelos de tempos em tempos ocultavam esta obra-prima quando o vento arrastava algumas mechas.

O vento também levava para longe o som imponente da voz do Padre Cosmin, era o único barulho a quilômetros, tudo e todos estavam mergulhados em um lúgubre silêncio. Ionel e Viorica também compareceram, o filho pediu ao mordomo para comunicar-lhes, ao vê-los sentiu-se mais forte, o que lhe incomodou foi ter visto a família Dumitrescu, sabia que o falecido senhor Voiculescu e Florin Dumitrescu eram sócios e amigos há anos, mas ver Tristan agarrado à Rosalind era demais para o jovem.

Tentou não se exaltar, pois seria um desrespeito para com o pai de seu inimigo, para com as pessoas ali presentes e para com Andreea, que não merecia um tumulto justo no momento de sua partida. Fixou seu olhar novamente ao caixão e buscou ouvir as palavras do Padre Cosmin, embora fossem reconfortantes de nada valiam para ele, pois não julgava-se religioso.

O momento de baixar o caixão fora o mais triste para o garoto, todos ali jogaram rosas enquanto aos poucos o cadáver frio da jovem viúva caminhava para o descanso infinito, agora ela estava junto de seu marido, o homem que nunca amou, casou-se forçada e com o casamento foi-se a alegria, foi-se a inocência, foi-se a infância, teve de aprender de uma maneira ou outra a crescer, a ser mulher e a esconder seus sentimentos, pois nesta sociedade cruel uma mulher tem apenas o dever de ser submissa e jamais questionar.

Uma lágrima rolou e a brisa a beijou tornando-a um rutilante diamante em seus olhos e assim a cerimônia findou-se quando uma lívida cruz foi fincada sobre a terra fofa onde estava escrito com grandes letras desleixadas apenas o nome da mulher e nada mais.

Aos poucos, as pessoas iam embora, algumas despediam-se do menino, mas outras partiam sem nem ao menos dar-lhe uma palavra consoladora, no fundo Damian realmente não importava-se, mesmo que lhe dissessem qualquer coisa não iria ouvir, estava deprimido e queria apenas fugir e esconder-se na escuridão onde ninguém pudesse vê-lo.

___ Damian?___ ouviu uma doce voz por detrás de si.

Ao virar-se encontrou os olhos brandos de Rose, sentia que sua tristeza era real, mas sabia que não era pela morte de Andreea, mas por vê-lo daquela maneira, ambos se amavam, entretanto só o moço podia saber o que ela estava sentindo ou pensando por conta de alguma força sobrenatural que não podia explicar.

Julgou isto sendo até um pouco injusto, ele podia saber da bagunça emocional que ela carregava naquele jovem coração enquanto seus pensamentos e sentimentos eram um completo e intrigante mistério para a donzela. Queria, mais que qualquer coisa, que ela pudesse, algum dia, saber da dor que ele levava e que a cada manhã tornava-se mais pesada.

___ Rose...

A senhorita o abraçou tão forte como se fosse a primeira vez que o via há muito tempo, o calor dela junto ao corpo de Petrescu fora o bastante para sentir-se desventurado, naquele momento ela era seu pior consolo.

___ Eu sinto tanto por você ___ as palavras eram amenas e sinceras, o que fora um pouco reconfortante.

___ Obrigado.

Tocando suavemente o rosto do rapaz, a jovem indagou-lhe:

___ O que fará agora?

___ Tentarei esquecer...

___ É um bom começo.

___ E você?

___ Bem, eu...

Antes que pudesse concluir a frase, Tristan aproximou-se passando um de seus braços em volta da cintura da garota.

___ Rosalind ___ disse ele em tom autoritário e reprovador.

___ Eu... ___ começou a jovem um tanto incerta em prosseguir ___ Só estava dando minhas condolências ao Damian.

O jovem notou o medo que a amada tinha em relação ao inimigo, sentia que já fizera algo ruim contra ela, não precisava ter dons inexplicáveis para ver isto.

___ Meus pêsames, meu amigo.

___ Eu não sou seu amigo ___ falou Petrescu por entre os dentes, tentando conter uma fúria que mal conhecia o tamanho e a força, mas sabia que era amarga.

___ É uma pena ___ Tristan deu de ombros ___, saiba que somente tem a perder com isto.

___ Vai pro inferno ___ maldisse o rapaz.

___ Ainda deve estar perturbado com a morte da viúva, certamente ela era uma mulher muito atraente. Uma dessas meretrizes é raro por aqui, certamente fará muita falta.

O adolescente enraiveceu-se, não admitia que mais ninguém referisse-se à Andreea de maneira tão frívola, nenhum dos homens que se deitara com ela a conhecera tão bem quanto o garoto em apenas alguns míseros meses, fora tão pouco tempo, mas o suficiente para entendê-la perfeitamente.

Damian envolveu seus pálidos dedos no colarinho do terno de Tristan, a recordação de quando o “amigo” lhe dera a notícia de seu noivado com sua amada jovem estava viva e tremulante em sua mente como uma chama recém-acesa, queria desgrudar os dedos do colarinho e grudá-los no pescoço do rapaz, assim como naquele dia, mas desta vez queria sufocá-lo aos poucos, ver seus olhos saltarem das órbitas e Dumitrescu perder aquele tom dourado por causa do sol e aos poucos adquirir um tom de roxo.

___ Nunca mais fale sobre Andreea desta forma, está me ouvindo? Nunca mais nem toque no nome dela! Fui claro?!

A voz do garoto saiu grave, quase gutural e era explícita a sanha contida que logo viria à tona se Tristan continuasse debochando do rival com seu largo sorriso de orelha a orelha.

Todos ali presentes direcionaram seus olhares para os dois meninos, Rosalind sentiu o ardor correndo por suas bochechas, seu coração disparou, porém aquilo não era vergonha, não... Na verdade, estava pouco se importando para os olhares desaprovadores, mas sim nervosa, temia por Damian, mas o que a senhorita Iordache não sabia, era do episódio ocorrido entre ele e Tristan na casa de Petrescu, se soubesse, provavelmente não estaria nem um pouco preocupada.

___ Damian, por favor, largue-o!___ pediu a garota tocando um dos braços do adolescente.

Damian, por um momento, teve uma leve sensação de contentamento, queria rir, um riso frouxo e suave, mas não feliz, Rosalind não sabia do que ele era capaz, não sabia do que fizeram com Tristan naquele dia, Dumitrescu não havia contado a ela, vergonha talvez? Pouco importava, Rose não sabia e seria melhor que por enquanto ainda não tomasse conhecimento, aquilo fora como um anestésico para sua ira.

Petrescu fora afrouxando seus dedos e logo os desvencilhou do tecido fino do terno de Tristan, tudo que fez em seguida, fora respirar fundo e despedir da dama dizendo:

___ Adeus, Rosalind, desculpe-me ser tão rude, mas preciso ir ou farei algo de que vou me arrepender.

Dito isto, distanciou-se do casal.

Dumitrescu ajeitou seu colarinho e apertou a senhorita Iordache junto ao seu corpo dizendo em seu ouvido:

___ Eu não quero nunca mais vê-la junto dele outra vez, será que fui claro?

___ Sim ___ respondeu Rose triste e lutando para as lágrimas não caírem sobre seu rosto.

___ Vamos agora ___ ordenou o rapaz puxando-a pelo braço.

A alguns passos de distância de Tristan e a jovem, Damian virou-se e pôde ver que Rose também fizera o mesmo, seu olhar estava molhado, seu rosto estava pálido e por um instante pensou ter ouvido a voz de seu âmago gritando por socorro...

Damian, me ajude! Por favor, Damian... Não deixe ninguém me machucar.

Seu coração sangrou, estava acabando de enterrar uma mulher tão querida enquanto outra partia para algum lugar longe de seus olhos, porém não importava onde estivesse, ele sempre poderia ouvi-la.

Sentiu um toque tão quente cruzando suas costas até seu pescoço, virou-se e abraçou fortemente Ionel, que enterrava suas mãos nos trevosos cabelos compridos do filho. Estava insuportável reter seu pranto, mas Petrescu não era mais um menino assustado que desmanchava-se em lágrimas nos braços da ama ou de seu pai.

___ Eu estou aqui, fiul meu.

Ionel sentiu as lágrimas do garoto molhando seu fraque, apenas isso e nada mais. Um fluido tristonho e quente seguido de sufocados gemidos. Ionel não iria exigir coisa alguma do filho, sabia que todas as suas forças e até sua paciência estavam esvaindo-se pelos olhos.

___ Vamos, vamos pra casa.

Durante todo o caminho o rapaz permaneceu emudecido, os olhos fixos em algo que mais ninguém podia ver, o nada. O nada que o fazia lembrar-se de tudo e sabia, que a culpa pela morte de Andreea jamais lhe abandonaria.

Chegando à sua antiga morada, a primeira coisa que fez foi subir para o quarto, queria permanecer trancado ali por toda a eternidade, deitou-se na cama sentindo as fibras roçarem em sua pele, um contato que há muito não tinha e sentia uma terrível saudade daqueles lençóis. Escondeu o rosto úmido no macio travesseiro, o aconchegante travesseiro no qual presenciou tantas noites atormentadas, podia jurar que aquele objeto poderia até ler seus pensamentos a um simples toque de sua cabeça e continuou a chorar, pequeninos e frágeis diamantes. A melancolia parecia ter-lhe dado um toque a mais, sua beleza tornara-se ainda mais sublime e mais tênue quanto um cristal, um agressivo toque e tudo se transformaria em cacos.