Encontrei meu mentor e o tributo masculino dentro do trem, no vagão restaurante. Ele nos deu algumas dicas de sobrevivência, como o que fazer com um machucado, onde há maior possibilidade de encontrar água e outras coisas que para mim pareciam óbvias. O menino, porém, ouviu tudo com muita atenção. Mas ele falou algo que me deu o que pensar: “só participem do banho de sangue na Cornucópia se tiverem plena confiança de suas chances de saírem vivos.”

Depois disso, fomos dispensados para nossos quartos e/ou para assistir as reprises das outras edições dos Jogos. Eu fui para o meu quarto e me sentei na cama. Fiquei pensando por algum tempo nas minhas chances no banho de sangue. Bom, eu era bem rápida. Provavelmente mais rápida que alguns carreiristas. Mas eu não era forte; muito pelo contrário. Meu corpo alto e esguio não fora treinado para luta corpo a corpo. E eu não sabia como portar nenhum tipo de arma. O que eu faria para sair viva da Cornucópia? Correria até ela, pegaria uma mochila e me afastaria dos outros carreiristas com toda a velocidade que minhas pernas me proporcionariam? Não era uma ideia de todo ruim. Mas haveria 23 outros tributos, 22, se o tributo do meu distrito não tentasse me matar também. As chances de alguém me acertar eram bem grandes. Se eu corresse para a direção oposta, poderia achar um esconderijo rapidamente e me afastar da chacina.

Então, entre prós e contras, a melhor opção seria não correr para a Cornucópia.

Já deviam ter se passado algumas horas desde que entramos no trem, pois uma avox interrompeu meus pensamentos ao bater na porta e sinalizar para o vagão restaurante.

A mesa estava muito cheia. Nunca havia passado fome em casa, mas não estava acostumada com o luxo desse trem. Havia comida ali para alimentar minha família por uma semana. E tudo parecia delicioso. Sentei-me ao lado do mentor e comecei a comer. Eu o conhecia devido a todos os seus anos de exposição pública na colheita. Seu nome era Casio Ruthdorn. Devia ter cerca de trinta e poucos anos. Era alto, mas não muito forte. Cabelo castanho escuro e olhos bem verdes. Ele perguntou se nos sentíamos preparados para entrar na arena. O menino respondeu:

- Estou confiante. Minha estratégia será formar uma aliança com os carreiristas. Acho que assim minhas chances serão maiores.

- Muito bem, Torn. E você, garota? O que vai fazer?

- Eu... Vou ser rápida. Só isso. – respondi, despertando olhares curiosos sobre mim.

- Se você acha que tem chances de vencer assim, boa sorte – disse Casio – Mas eu acho que deveria ter um plano em mente. De qualquer maneira, que a sorte esteja ao seu lado.

Terminamos de almoçar ouvindo Casio dar dicas sobre a arena. Sobre como identificar armadilhas, como apagar nossos rastros e como conservar alimentos por mais tempo. Ele era um bom mentor, no final das contas. Comi até me sentir bem cheia. Levantei, deixando as avox limpando a mesa que permaneceu praticamente intocada, e fui assistir às reprises dos Jogos. Sentei-me em uma poltrona, e o menino, Torn, se sentou num sofá de couro vermelho. Os jogos em questão eram os que Casio havia vencido. A arena era um tipo de faroeste, com pequenas áreas de vegetação densa o suficiente para ser considerado um bom abrigo. Parecia fazer um calor extremo e não havia nenhuma nuvem no céu para esconder o sol. Depois de alguns minutos de silêncio, Torn falou:

- Acho que não fomos devidamente apresentados. Meu nome é Torn Gurden. Como você se chama?

- Meu nome é Meredith Kabbe – eu disse, e trocamos um rápido aperto de mãos.

- Então, Meredith, você realmente não tem uma estratégia em mente?

- Na verdade, eu tenho uma ideia, sim. Mas prefiro não falar disso com você, pois não sei até que ponto será benéfico trocarmos informações pessoais.

Ele arregalou um pouco os olhos, fazendo as grossas sobrancelhas negras se elevarem. Acho que esperava conseguir uma aliada com a conversa amigável. Mas eu definitivamente iria me virar melhor sozinha.

- Ok, então, nada de alianças – Torn disse, confirmando minha suspeita.

- Cada um por si – falei, e olhando para a televisão, terminei a conversa que não nos levaria a lugar nenhum.

A viagem à Capital levou 2 dias. Assisti muitas das reprises dos Jogos, e desfrutei das experiências que Casio nos passou. Chegamos à Capital à noite. Foi a coisa mais bela que eu vi em toda minha vida. As luzes em prédios que pareciam não ter fim. Pessoas estranhas e curiosas aguardando a chegada do trem. Eles estavam nos saudando. Esperando ansiosamente nossa chegada. Abanavam, mandavam beijos. Como se fôssemos queridos. Como se fôssemos famosos. Fiquei hipnotizada, olhando para aquele novo mundo por uma pequena janela, até que meus devaneios foram interrompidos por Casio, que surgiu silenciosamente ao meu lado e disse:

- Seja bem vinda a sua nova vida.