Esta fazendo um dia quente na Califórnia. A luz do sol bate no asfalto da estrada, criando pequenas ilusões de óticas. Neste dia, David Smith cruza a estrada a bordo de seu caminhão. O veiculo é um enorme caminhão trator, da cor branca. David o chama carinhosamente de Golias.

Enquanto o poeirento deserto Californiano passa pela janela, David olha para o relógio do painel. O caminhoneiro teme não conseguir entregar sua carga a tempo. Já esta meia hora fora do cronograma. Entretanto, ele e Golias já estiveram em situações piores, e ainda não haviam atrasado uma carga. Naquela região, a estrada não é muito movimentada, o que permite uma boa velocidade. David sabe que tudo que tem que fazer para entregar a carga no prazo, é atravessar a montanha em um bom tempo.

David vê um Renault Clio se aproximando pelo espelho retrovisor. Um pouco contrariado, o caminhoneiro dá passagem para que o carro possa passar. Smith observa o veiculo ultrapassá-lo, e ficar a frente do Golias. Da janela traseira do Renault, dois meninos mostram a língua e giram o dedo indicador do lado da cabeça, imitando malucos

David balança a cabeça de forma reprovadora, enquanto o Renault ganha distancia na estrada. Enquanto os dois veículos se aproximam de um despenhadeiro, o caminhoneiro decide reduzir sua velocidade por segurança. Entretanto, mesmo retirando o pé do acelerador, a velocidade não diminui, pelo contrario.

DAVID

- Mas o que?

O caminhão avança velozmente pela estrada, começando a se aproximar do Renault. David tenta pisar no freio, mas este se encontra rígido feito uma pedra. O caminhoneiro tenta desligar a embreagem, mas apesar de seus esforços, a alavanca não se mexe um centímetro sequer.

O desespero de David cresce à medida que o ponteiro do acelerador avança no painel. O carro dá frente começa a sinalizar para que o caminhão passe, mas é inútil. Golias avança impiedosamente contra o Renault, atingindo com força o para choque traseiro. O caminhão se afasta, e investe novamente contra o carro. David percebe com horror que Golias não parece estar desgovernado, mas sim atacando o carro deliberadamente.

O caminhão ultrapassa o Renault, ficando ao lado dele. O carro esta encurralado contra o despenhadeiro. David pode ver uma mulher na janela do veiculo ao lado. Há uma expressão de puro pavor no rosto dela. Golias abalroa o Renault, que se descontrola, e cai no despenhadeiro. O veiculo capota algumas vezes, até enfim explodir.

Um grito morre na garganta de David Smith. O caminhoneiro lembra-se da mulher o fitando de dentro do carro, como se ele fosse um monstro assustador. Mas o monstro não era ele, e sim o caminhão. Golias matou propositalmente uma família inteira. Era simplesmente surreal.

O caminhão continuava seu trajeto na estrada. O Golias parece ser seu próprio senhor agora. David pega o radio comunicador, pronto para pedir por socorro.

DAVID

- Alguém nesta freqüência? Houve um acidente! Meu caminhão esta fora de controle!

Não há respostas no radio, somente um chiado. David larga o fone consternado. Esta preso dentro do próprio caminhão. O homem começa praticamente a chutar o freio, mas este continua firme como rocha.

DAVID

- Tem que ser um pesadelo! Um maldito pesadelo!

Em resposta aos gritos de David, o ar condicionado desliga. Em um acesso de pânico e raiva, o caminhoneiro começa a dar cotoveladas no vidro da janela. Em resposta, o caminhão freia bruscamente. David bate com força a cabeça na direção, mal ouvindo o característico som dos freios do caminhão.

O caminhoneiro ergue a cabeça zonzo, e com a visão um pouco turva, contempla a estrada que volta a ser engolida pelo Golias à medida que ele retoma seu trajeto. David entende que acaba de receber um recado bem claro. E o recado era “Fique quietinho, ou pode se machucar”. David decide acatar esta ordem, pelo menos por enquanto.

Durante meia hora, o enorme veículo seguiu há uma velocidade média na estrada, sem encontrar viva alma. Mas apesar de somente meia hora terem se passado, David teve a sensação de que estava preso naquela boléia há muito mais tempo. E neste tempo, um turbilhão de perguntas passou por sua cabeça. Como era possível que Golias, o caminhão que dirigiu durante anos, adquirisse vida de repente? E por que o maldito jogou uma família inteira despenhadeiro abaixo? O que faria quando o caminhão enfim chegasse a um lugar habitado? Será que conseguiriam resgatá-lo?

David é arrancado destes devaneios quando sente o caminhão acelerar uma vez mais. O caminhoneiro consegue ver ao longe alguém mexendo em uma moto no acostamento. Quando vê o ponteiro do acelerador avançar sem parar, David entende que a sede de sangue de Golias ainda não acabou.

O caminhoneiro tenta usar a buzina para alertar o motoqueiro, mas a buzina simplesmente se recusa a tocar. David começa a se desesperar. Não quer ver seu caminhão tirar mais uma vida. Ele pega o extintor embaixo do banco, e com toda a força que pode, o atira contra a janela. O cilindro metálico atravessa o vidro com estardalhaço, e cai picando na estrada.

No acostamento, o motoqueiro, que havia ficado sem combustível, faz sinal para o caminhão parar. O rapaz pensa que o motorista possa ter um radio com o qual ele possa pedir ajuda. Entretanto, o motoqueiro se assusta o ver um extintor ser jogado para fora da boléia do veiculo.

Na boléia, David chuta os cacos restantes da janela, e segurando- se entre o volante e o teto, estica o corpo para fora do veiculo, onde começa a gritar desesperadamente.

DAVID

- Saia daí! O caminhão quer te matar! Saia daí!

O motoqueiro olha aquilo sem entender. Ele não consegue ouvir o que o caminhoneiro esta gritando da janela do caminhão. O enorme veículo se aproxima cada vez mais, sem reduzir a sua velocidade.

DAVID

- Cuidado!

Antes que o motoqueiro tenha tempo de esboçar qualquer reação, Golias vira-se bruscamente para o acostamento, acertando o pobre homem em cheio. Sangue mancha o para choque do enorme caminhão. As rodas do caminhão passam sobre o corpo do motoqueiro como se passassem por cima de um pequeno quebra molas. A moto fica presa no para choque, sendo arrastada pela estrada enquanto libera faíscas.

David mal tem tempo de lamentar, pois a porta do caminhão abre-se sozinha, fazendo com que o caminhoneiro perca o equilíbrio. Ele só não cai no asfalto, pois se segura na própria porta. A porta de Golias começa a bater sozinha, na tentativa de derrubar David, que se segura firmemente. A velocidade do enorme veículo diminuiu consideravelmente, devido à moto presa em seu pára-choque, mas a moto já começa a escorregar. Percebendo que se não agir agora, ficara preso de novo, David pula.

O homem cai de pé no acostamento, sentindo os joelhos estourarem, mas continua correndo, esforçando-se ao maximo para que a gravidade não o jogue no chão. Enfim, deixa-se cair rolando sobre a terra britada, sentindo os músculos protestarem em pequenas explosões de dor.

Ainda jogado no chão, David ouve Golias frear, o som mais parecendo o resmungo de uma fera contrariada. O homem ergue a cabeça, vendo seu velho caminhão parado na estrada, ainda com o motor ligado. O veículo começa a manobrar, deixando claro que não vai desistir tão fácil de seu antigo dono.

Ainda zonzo, David começa a correr em direção ao deserto, enquanto o Caminhão termina de manobrar para começar a perseguir sua presa. O corpo do caminhoneiro corre quase que independente de sua vontade, e ainda sim, suas pernas e braços doem terrivelmente.

Não conseguindo mais correr, David vira-se para seu velho caminhão, que com o para choque manchado de sangue, avança impiedosamente na sua direção. Em uma atitude impensada, o homem vira-se para Golias, e começa a correr em direção a ele, encarando a boléia vazia.

Segundos antes de o caminhão atingi-lo, David escorrega na terra, levantando uma nuvem de poeira, e seu corpo passa por baixo do caminhão, ileso. Ele consegue se agarrar a uma saliência embaixo do caminhão, e passa a ser arrastado pelo enorme veiculo.

David sente as pernas arderem, mas o tecido grosso de sua calça o protege de danos maiores. Ele vê o cabo da câmara de freagem, e se agarra com as duas mãos a ele. Após alguns segundos, a câmara se rompe, liberando uma quantidade imensa de ar. David escorrega para fora do caminhão, mas desta vez não sai ileso. A ultima roda direita do veículo passa por cima do braço do caminhoneiro, o esmagando. Este grita de dor, e vê o mundo se dissolver ao seu redor.

Golias segue sem freio e a toda velocidade em direção a um precipício. O caminhão tenta manobrar, mas devido à alta velocidade, cai, e segue derrapando até enfim cair no precipício. David ergue a cabeça, e vê uma bola de fogo se erguer do precipício com um som assustador. Parecia até que o monstro em que seu caminhão havia se transformado estava dando seu derradeiro rugido.

Durante quase uma hora, David ficou deitado na areia, enquanto o sol se punha. Então, como um morto que volta a vida, o caminhoneiro sem caminhão começou a fazer seu caminho de volta para a estrada. O braço ferido pendendo como um cadáver enquanto pinga sangue.

David caminhou pela estrada durante três horas em estado catatônico. Seu corpo agia automaticamente. Ele estava em choque. O homem simplesmente seguia o asfalto pela noite. De repente, ouve-se o som de cascos de cavalo. Um homem conduzindo uma carroça vem vindo atrás de David. O carroceiro interrompe seu trajeto, ao avistar o andarilho noturno.

CARROCEIRO

- Ei moço, tudo bem?

David vira-se para o carroceiro, que o ilumina com uma lanterna. O carroceiro se espanta ao ver o estado lastimável do braço de David.

CARROCEIRO

- Santo deus!

David abre a boca para dizer alguma coisa, mas enfim é vencido pelo cansaço e pelos ferimentos, e cai inconsciente no chão. O carroceiro apressadamente desce da carroça, e coloca o homem a bordo. O carroceiro então toma o seu acento, e coloca os cavalos em movimento o mais rápido que pode.

Eles viajaram por mais quarenta minutos pela estrada escura, até que enfim chegam a um ponto onde há postes de luz. Após mais alguns minutos de viagem, o carroceiro pode avistar um bem iluminado posto de gasolina ao longe. Mas o que ele vê o assombra. Não conseguia entender o que era aquilo que via .

Se na parte de trás da carroça, David ainda estivesse vivo, gritaria de pavor, e ordenaria que o carroceiro desse meia volta. David entenderia melhor a visão dantesca a frente. No posto de gasolina, havia vários corpos espalhados pelo chão. Vários carros, vans e caminhões circulavam o local, como abutres em volta da carniça. Se o carroceiro chegasse mais perto, poderia ver que não havia ninguém a bordo daqueles veículos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.