Bruce tentou acompanhar o ritmo da música pela milésima vez, deslocando os pés calçados com um sofisticado par de sapatos armani pela superfície iluminada da pista de dança.

A loira a sua frente gargalhou, serpenteando os braços ao redor de sua nuca possessivamente e inclinando-se para sussurrar palavras lacivas em seu ouvido, com os seios pressionados em seu tórax evidenciados pelo decote generoso do curto vestido que usava.

Bruce sorriu educadamente, fingindo estar escutando.

Ele não estava.

Havia parado de escutar quase que no exato momento em que a jovem se apresentou e o convidou para dançar, arrastando-o pela multidão.

Ali e agora ela era só como as outras centenas de pessoas da aristocracia de Gotham que os adornava, movendo-se com a mesma familiaridade pela pista de dança: uma estranha, um rosto sem nome.

Para qualquer outra pessoa no mundo, aquela seria uma noite gloriosa, divertida e especial, mas para Bruce Wayne, era apenas mais um pedacinho de seu inferno particular, que consistia em encenar a sua mais convicente pose de anfitrião enquanto todos aqueles estranhos lhe davam apertos de mão, sorrisos brilhantes, tapinhas amigáveis nas costas e emitiam os melhores votos de felicidade que suas mentes vazias eram capazes de formular.

Bruce odeia cada segundo disso.

Odeia os corpos suados que se agitam ao seu redor, odeia as luzes coloridas que explodem diante de seus olhos, odeia a voz rouca e provocante da loira ao seu lado, odeia a bebida gelada, a música alta, as conversas discretas e os risinhos abafados.

Ele decide que precisa de ar.

Com uma desculpa ensaiada e um sorriso apologético, se volta para a moça, sentido o metal frio de seu anel incrustado com rubis flamejantes encostar em seus lábios quando deposita um breve beijo de despedida em sua mão.

Ele vai embora, não sem antes capturar o brilho de raiva que vibra em seus olhos por ter sido deixada.

Bruce sorri pra si mesmo ao perceber que ela acabara de entrar para a seleta lista de pessoas que o odeiam quase que integralmente.

Ele caminha em direção as escadas, tomando cuidado para não se deixar perceber. Felizmente todos parecem ocupados demais imersos em seus mundinhos previsíveis para sequer notá-lo.

Bruce, pra onde está indo?

Todos menos uma, ele pensa, virando-se em direção da voz que o detivera

Selina Kyle estava parada a sua frente, observando-o com um ar de suspeita sombreando os olhos felinos marcados pelo delineado caprichado que os adornava. Carregava uma garrafa de bebida nas mãos, cuja a borda estava levemente manchada pelo batom vermelho escarlate que havia sido transferido de seus lábios para a superfície de vidro.

Ela solveu um gole do liquido, caminhando em sua direção numa clara intenção de encurralá-lo.

Bruce suspirou.

Ele podia mentir para a garota mas estava certo de que não funcionaria.

Selina o conhecia há tempo demais para saber de cór todo o repertório de desculpas convincentes que ele costumava usar sempre que precisava se safar de situações como esta.

Pro terraço. – ele confessou, vencido – Preciso respirar um pouco.

Nem pensar, gatinho! Você é o anfitrião esta noite. Deixe pra sair de fininho numa festa que não seja a sua.

Não é como se todos fossem se importar.

Claro que vão. – afirmou, aproximando-se para alisar uma ruga inexistente em sua camisa – São seus convidados, esqueceu?

Essa gente não está aqui por mim, Selina, e você sabe disso. Estão aqui pelas bebidas caras e pelas amizades vantajosas que podem fazer no meu círculo social.

Ela o encarou com os olhos crispados, determinada a vencer a discussão.

Mesmo que isso seja verdade, não é todo dia que se faz dezessete anos. Você tem que comemorar! – exclamou, incisiva – Além disso, podem sentir a sua falta.

Sentir a minha falta? – Bruce riu – Provavelmente só vão notar que eu existo quando o convite da minha próxima festa de aniversário chegar em suas mansões daqui há um ano. Até lá, estarei morto pra todos eles.

Bruce...

Selina, só vou sair por alguns minutos. Estarei de volta antes de você terminar essa garrafa de gin.

E se perceberem seu sumiço? – ponderou, indecisa

Diga que fui levado as pressas pra minha suíte particular por ter entrado em coma alcoolico.

Ela gargalhou e Bruce quase riu também com o quão ridículo aquilo havia soado.

Vai ser dificil de acreditar, você não encostou numa gota de álcool desde que chegamos.

Bom, mas é isso que esperam de mim, não é? Ficar bêbado e dar vexame na minha própria festa de aniversário. – ele sorriu de escárnio – Vão acreditar, afinal, é assim que playboys arrogantes se comportam em suas vidas privadas.

E é assim que playboys arrogantes acabam estampando as manchetes de todos os jornais no dia seguinte. – ela o advertiu – Tem certeza que quer isso?

Vou ter que correr o risco. – deu de ombros, beijando rapidamente sua bochecha antes de retomar o trajeto até as escadas

Ele ainda podia sentir o olhar de reprovação e diversão mal contida dela queimando em suas costas quando alcançou a porta que dava acesso ao terraço, sentindo o ar frio da noite engolfá-lo.

Bruce ergueu o rosto, resvalando os olhos pelas estrelas minúsculas que pontilhavam o céu envoltas na nébula de poluição que permeia a cidade desde que ele consegue se lembrar.

Ainda assim, elas pareciam mais fulgazes, vivas, como se estivessem determinadas a iluminar a noite com seu brilho incomumente perolado.

Ele enfia as mãos nos bolsos, suspirando satisfeito ao notar o ruído abafado da festa distanciando-se cada vez mais de seus ouvidos.

Por um breve instante, se permite vislumbrar a sensação de ser apenas um adolescente normal, numa cidade normal, não mais sendo o playboy bilionário que teve os sonhos engolidos, mastigados e cuspidos por Gotham em mais um dos capitulos turbulentos de sua vida.

Ele percorre o terraço da boate, movendo-se para alcançar a sacada, quando percebe uma figura escura encostada na parede de tijolos a sua frente.

Apesar da iluminação das estrelas, nenhum feixe de luz parece alcançar o rosto dele, de modo que Bruce pode apenas destinguir os contornos sombrios do capuz de seu moletom.

Uma chama de fogo cintila diante de si, quando o estranho acende um cigarro, dando uma longa tragada.

Ei, você. – ele chama, prendendo a respiração quando os movimentos do outro cessam

Sim?

Não pode fumar aqui.

Há uma breve pausa antes que a voz fale novamente, dessa vez com uma pequena nota de diversão.

Ah é? Quem disse?

O detector de fumaça. Se ele captar o cheiro do cigarro, vai ativar o alarme de incêndio. – diz em advertência

Está quebrado. – o estranho responde categoricamente — Como a maioria das coisas em Gotham estão: quebradas, podres, fedendo ou infestadas de ratos. Mas é claro que da cobertura da sua festa, não da pra sentir o cheiro de nada além de perfume caro, não é?

Bruce sente-se engasgar um pouco com a ousadia daquelas palavras, ninguém, nem mesmo seu mordomo Alfred, jamais se atrevera a falar assim com ele. Mesmo Selina, com sua língua afiada e personalidade ácida, possuía alguns filtros na hora de desferir comentários mordazes.

Apesar disso, Bruce não se sente ofendido ou ultrajado, mas sim, intrigado. Quase curioso. Era estranho conversar com alguém que não pisava em ovos ao falar com ele.

Der repente ele sente uma vontade inquietante de ver o rosto do estranho tomar conta de si.

Em minha defesa, eu não queria estar aqui. Não gosto de festas, muito menos as minhas. – confessa, ignorando o impulso de se aproximar – Além disso, não estou falando desse detector. Se você não reparou, tem outro logo ali que não está quebrado. – ele revela, apontando para um ponto na lateral do corredor

Hum. – o garoto murmura, jogando o filtro já meio acabado do cigarro no chão e apagando a ponta reluzente com um dos pés

Por um momento, Bruce pensa que ele cedeu e sente uma pontada de satisfação com isso.

Seus olhos ainda estão presos em em seus movimentos, quando o estranho se agacha, segurando algo que parece relativamente pesado em uma das mãos. Tomando impulso, ele arremessa o objeto no alto, em direção ao corredor.

A pedra atinge o Detector de Fumaça em cheio, com precisão assustadora. O aparelho emite um barulho alto e agudo que penetra os tímpanos de Bruce como a ponta afiada de uma navalha, fazendo-o tampar os ouvidos de imediato.

Aos poucos o ruído morre, sendo substituído por um fraco chiado até que a luz vermelha indicando o funcionamento do dispositivo se apague com um clique estrondoso e definitivo.

Bruce encara o garoto com perplexidade, sentindo os músculos do rosto doerem tamanha era sua expressão de espanto.

O que foi que você fez?!

Eu o quebrei.

Por que?!

Porque agora você não vai mais precisar se preocupar com a fumaça do meu cigarro. – responde tranquilamente, colocando outro filtro nos lábios e acendendo-o com rapidez

Bruce sabe o que deveria fazer.

Deveria sair dali, chamar os seguranças da boate, quem sabe até a policia, para que o prendessem por dano contra propriedade privada ou qualquer outro crime que houvesse cometido.

Ele não faz nenhuma dessas coisas.

Ao invés disso, Bruce joga a cabeça pra trás e ri, ri e ri com a loucura disso tudo, ele ri até que o fôlego fuja de seus pulmões e lágrimas frias de diversão escapem de seus olhos.

Inesperadamente, o estranho se junta a ele, num espiral de gargalhadas tão melodiosas e entregues quanto as suas.

Você é louco! – ele entoa, soluçando em meio as risadas

É o que dizem. – responde e Bruce pode sentir o sorriso em sua voz – Mas não sou eu quem dou festas de aniversário milionárias e depois fujo delas.

Bruce ri mais um pouco, tentando recuperar a compostura. Sua voz está rouca, seu espírito leve e ele se sente tão eufórico que pode gritar.

No momento ele parece mesmo ser a sinteze perfeita da insanidade.

O playboy se aproxima, sentindo o cheiro do louco preencher seus sentidos, é algo como tabaco, desodorante barato, e uma outra fragrância, um aroma específico, único, que parece pertencer somente a ele.

Seja o que for, é inebriante.

Sou Bruce Wayne. – diz, erguendo a mão em um cumprimento

Oi, Bruce Wayne. – o garoto responde, dando um soquinho em sua palma exposta ao invés de apertá-la – Quer um trago?

Não, obrigado. Eu não fumo.

E também não gosta de festas, mas mesmo assim veio a uma.

Bruce o olha tentativamente, absorvendo o significado daquelas palavras. Não havia porque não quebrar mais uma regra sua esta noite, se ele já tinha feito isso ao comparecer na boate contrariando sua total incompatibilidade com interações sociais.

O filtro ainda estava úmido da boca do louco quando Bruce o colocou dentre os lábios, tragando-o e aspirando a nicotina em seus pulmões. A fumaça deslizou como neblina de sua boca, desaparecendo pela escuridão com movimentos fluídos e lânguidos.

Uau. – o garoto diz, mas não há surpresa em sua voz

Que foi?

Pra alguém que nunca fumou, você parece bem a vontade com um cigarro.

Eu disse que não fumo, não que nunca fumei.

Era verdade.

Bruce ainda se lembrava de uma época em sua adolescência em que tinha que esconder os maços de cigarro em partes diferentes da mansão Wayne para que Alfred não os encontrasse, embora suspeitasse vagamente de que o mordomo estava bastante consciente de seus maus hábitos desde o inicio.

Era estranho fazer isso de novo.

Normalmente ele só fumava quando sentia a enorme pedra de gelo alojada dentro de si ganhar intensidade, tornando a gelidez excessiva demais para suportar.

Nessas ocasiões, o teor cálido das toxinas parecia anestesiar a sensação de frigidez que outrora assustara Bruce mas que agora ele conseguia aceitar como sendo apenas mais uma parte sombria de si.

Pelo canto do olho, ele observa o estranho se endireitar ao seu lado, treinando os olhos em direção a sacada, onde a cidade se ergue diante deles.

É linda, não é?

O que?

Gotham, é claro.

Bruce olha pra ele, franzindo a testa.

Seu senso de estética é bem deturpado. Não há nada de realmente bonito por aqui.

Diz o garoto que ficou parado alí, apreciando as estrelas.

Nós dois sabemos que você não estava falando sobre as estrelas quando disse que Gotham é bonita.

Não, não estava.

E sobre o que você falava, então? - Bruce indagou, devolvendo o cigarro a ele

O louco segura o filtro entre os dedos, inalando a fumaça vagarosamente. Os segundos parecem se tornar horas inteiras enquanto contempla a questão.

Sobre o caos. – ele responde, encarando um ponto fixo na escuridão — O caos que domina a cidade em noites como esta. As sirenes dos carros de policia rugindo, os explosivos retumbando, a sensação de pânico crescente. Nenhuma constelação consegue ser mais fascinante.

É fácil dizer isso quando você está apenas observando o caos e não participando ou sendo afetado por ele. É como assistir um filme de terror, sem ter que lidar com o monstro na tela.

Eu nunca disse que não queria lidar com o monstro. Acho até que seria divertido.

Sério? Acha que seria divertido? Se envolver com a escória de Gotham e correr o risco de ir parar nas mesmas celas sujas que todos eles?

É essa a única motivação que você consegue encontrar pra não quebrar as regras? Não ser preso? – ele pergunta, soando quase decepcionado

Bom, essa consciência parece ser suficiente para pessoas normais.

Mas nós não somos pessoas normais, somos, Bruce?

A pergunta é retórica, quieta, sem necessidade de resposta. Mas Bruce sente uma sensação sombria de desconforto se enrolar em seu estômago a medida que engole o "não" que estava prestes a saltar de sua boca.

Não, eles não são pessoas normais, esta não é uma cidade normal, nada disso é simples, pacato ou normal.

O filtro parece tão pesado quanto seus próprios pensamentos quando Bruce o pega entre os dedos, a mão deslizando pela do louco. A brisa do vento sopra suavemente, apagando a ponta do cigarro antes que consiga tragá-lo novamente.

Aqui, deixe-me acender. – o outro oferece

O ruido de um isqueiro se faz ouvir no ambiente quando ele o acende, mantendo a chama acesa em sua direção e iluminando ambos os rostos.

Bruce o observa em um fascínio mudo, finalmente visualizando suas feições.

Ele não sabe se é o efeito da nicotina em seus pulmões ou a forma como a luz bruxuleante da chama brilha diante daquele rosto, mas o acha devastadoramente bonito.

Há mechas de cabelo loiro ondulado escapando de seu capuz, seus olhos amendoados oscilam com inquietação mal contida e um sorriso malicioso brinca no canto de lábios que, Bruce nota com certo espanto, possuem cicatrizes aparentes nas extremidades. Camadas de tecido cicatricial se alongam na pele bronzeada de suas bochechas, os sulcos em alto relevo trilham um caminho que parece ter tido início nos cantos de sua boca.

O que está olhando?

Bruce engole em seco, ainda fitando-o.

Você. – responde simplesmente

O garoto ri, balançando a cabeça.

Está olhando minhas cicatrizes.

Isso não era bem verdade.

No primeiro momento, Bruce realmente havia sido atraído pelas cicatrizes, mas agora estava muito mais interessado em admirar o contorno avermelhado dos lábios dele.

Talvez.

Quer saber como eu as consegui?

Não. – Bruce diz, levantando os olhos pra encará-lo – Não é dificil adivinhar como as pessoas conseguem cicatrizes em Gotham. Se metendo em brigas entre gangues de rua, sofrendo quedas em raxas de moto, tomando surras por reagir a assaltos-

Cortando um sorriso no próprio rosto após ouvir sua mãe dizer que você é sério demais.

Bruce sente-se engasgar com a fumaça, tossindo compulsivamente.

Você fez isso?!

O garoto olha sério pra ele por uma pequena eternidade em que nenhum dos dois parece respirar corretamente, para logo depois se dissolver em uma gargalhada barulhenta e sarcástica.

Puta merda, por um momento pensei que estava falando sério.

Talvez eu esteja. – ele diz, divertido

Bruce sorri perdendo-se um pouco no momento, só voltando a si quando seus olhos perpassam pelos ponteiros do relógio prateado em seu pulso. Há essa altura, Selina ja teria tido tempo de tomar duas daquelas garrafas de gin.

Ele já deveria ter retornado.

Hora de ser o playboy arrogante de novo. – murmura pra si mesmo

Como?

Nada. – ele joga o cigarro no chão apagando-o – Eu preciso ir.

As palavras soam ainda mais melancólicas quando as profere e ele sente seu corpo imediatamente rejeitar a ideia de voltar para a festa e repetir os mesmos truques teatrais que havia utilizado durante toda noite.

É fácil simplesmente ficar no terraço, é fácil ter o louco por perto e ser consumido por suas risadas nefastas e seu senso de humor deturpado, e mesmo com o teor tóxico da fumaça pairando sobre eles, é muito mais fácil simplesmente respirar alí.

Ah, sim. – o garoto responde, desencostando-se da parede

Ele enfia as mão nos bolsos, vasculhando-os momentaneamente e tira algo de dentro, erguendo para Bruce.

Tome, fique com isso.

Um maço de cigarros? – indaga, envolvendo a caixinha entre os dedos com curiosidade

Vai ser o presente menos caro que você ganhará hoje, mas duvido que seja o mais inútil.

Bruce repassou mentalmente alguns dos presentes que ele se lembrava de ter ganhado naquela noite, a maioria dos quais ficariam permanentemente trancados em algum cômodo da mansão até que desse a eles alguma utilidade, provavelmente os leiloando e doando o dinheiro arrecadado para alguma instituição.

O louco tinha razão, afinal. Aquele era de longe o menos inútil.

Você quer entrar? – ele convida, antes que consiga se conter

O que? Na sua festa?

Onde mais?

O garoto o olha estranhamente, como se ponderasse a questão. Bruce pode ver uma pequena tempestade se formando atrás de seus olhos agora tão escuros quanto uma ónix e por um momento pensa que ele vai irromper em gargalhadas, mas tudo o que obtém é um sorriso irônico.

Eu não seria um convidado adequado. – diz, sombriamente – Além disso, não estou vestindo o traje apropriado pra ocasião.

Não é obrigatório usar smoking.

Quando eu disse "traje apropriado", estava me referindo a minha camisa de força.

Bruce ri, ele ri como das outras vezes, tratando o comentário como se fosse apenas uma outra piada mas não tendo tanta certeza disso.

Bem, nesse caso a gente se vê por aí.

Ele se vira, dando voz a razão que o alertava para se afastar e caminhando até a mesma porta por onde tinha entrado. O metal frio da maçaneta congela seus dedos quando um comichão inquietante se agita em seu peito, inflamando seu desejo de saber mais sobre aquele estranho, de desvendar o enigma obscuro que ele parecia representar e der repente ele está fitando-o de novo, com o olhar injetado de curiosidade e surpresa ao encontrar um par de olhos bem próximos a si, encarando-o de volta.

Você não me disse seu nome. – sussurra

O estranho o observa atentamente.

Dessa vez a luz da noite alcança seu rosto e Bruce pode ver tudo, desde os cabelos loiros até as cicatrizes nas extremidades de sua boca perfeitamente desenhada e, por algum motivo, ele se pega desejando poder ver aquele rosto novamente no futuro.

Um calafrio de antecipação perpassa os poros de sua pele com o pensamento.

Talvez ele devesse ter mais cuidado com o que deseja.

O garoto se aproxima, exalando lentamente e Bruce espera por um nome que nunca vem. Ao invés disso, ele sela a pequena distância que ainda os separa, roçando os lábios brevemente nos seus antes de reivindicá-los por completo para si.

Bruce sente sua mente nadar em águas perigosas quando se permite retribuir o beijo, seus lábios eram mais firmes do que imaginara ao contemplá-los, ainda que quentes, luxuriosos e famintos, dispostos a tirar tudo dele.

O beijo se intensifica e der repente ele mordendo e provocando, as linguas colidindo, cedendo e dominando por segundos infinitos enquanto um espiral de calor constante incendeia cada centímetro de pele que o outro toca, puxando-o contra si como se quisesse fundir seus corpos. Seus sentidos estão preenchidos por novos cheiros e sabores quando ele prova a nicotina vertendo dos lábios do louco, o gosto o deixa viciado e sedento por mais.

Ele acha que nunca irá conseguir o suficiente disso.

Tudo acaba tão rápido quanto começou, quando se afasta para respirar, ainda ofegando em sua boca agora tão avermelhada que só a visão dela parece indecente aos seus olhos nublados de desejo.

Você saberá. – o garoto responde sofregamente, colocando uma distância segura entre seus corpos.

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

A mansão Wayne está quieta quando Bruce alçou o hall de entrada, pulando os degraus das escadas de dois em dois para subir ao quarto.

Áquela hora Alfred já devia estar dormindo, atendendo as recomendações de que não o esperasse até tarde sob nenhuma hipótese. Já fazia algum tempo que o mordomo parecia necessitar de um descanso reforçado devido a idade avançada e Bruce era a última pessoa no mundo que negaria isso a ele.

Sempre foi grato ao homem, a quem tinha como um companheiro leal e até achava que Alfred merecia muito mais do que o que sua persona problemática podia oferecer.

Ao chegar no cômodo, o playboy desmoronou na cama de lençóis macios sem se importar em acender a luz. No escuro era mais fácil deixar a memória escorregar pelas lembranças do beijo que havia trocado com o estranho há algumas horas. Sua mente estava enevoada, imersa em um silêncio contemplativo.

Era estranho se sentir assim.

Bruce havia passado a vida inteira tentando domar o caos que eram seus pensamentos, tentando a todo custo se distanciar da redoma sombria e barulhenta em que eles se alojavam dentro de si, só para ter seus sentidos completamente nublados por um único beijo em uma única noite. Naquele momento, todo e qualquer caos havia se dispersado de sua mente como fumaça mergulhando-o numa quietude tácita, mas Bruce sabia que como toda calmaria, aquele era apenas o prelúdio da tempestade que estava chegando.

Ele lambeu os lábios sentindo o sabor da nicotina se desvanecer lentamente. Não podia deixar aquele gosto ir embora.

Tateando os bolsos, encontrou o maço de cigarros, movendo-se em direção a sacada do quarto para fumar sem que o cheiro do tabaco impreginasse todo o ambiente.

Ele deu uma longa tragada, finalmente percebendo o quanto gostava daqueles cigarros — seja pela qualidade dos filtros ou pela forma como eles o lembravam do sabor do beijo do louco — eram de longe os melhores que já tinha experimentado.

Curioso, ele baixou os olhos, percrustando a caixinha em busca do nome da marca, mas sua atenção foi imediatamente desviada pela ilustração do rosto sorridente de um palhaço pintado na superfície branca, o sorriso escancarado tornando-se ainda mais animalesco devido as cicatrizes que se alargavam nas extremidades da caricatura, evidenciadas pela tinta vermelha que dava á imagem uma textura desordenada e sangrenta.

Abaixo do desenho, uma caligrafia caótica e desleixada escrevera á caneta um nome que viria a ser muito familiar para Bruce nos anos vindouros.

Joker. – ele leu

E der repente sua mente era puro caos de novo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.