Músicas Bregas Lembram Você

13. Dessa casa eu só vou levar


Lá pelas tantas da noite recebo o pedido mais inusitado e perigoso que essa noite poderia me oferecer.

— E se fizermos um dueto?

Encaro os brilhantes olhos avelã de Júlia que foram delicadamente contornados com a maquiagem. Como posso negar o pedido de alguém cujos olhos brilham tanto quanto os dos personagens de anime quando ficam empolgados?

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— Nem adianta tentar, Júlia – Marco, já recuperado da humilhação que passou anteriormente com sua cantada, interrompe a conversa – O Ericzinho não deve cantar nem no banho.

Bem, ele não estava completamente errado. Sou péssimo cantando e tenho plena consciência disso, por isso gasto meu tempo no banho fazendo penteados engraçados com o cabelo e repetindo fórmulas de matemática para ver se as gravo de cabeça.

Mas é claro que eu nunca assumirei isso em voz alta.

— Eu canto sim – digo antes de pensar com profundidade no assunto. Amanhã irei culpar o álcool por esse impulso – Só não tem músicas legais para cantar aqui.

Carol faz uma cara confusa e vai até a mesa onde estão os enormes fichários com as listas de todas as músicas disponíveis no karaokê.

— É sério que você está usando isso como argumento? – ela pega um deles e joga na minha mão – Tem mais de trezentas músicas aí, se você não gostar de nenhuma estará mentindo para os seus melhores amigos.

Júlia pega o fichário da minha mão e começa a folhear com muito interesse. Olho para o canto que foi reservado para o karaokê e sinto que meu cérebro vai derreter com a terrível apresentação de uma garota cantando K-pop.

— Acho que de boa sem esse lance de me expor e tal – dou um gole no meu copo e acabo com a bebida que tinha ali – Vou pegar mais uma no bar, alguém quer vir junto?

Henri semicerra os olhos em minha direção e diz:

— Você bebeu mais rápido só para ter desculpa e fugir, não é?

Coloco a mão livre sob meu coração e faço cara de ofendido.

— Quem? Eu? Nunca. Nunquinha. Jamais. Estou tão ofendido com essa alegação que vou embora daqui agora mes-mo!

Antes que ele possa me responder com algumas palavras nada educadas, dou as costas e vou em direção ao bar escolher uma nova bebida.

Usando a habilidade de driblar a multidão que cultivou nos campeonatos interclasses de futebol, Marco chega até mim com bastante facilidade. Em seu rosto há um sorriso e na mão direita um copo vazio.

— Você nem esperou minha resposta antes de sair correndo – ele resmunga e faz seu pedido para a bartender.

— Foi mal, só queria fugir da conversa com o Henri.

— É, acho bom ter sido uma fuga só do Henri e não da Deusa das Curvas.

Reviro os olhos.

— Você tem que parar se chamar a Júlia assim, sério. Ela pode se ofender e parar de falar com a gente se tu continuar tão em cima dela.

Marco ri como se eu tivesse dito a coisa mais engraçada do mundo.

— Ah meu jovem Eric, você não sabe de nada mesmo – ele balança a cabeça – Julinha e eu estamos conversando quase todo dia e nos tornamos amigos. Ela disse que tudo bem se eu a chamar assim, achou até engraçado.

Ele percebe o meu olhar confuso e continua falando.

— Para a sua sorte, não quero mais nada além de uma boa amizade com a Júlia – ele faz um sinal e aponta para onde ela está – Mas, ainda tem muita gente querendo provar os beijos da nossa amiga.

Pela primeira vez na noite percebo os olhares que Júlia atrai, tanto de homens quanto de mulheres. Olhando de longe, é como se ela tivesse uma aura ao seu redor que torna tudo mais brilhante e alegre.

Cada movimento enquanto dança, cada risada para algo que Carol diz... Tudo em Júlia é belo e atrai a minha atenção como se fosse um ímã.

Balanço a cabeça como se estivesse quebrando um feitiço. Olho para lado e Marco não está mais lá, mas a minha bebida chegou, então bebo o conteúdo do copo de apenas uma vez.

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Por alguma razão, a ideia de Marco e Júlia se falando me incomoda de um jeito estranho como se isso fosse afastá-la de mim. Uma besteira, é claro.

Não tem problema se ela quiser ser amiga de mais de uma pessoa e, caramba! Esse pensamento é completamente maluco. Não tem problema ter amigos e ponto.

Então, por que mesmo sabendo disso e que a amizade deles não interfere em nada na nossa continuo sentindo esse sentimento desconfortável?

É bom que eles conversem e Marco tenha a chance de mostrar como é um cara legal e cheio de qualidades. Além disso, ele não faria nada semelhante ao que o ex da Júlia a fez passar.

Só de lembrar que esse ser a colocou em risco contando que Júlia é bissexual para os pais homofóbicos faz meu sangue ferver.

Peço um copo de água com gelo e bebo em um gole só. Essa noite devia ser especial para esquecer das merdas que Lucas me disse e não para criar paranoias envolvendo dois dos meus amigos mais próximos.

Volto para o grupo e logo sou recebido com os gritos de comemoração da Carol.

— Finalmente! – ela segura meu braço e começa a puxar enquanto anda para a direção da piscina – Você não foi buscar bebida, foi fabricar!

— Que calúnia, eu não demorei tanto assim!

— Demorou sim, senhor! – ela grita em resposta – Tudo que eu quero é aproveitar a piscina e você não vai mais atrasar isso.

Olho para trás buscando algum apoio com Henri, Marco e Júlia, mas os três me olham com aquela cara de “ela tem razão, só aceita”. Por fim, suspiro profundamente e apresso o passo para acompanhar a pequena Carol costurando entre os convidados para chegar até o espaço nos fundos da casa.

A área externa é possui uma piscina grande, muros altos, um banheiro no fundo e um bar improvisado próximo a porta de entrada que serve bebidas e vende as bugigangas de piscina, como boias de patinho e toalhas.

Olho para a longa piscina azul e assisto a uma divertida e atrapalhada partida de vôlei.

— Cara, segura meu celular – Marco me entrega o aparelho e a carteira antes de correr até o trampolim da piscina e gritar – Olha a bala de canhão!

Os desavisados ao redor da piscina não tiveram tempo de reagir antes de serem enxarcados pela água. Por sorte, todos pareciam bêbados ou alegres demais para deixar um pouco de água afetar o bom humor.

Ao meu lado, Carol e Henri já se livraram das peças de roupa expondo um biquini e uma bermuda de casal com a estampa das nuvens vermelhas da Akatsuki.

— Agora sim vocês verão o que é uma bala de canhão de verdade! – ela grita enquanto corre para o trampolim e pula na piscina do mesmo modo que seu irmão fez.

Talvez por ser o mais sensato e responsável, Henri dá de ombros e apenas entra na água indo em direção a namorada. Segurando as roupas que foram abandonadas, Júlia me olha com expectativa.

— O que foi?

— Estou esperando que você tire a roupa e se jogue na água também – ela pisca.

— Júlia, Júlia! – faço uma expressão ofendida – Então você nunca quis a minha amizade, só o meu corpo seminu?

— Achei que isso estava claro desde o início – ela pisca para mim e morde o lábio inferior – Como poderia querer só uma amizade com um homem tão atraente assim?

Sei que estamos brincando, mas aquela sensação que só pode ser descrita como paixonite toma conta da minha barriga e em pouco tempo sinto que estou corado.

Ela percebe meu desconforto e desvia o olhar para nossos amigos na piscina. É um breve vislumbre, mas acho que ela também está corada.

Uma voz alta e animada chega até nós e logo sou atingido por uma Thalia animada que me abraça com força como se não nos víssemos há dez anos ou mais.

— Eu não acredito que você está aqui! – ela grita pressionando seu rosto em meu ombro e me dando uma boa amostra do seu cabelo que cheira a flores – Meu ninja favorito odeia festas como essa!

Algo na forma como ela fala e se move quando me solta do abraço denuncia o estado de embriaguez da minha melhor amiga.

— Fiquei sem companhia para jogar e ver filmes a noite já que você não para mais em casa – brinco com ela – Veio sozinha?

Uma parte de mim torce para que a resposta seja “sim”, mas logo a figura alta e loira conhecida como Lucas aparece no meu campo de visão, bem atrás de Júlia.

— E aí, cara – ele cumprimenta como se nossa última conversa não tivesse sido terrível.

— E aí – cumprimento de volta.

Thalia se afasta e dá um beijo estalado no rosto dele. Desvio o olhar para Júlia e a encontro com uma expressão de pânico estampada no rosto.

— Está tudo bem? – encosto em seu ombro, ela parece gelada.

Júlia não fala nada e apenas pisca, parece que não está conectada a realidade que nos cerca. Seguro os ombros dela com delicadeza e encaro seus olhos.

— Júlia?

Ela abre a boca como se quisesse dizer algo, mas nenhum som saí.

— Epa, essa é a Júlia? – Lucas pergunta entusiasmado e me empurra de leve para olhar melhor para o rosto chocado da minha amiga – Quanto tempo que não te vejo em uma festa, achei que estava proibida de sair.

— Vocês já se conhecem? – Thalia pergunta.

— Claro – ele sorri – A Júlia foi a garota que namorei antes de você – então toda a atenção dele se desvia para Thalia – Mas pode ficar tranquila que não existem sentimentos e nem ressentimentos entre a gente. Certo, Júlia?

Como se saísse do transe, Júlia assente com a cabeça e dá um sorriso desconfortável na direção de Lucas.

— É, não temos mais nada.

A voz dela soa frágil, como se estivesse com medo do rapaz diante de si. Não preciso pensar muito para chegar à conclusão de que Lucas é aquele ex-namorado que ferrou com a vida dela.

— Caramba, que mundo pequeno! – dos quatro aqui reunidos, Thalia é a única que parece não perceber a torta de climão que se formou ao nosso redor – Eu já conhecia a Júlia, ela ajuda o Eric na sorveteria, mas acho que nunca estava lá quando fomos juntos. Agora fico sabendo que além de amiga do meu melhor amigo é a ex do meu atual – ela ri – Quais as chances?

Júlia continua sorrindo com certo nervosismo, mas não deixa de responder a minha melhor amiga.

— É, imagino que chances bem pequenas – ela olha para mim como se suplicasse por ajuda – Acho que devemos guardar essas roupas antes que elas molhem.

— Claro, vamos lá – olho para o casal, Lucas parece satisfeito e Thalia segue com o mesmo olhar animado – Vejo vocês por aí.

Enquanto me afasto ouço a minha melhor amiga gritar:

— Não se te virmos primeiro!

Andamos um pouco na área da piscina, nos afastando cada vez mais do casal. Quando a distância parece boa o suficiente, Júlia encosta na parede dos fundos da casa e desliza até se sentar no chão sem soltar as roupas e celulares dos nossos amigos.

Sigo o exemplo e me sento ao seu lado.

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— Pela sua reação posso perceber que ele é aquele babaca que ferrou com a sua vida – ela assente – E você não fazia ideia que era o mesmo Lucas da Thalia.

— Nunca imaginei – ela murmura – Quando estamos em aula eu consigo evitá-lo com facilidade. Essa foi a primeira vez que o vi e falei com ele desde que...

... Desde que ele a expôs para a família homofóbica que a expulsou de casa e forçou Júlia a buscar abrigo e emprego.

Por instinto, passo meu braço ao redor dela e a braço de lado.

— Eu preferia que você nunca mais o visse – murmuro – Mas agora tenho a prova final de que o caráter dele é realmente tão ruim quanto parece.

Ela ri sem humor.

— É pior do que você imagina – Júlia olha para frente como se estivesse revivendo memórias – Quando começamos a namorar, tudo era tão lindo e perfeito. Eu era a única garota na vida dele e ele amava isso, sentia que tinha sido feita para isso. Em todas as viagens, em todas as festas, em todos os momentos eu era a namorada perfeita que queria aproveitar a vida ao lado do cara que a amava mais do que tudo. Nós fizemos tantos planos, eram tantas coisas. Mas, com o tempo ele foi mudando e me podando de viver e ser quem eu queria ser. Quando falei sobre a bissexualidade, bem, não existe uma palavra para descrever a reação dele. Foi puro nojo. Suas palavras diziam claramente que eu o havia enganado e isso não o deixou nada feliz.

— Você sabe que não o enganou, não sabe? – ela suspira – Quero dizer, nunca vi alguém começar o relacionamento perguntando se o outro é heterossexual ou coisa do tipo. Geralmente você se importa mais com os sentimentos da pessoa por você do que por quem ela sente ou não atração.

— Hoje em dia eu vejo da mesma forma que você, mas na época... – ela balança a cabeça como se tentasse afastar os pensamentos ruins – Na época nada estava tão claro assim. Ele me manipulou muito e por muitos meses. Tenho medo do que possa fazer com a Thalia.

A menção ao nome da minha melhor amiga causa um sentimento ruim.

— Você acha que ele poderia fazer algo de ruim com ela?

Júlia morde o lábio e não me responde. Após algum tempo ela diz:

— Não lembro se já te falei, mas quando estávamos juntos tínhamos uma cadelinha vira-lata. Ela era bem pequena e a encontramos toda machucada e cheia de pulgas. Ele me ajudou a resgatar – ela brinca com a barra de uma camiseta em sua mão – Meus pais não queriam animais em casa, mas o Lucas tem uma casa imensa e conseguiu autorização para ficar com ela lá. Eu amava tanto aquela cachorrinha, sempre brincava com ela por horas e horas.

— E o que aconteceu?

— Quando terminamos, ele me proibiu de ver a cachorra. Soube que eu fui até a rua algumas vezes e instalou arames ao redor da casa com medo que eu pulasse para resgatar a cachorra ou sei lá, roubar dele – ela balança a cabeça – Tenho certeza de que hoje em dia ele nem deve olhar mais para ela. O Lucas é assim, descobre o que você ama e depois tira de você.

Cerro os dentes com raiva. Cada lembrança que ela compartilha comigo sobre ele só desencadeia mais e mais sentimentos ruins. Como posso afastar a Thalia de um monstro como esse?

— Você acha que conseguimos ajudar a Thalia a se livrar dele?

Ela assente.

— Você se importa muito com ela, Eric. Tenho certeza de que vai te ouvir e seguir seus conselhos.

Terei que ter uma conversa horrível com a minha melhor amiga e provavelmente vou precisar expor detalhes da relação que Júlia teve com Lucas, detalhes que não me pertencem, mas podem ajudar a salvá-la do monstro que chama de namorado.

Um cara chato dá para relevar, mas um abusivo que separa as pessoas do que amam apenas por diversão não.

Tenho o impulso de me levantar e ir no mesmo segundo atrás dele, de socar sua cara e xingá-lo por tudo que fez com a garota sentada ao meu lado. Consigo imaginar como seria lindo ver o nariz dele sangrando por um soco meu, como seria prazeroso simplesmente me livrar disso com a violência. Mas, se fizesse isso eu não estaria sendo a pessoa que sou.

Por isso, olho para a garota assustada ao meu lado e aperto mais o nosso abraço lateral. Ela ainda treme, parece estar gelada e assustada. Como posso deixá-la de lado em um momento como esse?

— Acho que agora não dá para falar sobre algo tão sério com a Thalia – ela assente em resposta – Porém, ainda tem algo que podemos fazer nessa noite para salvar uma vítima desse filho da mãe desgraçado e loiro.

Ela me encara confusa.

— O que?

— Salvar uma cachorra.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.