— Quais são seus planos para hoje, Liv? — Blaine pergunta, passando o braço direito ao redor do meu pescoço, envolvendo-me num abraço de urso. Como uma breve e inocente resposta, enterrei meu rosto no seu ombro.

— Que tal se a gente assistir a um filme? Eu tenho "Meu namorado é um zumbi" e "Jack, o caçador de gigantes". Qual você prefere? — pedi, me aproximando logo da mesinha dos DVDs, sem mesmo deixá-lo escolher outra opção.

— Wow. Não sabia que era fã de ação. Teria te dado um box de 007 pra você. Papai tem uma coleção deles.

— Nah. Só tenho uma admiração estranha pelo Nicholas Hoult. Ah, e por sinal, fala pra ele que eu mando beijos. — ri, desengonçada.

Blaine McDonough era meu meio-irmão. Éramos filhos do mesmo pai, separados apenas pela maternidade. Morávamos juntos até os 17 anos, até que mamãe tomou minha guarda. Desde então, prestamos visitas um ao outro constantemente.

— Ele sente sua falta. — Blaine segurou minha mão, amaciando-a como se fosse um lenço umedecido. Meu coração se apertou, por isso desviei meus olhos dele. Não queria que soubesse que estava angustiada.

O tapete felpudo da sala de estar massageava meus pés cheios de calo. Isso é o que dá, quando se trabalha o dia inteiro no hospital.

— B-bom, vou pegar "O buraco". Gosta de terror, né? — ele acenou com a cabeça, franzindo os lábios. Quando me abaixei para pegar o DVD, vi seu celular vibrando sobre a madeira da mesinha. Com agilidade, peguei o objeto antes dele e me aventurei em saber do que se tratava.

— Liv! — reprovou com fúria, ele jogou um travesseiro no meu rosto, quase derrubando o telemóvel das minhas mãos — Sua mãe nunca te ensinou a ter modos?

— O que é isso? — perguntei, ignorando seu questionamento por completo. Deslizei os dedos na tela do celular — "Hey, DeBeers! Os bagulhos já estão prontos. Venha logo pra cá, antes que os tiras nos peguem, idiota. Te vejo mais tarde."

— Liv... — seu rosto se contorceu. Ele levou as mãos aos cabelos castanhos que herdou de papai.

— Blaine, quem merda é Jared? E o que é esse "bagulho"? Por que os tiras estão envolvidos nisso? — pedi, o coração acelerado de raiva e preocupação — Por que ele te chamou de "DeBeers"?

— Calma! Não é nada. Jared Kails é um amigo do trabalho. Ele gosta de fazer essas piadas idiotas a maioria das vezes. Não precisa se preocupar. — não tinha digerido a explicação. Meu estômago sempre se contraía quando alguém contava uma mentira. Eu era um "detector de mentiras" humano.

— Tem certeza que você não vai aparecer nos noticiários do outro dia?

— Absoluta. — sorriu de maneira confiante, quase me convencendo — E me desculpa, mas vou ter que ir embora agora.

— Mas nem começamos nossa maratona! — falei com tristeza. Blaine se ergueu do sofá e beijou minha testa. Sua mão deslizou no meu queixo.

— Eu vou ter que trabalhar, Liv. Aquilo que você viu no celular foi uma chamada pro trabalho. Jared é só um babaca, eu te prometo.

Não deram 5 segundos, o meu celular vibrou. Era uma mensagem de Major Lilywhite, meu noivo.

Major: Oi, amor. Eu tô aqui no hospital. Uma das suas amigas me pediu pra te chamar. Eles estão precisando de vc pra ficar de plantão ;-;

— Quem é? — meu irmão perguntou, já pegando sua jaqueta e as chaves do seu carro.

— Major. O trabalho me chama.

— Hmm, que coincidência maldosa. — rimos — Bom, eu já tô indo. Boa sorte por lá.

— Digo o mesmo. — despedi-me dele com um abraço tão apertado quanto todos que Blaine já me deu. A coisa estranha era que uma sensação horrível se formou em meu peito.

A sensação de que não sentiria mais o calor dos seus braços.

Uma sensação de desespero.

De morte.

. . .

Já eram 9:30 da noite, eu tinha ficado no hospital por umas 2 horas. Havia vários pacientes nos leitos do lugar, muitos estavam encarando uma situação de vida ou morte. Com os meus esforços e o das enfermeiras, conseguimos estabilizar a maioria deles. Agora era meu período de descanso e eu iria aproveitá-lo.

Estava deixando o hospital depois de ter organizado minhas coisas, Major estaria me esperando em frente ao local. Tudo ia bem, até que me deparo com um rosto familiar.

— Hey, Liv! — era Emma, minha amiga de trabalho — Quer ir a uma festa hoje?

— "Oi, Liv. Boa noite, como você está, depois de um longo dia de trabalho?" — brinquei, ainda com um tom realista. Ela bufou, revirando os olhos — E não, valeu. Não sou uma pessoa de festas.

— Ah, qual é, garota! — retrucou, parecendo uma adolescente mimada — Vamos. Mostre a todos que você não é uma chata. — eu a encarei com surpresa. Emma sequer dirigia muitas palavras para mim no trabalho. Agora parecia tão próxima — É em um barco. — insistiu.

— Obrigada, mas tenho planos. — olhei para ambos os lados da estrada, procurando me afastar dela. Já consegui ver Major de longe, seu sorriso bobo e contagiante se esboçava. Era o sorriso bobalhão mais bonito que eu já vi na minha vida — Quem sabe outra hora.

Emma balbuciou algo inaudível enquanto me despedia dela e pulava para os braços do meu noivo.

— Oi, amor! — sussurrei em seu ouvido, beijando sua bochecha.

— Como as pessoas ficam quando você é doutora? — reclamou, ainda sorrindo — Sério, queria ficar te abraçando o dia inteiro.

— Bem, em três meses, sou toda sua. — ele abriu a boca para falar, mas logo interrompi — E não, não tenho como adiar isso.

Major me puxou pela cintura e empurrou um beijo apaixonante contra os meus lábios rosados. Nos separamos e começamos a caminhar.

— Ah, você nem vai acreditar. Aquela garota que queria me matar me convidou para uma festa.

— Bom, pelo menos ela está sendo legal. — disse ele — Você considerou ir?

— Não sei... é em um barco.

— Hoje? Deveria ir. Se divertir um pouco e tudo mais. Olivia Moore não deveria ser escrava do senhor Jeffreys.

— Falando assim, parece até que o meu chefe é um maníaco. Enfim... acha mesmo que eu deveria ir?

— Claro! O que de pior pode acontecer?

"É verdade." pensei. Eu ando muito focada no meu emprego e na minha própria vida conjugal. O que de errado aconteceria se eu tomasse alguns drinks e me soltasse?

— Acho que tem razão. — beijei meu noivo novamente e sussurrei um "tchau".

Peguei as chaves do meu carro e liguei o rádio. Fiquei, até chegar na festa, cantando "Singing in the rain". Eu parecia uma criança, tinha que admitir.

Até que enfim estava lá. Estacionei o carro num lugar perto do barco e subi as escadas. O barulho ensurdecedor era visivelmente notado a quilômetros de distância. O cheiro era horrível. Cerveja, vinho, maconha... tudo se fundia num só odor. Estava praticamente estonteada.

— Oi, gata. — um garoto idiota se aproximou de mim. Ele segurava uma garrafa de cerveja e um potinho transparente — Quer tentar uma cheirada nessa belezinha? — falou, referindo-se ao pote. Era uma droga, agora tinha certeza.

— Não, sai daqui, imbecil! — ele continuou diminuindo nossas distâncias, aquilo estava ficando constrangedor e apavorante. Empurrei-o para longe e ele ergueu a mão para me socar.

Fechei os olhos, esperando pelo pior, que nunca veio.

— Não ouviu a garota, canalha. Saia de perto dela. — reconheci a voz. Era Blaine. O que ele fazia aqui?

— Olha se não é o grande Blaine DeBeers. O que vai fazer? Dançar até que eu morra? — o garoto rebateu, rindo de suas próprias idiotices.

Tudo estava confuso demais para mim. Blaine chutou a cara do menino e o arremeçou até o lago. Nunca soube dessa força descomunal e aterrorizante, muito menos que meu próprio irmão mentia para mim.

— L-Liv. Você está bem? — perguntou, ignorando os olhares de espanto das pessoas ao nosso redor. Antes que alisasse minha testa, esbofetei sua mão.

— Como assim "você está bem?"? Blaine, você mentiu pra mim! Me enganou. — falei, meus olhos marejados.

— E-eu não queria te dizer sobre isso, Olivia. Meu pai me mataria. — observei suas mãos. Elas portavam o mesmo potinho que o garoto segurava. Havia um nome cravado em cada um: "Utopium".

— Blaine... você está usando drogas? — quase enfartei, nervosa pela resposta.

— Eu vendo Utopium pra esses caras, Liv. Eles gostam disso.

— Então pare! Chega disso tudo. Vamos ter uma vida em paz, Blaine. — gritei. Blaine iria falar mais uma coisa, só que ele caiu no chão — Blaine!

Ele se esperneava. Quando menos percebi, umas 8 pessoas faziam o mesmo! O que estava acontecendo?

— Liv... você tem que ir... embora.
— Eu não vou te deixar! — puxei meu irmão para perto, mas deixei um grito escapar quando vi seus olhos. Estavam vermelhos e ao redor, marcas negras se formavam, como se fossem suas veias — Blaine...

— Desculpe, Liv. — Blaine soltou um rugido forte, as pessoas que antes caíram no chão, estavam agora atacando qualquer um que vissem pela frente. Estavam todos loucos, inclusive meu irmão.

O fogo emergiu repentinamente, as labaredas lambiam a madeira com vigor. Como se fosse uma epidemia, as pessoas "normais" já tinham se transformado na coisa de olhos avermelhados e sem alma. Seriam zumbis?

— Arhg! — exclamei de dor, ao sentir algo afiado bater na minha pele. Havia três marcas recém formadas sobre meu braço, alguém teria me atacado. Infelizmente, esse alguém era quem eu menos esperava: Blaine Mcdonough.

O número de baixas estava aumentando, agora as pessoas se defendiam para não morrerem ou se tornarem zumbis. Os infelizes que foram infectados já estavam tão pálidos quanto as núvens de um céu ensolarado.

Eu estava ainda mais tonta, agradeci a mim mesma por não ter surtado e atacado alguém — quem sabe, o "veneno" do machucado ainda não teria chegado em meu coração —. Debrucei-me sobre o corrimão das escadas do barco. Até que, por fim, alguém me empurrou para longe, o que me fez cair nas águas gélidas do lago.

"Socorro!" fiquei repetindo para mim mesma, enquanto cerrava os olhos e me preparava para desmaiar.

. . .

Quando acordei, tudo parecia escuro demais. Bateu-me um esquecimento de algumas coisas que aconteceram mais cedo. Teria sido o efeito do arranhão? O que eu lembrava era que um estranho rapaz teria deixado a marca de suas unhas em meu braço, mas...

Quem era ele?

— Oh meu Deus! — ouvi um sussurro. Eu estava isolada, dentro de um saco amarelo, os que as pessoas usam num necrotério para pôr os cadáveres.

Quando abri a sacola, vi uma das piores cenas possíveis: dezenas de sacos amarelos jaziam na areia do porto. Fiquei pensando nas minhas possibilidades de sobrevivência ao massacre, pareciam ser 0%. Um policial, ao me ver, saiu correndo como se sua vida dependesse disso. Não me importei muito.

Fiquei ali parada, sem sentir frio, calor ou sede.

"O que de pior pode acontecer?" pensei na frase que Major utilizou para me incentivar a ir na festa "Tente um inexplicável surto de zumbis...

Seguido por um súbito desejo de comer cérebros."

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.