My Sky Angel

Capítulo 20 - Elsa


Corri para fora do dormitório sem pensar nas consequências. Só queria estar sozinha e refletir. Não, eu não queria refletir queria desabar. Aquele pequeno desabafo que tive com Merida fez desencadear uma corrente de sentimentos que eu não queria sentir. As minhas asas estavam descobertas e emanavam um brilho alaranjado devido à reflexão da luz do luar. Faltavam poucos dias para a lua cheia e a lua emanava o seu brilho azulado e frio. O ar não estava frio, estava quente até mas as correntes de ar davam a sensação de frieza. Estava demasiado arreliada para sentir fosse o que fosse e então não sentia os meus braços desnudos a eriçarem-se à mudança de temperatura.

Gritei quando já estava demasiado afastada do resto da pequena população. Um grito angustiado e ansioso por sair. As minhas mãos percorreram o meu cabelo solto e despenteado. Os meus pés percorriam o relvado chutando todas as pedras que encontravam pelo caminho.

Comecei a esbracejar o ar, como se fosse o culpado disto tudo. Os meus braços e as minhas asas chicoteavam-no enquanto a minha garganta ardia de tanto gritar. Mas eu não parei. A minha mente não lhe dava ouvidos e continuava a obriga-la a gritar. Os gritos enraivecidos e atormentados saíam da minha boca sem eu os ordenar. Deixara de ter controlo do meu corpo. Os meus pés estavam doridos mas continuavam a pontapear o chão e as pedras à minha frente.

Não sabia o quanto já tinha passado quando tropecei no chão. Gritei furiosa culpando tudo e todos pela dor que me consumia. Mas os meus gritos sumiram dando lugar a soluços descontrolados. Lágrimas corriam livremente pela minha face. Dor, raiva, angústia, perda… Porque é que eu não conseguia ser feliz e ter por uma vez o que queria? Queria os meus pais. Estavam mortos. Queria a minha irmã. Merida não deixava e eu aceitara isso. Eu não era uma arruinadora de famílias. Se ela queria que eu me afastasse então eu me afastaria.

Subi a um monte bastante alto e atirei-me. O ar a correr-me pela face. A dor a puxar-me para baixo. As minhas asas forçavam-se para abrir e parar a queda mas eu contive-as tanto quanto pude.

Não sei como mas pude sentir o chão. O cheiro a relva, a terra… Vida. Algo que eu não queria. O meu corpo não concordou comigo e no último segundo as asas esticaram-se ao máximo. Tinha, mais ou menos, uma envergadura de dois metros. Os meus pés pisaram o chão e eu suspirei derrotada. Voltei a subir o monte mas em vez de me atirar apreciei a paisagem. A lua, com o seu tom prateado refletia-se na água, fazendo-a parecer prata, nos telhados e até no solo onde as ervas brilhavam como se tivessem sido acabadas de ser regadas. Parecia mágico.

Voltei a suspirar. Eu não queria magia. A dor não me deixava. Eu só queria parar com ela.

Olhei para as penas das minhas asas. Tão suaves, tão frágeis mas ao mesmo tempo resistentes. Toquei numa com a minha mão e puxei. Uma dor aguda irrompeu da minha omoplata. Arfei e gritei mas isso não impediu de eu continuar a puxar. Parecia que me estavam a desmembrar. Mais um pouco. Gritei sentido água salgada na minha boca. Estava a chorar mas eu não podia parar. Um puxão mais forte e a minha mão saltou livremente para a frente enquanto eu caía para o lado, aflita.

Arfei e olhei para a pequena pena que tinha na minha mão. Era branca tornando-se cinzenta nas pontas. Era bastante suave. Quando observei mais para baixo reparei que o cálamo, a extremidade da pena presa à pele, estava ensanguentada. Olhei para a minha asa de onde a desprendera. O sangue quente corria pelas costas. Ainda ardia bastante o lugar onde eu a tinha arrancado e em vez de gritar de horror, ou algo parecido, fiz algo que me surpreendeu.

Eu ri. Aquela dor física fizera-me, por momentos, fazer esquecer a dor emocional que me corroía por dentro. Levei a mão novamente ao lugar para arrancar outra mas fui parada por um abraço forte.

– Larga-me – gritei para o meu agressor. As minhas asas debatiam-se e eu sentia as suas a debaterem-se também para me manterem quieta.

– Não é assim que vais resolver as coisas – ele disse. – Pensa no teu hiddick. O que achas que ele sofreu quando arrancaste a primeira?

Parei de me debater mas o aperto não afrouxou. As suas asas estavam encostadas às minhas esperando que eu voltasse a digladiar. Pensei em Marshmallow. Neste momento não estava comigo. Os hiddicks tinham um poleiro próprio para dormir. Acho que tinha algo a ver com a independência. Tornavam-se mais independentes e isso garantia que não demonstrassem completamente as nossas emoções em caso de ataque.

Quando viu que eu parara de lutar, ele largou-me e sentou-se ao meu lado. Quando virei a cara para o olhar o meu rosto tomou uma expressão de horror.

– Hans? – perguntei. A minha mente tinha estado demasiado enevoada para sequer notar que era uma voz conhecida. – Que estás aqui a fazer?

– Vim dar uma volta já que não conseguia dormir. Depois comecei a ouvir gritos e vim ver o que se passava.

Corei e olhei para baixo. Eu devia estar uma lástima. Os meus olhos estavam vermelhos devido ao choro, a minha garganta estava um pouco rouca e as minhas costas sangravam. Sim, eu estava uma lástima se contarmos também a minha roupa toda suja de terra.

– Então o porquê dessa tua pequena mutilação?

– A minha vida é uma porcaria. – disse olhando ainda para baixo.

– Estou a ver – ele diz.

E, mesmo sem ele pedir eu desabafo tudo. No final parecia que me tinha saído um peso dos ombros. Hans fora compreensivo. Os seus olhos estavam atentos e ouvia tudo calado assentindo para eu continuar. Não sabia que o que me dera mas falar com ele fora tão fácil. Nunca falara tão livremente com alguém mas com Hans era simplesmente natural.

– Então, no final de tudo foi a minha irmã que fez asneira? – ele perguntou e eu assenti – Típico de Merida – ele riu – logo vocês vão estar bem. Ela está arrependida, acredita em mim.

Olhei para ele e algo nos seus olhos esmeralda me fez acreditar. Suspirei.

– Então, – comecei – qual é o teu passado secreto?

Vi os seu ombros retesarem e o seu maxilar contrair mas mesmo assim arqueou as pontas dos lábios.

– Passado secreto? – pergunta e eu olho para ele cética.

– Ninguém que não tenha um passado traumático é tão reservado como tu. Eu vi como olhaste para nós da primeira vez. Como se nós fossemos inimigos sem perdão. Nem Merida, que reparei que é bastante protetora, nos olhou assim. E também me compreendes o que significa que também sofres.

Ele suspira nada confortável.

– Se Anna é tua irmã o que isso faz de nós? – suspirei, aborrecida por ele ter mudado de assunto mas não o pressionei.

– Nada com laços de sangue – disse-lhe, sorrindo também – talvez duas pessoas que se tenham de aturar uma à outra só porque têm uma irmã em comum?

– Bom ponto – ele disse – Toma.

Ele ofereceu-me uma garrafa.

– Para quê? – eu perguntei.

– Para relaxares por agora. – ele diz sorrindo.

Eu abri e cheirei o conteúdo. Tossi.

– Uísque? – perguntei e ao vê-lo assentir olhei para ele incrédula – Tu queres me pôr bêbada?

Ele levantou as mãos como se fosse culpado.

– Tu só bebes se quiseres. Isso sempre é melhor que arrancar penas.

Eu corei e dei um pequeno gole. A bebida ardeu-me quando passou a garganta mas fez-me esquecer na confusão em que me metera por momentos. Dei outro gole e passei-lhe a garrafa. Ele deu um gole também.

– Que tal? – ele pergunta divertido com a minha reação.

– Muito forte – digo tossindo.

Fomos bebendo até acabar a garrafa. Tentei manter-me lúcida mas a bebida era demasiado viciante. Quando dei por mim, já nem eu nem Hans estávamos no controle.

– … e depois ela caiu – ele contava-me uma história, eu já não me lembrava do começo mas no final ambos irrompemos em gargalhadas.

– Eu acho… – a minha voz arrastava-se e a minha língua emaranhava-se toda. Olhei para o céu, estava a amanhecer - … melhor irmos dormir.

– Boa noite –ele diz levantando-se aos tropeções.

– É, - eu digo levantando-me nas mesmas condições – boa noite.

Não sei se foi a bebida mas mesmo naquele estado eu surpreendi-me com o que fiz. Inclinei-me para a frente e quando notei os meus lábios estavam colados aos dele. Fora um beijo calmo e com sabor a bebida. Mas como começou, acabou.

Afastei-me assustada pela minha audácia e fui a voar aos “s” até chegar ao dormitório. Abri a porta e vi Merida a dormir.