My Heroine

There goes my heroine; watch her as she goes.


Francis abraçou Arthur de lado, assustando-o, logo depois de todos terem se levantado.

— Arthur – ele falou com seu sotaque acentuado. — Passe o recado, sim?

O inglês se livrou do abraço e assentiu, voltando a olhar para todos os outros presentes: Alfred, Ivan, Wang e Ludwig.

— Farei de forma conjunta. Quero que o mundo saiba que estamos concordando nisso...

— Da, o mundo já sabe – Ivan cortou, sorrindo um pouco. — Vocês que estão fazendo tanto estardalhaço.

— Não é estardalhaço! — Alfred exclamou. — O Irã não pode continuar com aquelas atividades nucleares e esperar que ninguém se preocupe com a ameaça de uma guerra! E eu não posso permitir isso, eu sou o herói!

Alfred não notou os rostos dos companheiros que claramente diziam “você não pensa assim quando é você que está em guerra”.

— De qualquer jeito, achei que tínhamos dito que concordamos aqui? — Wang Yao falou logo, antes que Ivan pudesse responder.

— Isso mesmo – Ludwig apoiou o chinês. — Vamos logo embora, eu deixei Feliciano sozinho e ele disse que iria me preparar uma surpresa... a casa provavelmente já explodiu a essa altura.

Ninguém se importou muito com o drama do alemão, mas seguiram o conselho e saíram da sala de conferência, um por um.

— Acho bom fazer o comunicado ser sutil – Francis falou para Arthur enquanto caminhavam para fora. — Aquele russo nunca foi muito duro nesse quesito, e eu não quero que na próxima reunião ele reclame da nossa agressividade de novo. Como se ele tivesse o direito...

— Eu sei. Não se preocupe, eu sei o que estou fazendo.

Francis sorriu e abraçou Arthur outra vez, fazendo-o soltar um gemido de frustração.

— Claaaro que sabe.

— Obrigado. Dá pra me soltar agora?

Francis abriu mais o sorriso. Ao invés de fazer o que lhe foi pedido, ele virou Arthur para que ficassem um de frente para o outro.

— Por que fugir tanto, chéri? — ele aproximou o rosto e falou baixinho: — Já estamos conectados mesmo.*

Arthur estremeceu e o empurrou, começando a corar.

— Não precisa me lembrar disso.

Francis novamente chegou mais perto, dessa vez quase prendendo o outro contra a parede. Não havia mais ninguém no corredor, apesar do francês saber que Alfred os havia visto antes de sumir; e o pensamento lhe animava. Provocar ciúmes era divertido! Apesar de que Arthur provavelmente teria corrido dali se soubesse que o americano os vira. Ainda era protetor em relação à ex-colônia, mesmo que não admitisse... e Francis não podia culpá-lo. Quando via Matthew a situação não era tão diferente. Na verdade, era por isso que brincar com o inglês era tão legal. Os Estados Unidos e o Canadá eram perfeitamente seus filhos! Não havia como esquecer as discussões intermináveis a respeito dos dois, cada um com seu filho favorito. Na época fora terrível, agora era uma lembrança quase carinhosa. Terrivelmente carinhosa.

— Não acha que devíamos aproveitar que estamos em paz, mon amour? — Francis perguntou. — Relativamente, ao menos.

— Continue com isso e a paz vai acabar! — Arthur exigiu, tentando se afastar e não conseguindo. Então ele suspirou e murmurou para o chão: — Meu Deus, eu mataria para me livrar desse cara agora...

Ele só falou por falar. Por isso mesmo, ficou surpreso quando Francis recuou... parecendo magoado.

— Vai logo apresentar o comunicado, então. – o francês disse, virando-se e indo embora rapidamente, deixando um Arthur meio atônito para trás.

Francis não conversou com ninguém ao pegar o avião que o levava para casa. Passou por Arthur mais uma vez, mas não lhe dirigiu o olhar; parecia perdido em pensamentos.

A frase descuidada do outro não devia ter-lhe atingido, mas não havia como impedir. Estavam no meio de maio; e por todos aqueles dias ele passara já tempo demais pensando no mesmo assunto para não associá-lo ao que acontecera agora.

Francis fechou os olhos, sem dormir, e só os abriu quando chegou em casa. Saiu da pista particular e foi direto para a mansão onde vivia, deixando o casaco com os empregados e caminhando firmemente até seu quarto.

Assim que estava seguramente trancado lá dentro, o loiro foi até seu armário e tirou, de um compartimento secreto dentro da gaveta, algo que provavelmente valeria milhões.

Ela.

Uma pintura original, óleo sobre tela, retratando a maior guerreira que a França poderia ter desejado ter durante a Guerra dos Cem Anos: Joana d'Arc.

Aquele mês era o mês de aniversário tanto de sua morte quanto de sua canonização — claro, em anos diferentes. Santa Joana! Francis sempre sorria pensando nisso, pensando no que ela diria se soubesse que seu nome era agora proferido assim.

Sentou-se, com a pintura em mãos, e se permitiu viajar pela memória novamente.

Você fica bem assim.

Ela se assustara. Levantara a espada e a apontara para Francis sem qualquer hesitação.

Quem é você?

Meu nome é Francis Bonnafoy, chérie.

Isso obviamente não respondia a pergunta da garota, já que ela não reconhecia o nome. Ela precisava de títulos, honras, algo com o que ela pudesse se sentir confortável.

O que é você?

Essa é uma boa pergunta – Francis respondeu, sorrindo como se não estivesse com uma espada apontada para o peito. — Acho que você pode dizer que sou um barco.

A confusão no rosto dos humanos era sempre gostosa de ver. Nela, no entanto, ficava ainda melhor; era confusão e determinação juntos, um conflito tão interessante quanto o conflito que era a mulher vestida de homem, a guiada por Deus e também guerreira. Aquela mulher era algo pelo qual se interessar, isso Francis já sabia com certeza.

O mastro é o governo – o loiro explicou. — O povo é o vento, e o tempo é o mar. Eu sou o barco. E você, vinda do vento mas com tanto poder quanto o mastro, está me guiando nas melhores direções possíveis. Eu só queria agradecer.

A espada tremeu, mas não abaixou. Joana estava tentando decidir se ele estava louco, ou ela.

O que você quis dizer com “eu fico bem assim”? — ela perguntou de repente.

As roupas. Você fica bem nelas.

Ela corou um pouco.

Besteira. Eu só as uso para evitar abusos, e não é mais do que prudente se vestir assim ao atravessar território inimigo.

Concordo – Francis se apoiou na parede próxima e jogou o cabelo para trás. — Prudente, mas não deixa de ser atraente.

Ela corou mais. Ao voltar a falar, o fez com a voz baixa, discreta.

Como pode uma mulher perdendo sua feminilidade ser atraente?

Ah, mas chérie! Quem disse que você perdeu sua feminilidade?

Agora, sim, ela pareceu genuinamente confusa.

A mulher não está no que ela esconde por baixo desses panos – ele continuou. — A mulher está em um lugar completamente visível. Posso te mostrar aonde, se você deixar.

Ela estendeu mais a espada. Francis sorriu e levantou os braços.

Não estou armado, pode ver. Não vou te machucar. E mais, eu passei pelos guardas da entrada, então é óbvio que não sou inimigo.

Ela hesitou, mas considerou o que ele falava. Finalmente, abaixou a espada, mas colocou a mão sobre um bolso, de onde tiraria uma adaga no caso de qualquer movimento suspeito.

Francis se adiantou sem cerimônias. Chegou perto de Joana, muito perto, deixando-a atordoada por um momento.

Aqui – ele falou, e deixou um dedo tocar gentilmente um lugar sob o olho direito da garota. — Nos olhos. É por aqui que eu consigo ver a mulher. E ela fica bem em qualquer roupa.

Joana abriu a boca e a fechou. Não fazia ideia do que dizer ou fazer; jamais havia estado perto de um homem dessa forma. Era estranho, e errado, e impróprio, e bom.

E ficaria ainda melhor, ela sabia. Sentia.

Francis se aproximou devagar, dando-lhe tempo para recuar, mas ela permaneceu parada. Quando os lábios se tocaram, ele pôde senti-la tremendo. Tão virgem! Seus lábios nunca haviam encostado em ninguém, mas suas mãos estavam cobertas de sangue, não estavam?

O beijo não se aprofundou; ela não estava preparada para isso. Só um mero toque já a faria perder algumas noites de sono, Francis sabia. Ele se afastou, piscou para ela e lhe deu as costas, sem uma despedida, como se fossem se ver em algumas horas.

Francis se deixou cair sobre a cama. A primeira lembrança era perfeita. Mas ela sempre fazia com que as outras viessem, uma por cima de outra, desesperadas, barulhentas.

Você! — ela gritou ao perceber o homem do outro dia correndo ao seu lado. — Você está no batalhão!

Na verdade, não – Francis respondeu, ambos ofegantes devido à corrida. — Eu estava em outro, mas decidi vir ficar nesse.

E desde quando você pode simplesmente trocar de...

Cuidado!

Francis a empurrou e atingiu o homem que tentara lhe atacar. Joana sorriu e agradeceu. Cortaram a conversa e continuaram com a luta, como acabariam por fazer vezes o bastante para se perder a conta.

–--

Eu ainda não sei o que você é – ela dizia, trazendo um copo d'água aos lábios e encarando Francis atentamente.

Já disse, um barco.

Ela riu.

Você não faz sentido.

E alguém faz?

Ele a beijou. Os beijos se tornaram constantes agora. Mais um pouco... e ele talvez conseguisse mais do que isso.

–--

Joana!

Tarde demais. A flecha a atingira em cheio, e Francis não conseguiu se colocar no lugar dela. Ele se ajoelhou ao seu lado, deixando a luta continuar ao fundo, e gritou por ajuda. Joana gemia em dor, mas estava bem acordada.

Não é minha hora ainda, querido – ela murmurou, antes que os médicos chegassem para levá-la.

Francis sabia que não era, mas o pânico... o pânico ao vê-la com aquela flecha encravada na carne foi tão forte que ele por um segundo esqueceu-se do que era.

Um país, não um ser humano, Francis. Você não devia... você não podia ter se apaixonado.

–--

Francis estava abatido. Não tanto quanto antes, claro, afinal a guerra estava quase ganha; mas as batalhas constantes acabavam com seu corpo. Joana não entendia como machucados novos apareciam por todo lado mesmo em dias sem luta, mas não dava mais atenção a isso do que ao fato de que ele precisava ser cuidado.

A guerreira dava lugar à santa enquanto ela beijava suas feridas e acariciava seus cabelos.

Dói – Francis sussurrava. — A guerra, a morte, o confronto... isso tudo dói tanto. Você não imagina...

Shhh – ela passou a mão por sua cabeça, que repousava em seu colo. — Eu sei, acredite em mim, eu sei.

Ela não sabia. Mas Francis acreditou.

Até que chegara o dia. A captura.

Onde ela está?!

Ninguém sabia responder. Depois da retirada rápida que fizeram, ainda não tiveram tempo de ver quem havia ficado e quem havia sido morto... ou levado.

Ela não estava em lugar nenhum.

Onde ela está?

Não adiantava. Ela simplesmente não estava lá.

–--

Não demorou tanto até que ele soubesse que ela estava sendo julgada. Dominado pela fúria, ele quase fez uma besteira; quase foi até lá e a libertou ele mesmo. Mas é claro que não conseguiria, não contra os borguinhões e os ingleses juntos. Ele não teve escolha a não ser aguardar, em agonia pura por meses, até que chegassem a um veredicto.

As notícias demoravam a chegar onde ele estava, e ele acabou por viajar, sozinho e contando com a sorte, para poder estar por perto quando finalmente uma decisão fosse tomada. Ele não aguentaria esperar mais do que o necessário.

E, por isso, ele estava lá quando ela foi condenada. Por heresia. Heresia! Como eles podiam, como ousavam? O que qualquer um deles tinha a dizer sobre Joana d'Arc? O que os ingleses tinham a dizer, eles que eram os mais impacientes com aquilo?!

Ele tentou pensar em um plano, mas depois de um julgamento tão demorado, eles foram rápido em executar a sentença. Não demorou um dia para que ela fosse levada para uma praça pública na cidade de Ruão e amarrada, bem visível a todos.

Francis se disfarçou e correu para poder vê-la. Sabia que seria o pior, sabia que seria o mais doloroso, mas precisava vê-la mais uma vez.

Ela estava olhando para cima, rezando sem parar. Mesmo enquanto seus braços eram presos e seu corpo grudado à madeira, ela não deixou de orar. Francis ignorou o quanto ela estava magra, pálida, ou a estranheza que era vê-la com um vestido. Ele se focou em seu rosto, assustado mas ainda assim pacífico, como seria de se esperar do conflito ambulante que era aquela mulher.

Ela olhou para baixo no último momento antes de colocarem o fogo sob seus pés. Sorriu, aliviada. Francis se perguntou se o último pedido que ela fizera a Deus fora poder vê-lo.

Ele não conseguia conter as lágrimas, mas sorriu de volta para ela. Queria gritar que a amava, mas achou que ela riria da obviedade disso.

O fogo se acendeu, e o sorriso da jovem santa foi substituído por gritos de terror, e Francis caiu de joelhos, sem achar que conseguiria se levantar.

Mas conseguiu, afinal. Lá estava ele, forte, as cicatrizes da guerra já completamente curadas. Todas, menos a mais profunda.

Abraçado com a pintura, ele não ouviu o barulho vindo do andar debaixo da mansão. Só se deu conta de que algo estava acontecendo quando um de seus empregados veio anunciar uma visita inesperada.

Francis guardou a pintura e desceu. Não pôde deixar de emitir um ruído surpreso ao ver Arthur o esperando.

— Hey, desculpe atrapalhar.

— Não, tudo bem. O que te traz aqui?

Ele ficou desconfortável. Remexeu-se no sofá e bebericou do chá que um dos empregados franceses havia lhe trazido.

— Depois que você saiu, eu perguntei pro Alfred se ele sabia o que havia de errado, e... — ele limpou a garganta, sem olhar para Francis, que se sentara ao seu lado. — Ele me disse que esse é o mês em que ela...

Francis somente assentiu.

— Desculpe – Arthur finalmente arrumou coragem para olhar para ele. — Eu fui indelicado, não lembrava... desculpe.

— Não ligue para isso, chére. Eu sou muito emotivo.

Ele tentou dar um sorriso, mas este saiu sem jeito, e Arthur percebeu.

Não é que ele não havia perdoado Inglaterra... mas também não é que havia. Ele não sabia, simplesmente não gostava de pensar no assunto. Ele passou por tanto com Arthur, mais do que jamais passaria com qualquer humano, mesmo que esse vivesse cem anos. Mas aquela ferida era tão grande, tão vulgar. E ambos se lembravam do momento, sim. Francis se lembrava de ter visto Arthur ali, do outro lado da fogueira, depois que tudo acabou. Arthur pareceu querer ir ajudá-lo, mas seu chefe jamais permitira isso. Então eles só se encararam e Arthur foi embora, sem olhar novamente para ele ou para as cinzas da mulher que matara.

— O amor... — Francis falou para si, sem pensar direito. — Pode restaurar uma nação, e pode acabar com ela...

— O amor é bem parecido com a fé, não acha?

Francis olhou para o outro. Pensou um pouco e concordou.

— Sim, tem razão. Ambos são destruição e salvação ao mesmo tempo.

— É... e ela era assim, não era? — Arthur falava com cuidado. — Você sempre a descreveu assim, um conflito ambulante.

— Destruição e salvação – Francis falou pensativamente. — Sim, essa era Joana d'Arc.

Ele ficou quieto, perdido em memórias de novo. Arthur o deixou ir, apesar de ficar incomodado por não saber se devia sair dali ou não. Teve a resposta assim que ouviu Francis começar a chorar.

— Ah, não...

Chegara, finalmente. Francis se permitiu pensar demais, sentir demais, e agora a dor o assolava com toda a força. Sentiu os braços de Arthur o envolvendo e se deixou chorar em seu ombro. Até riu, no meio, com a ironia daquilo.

— Sinto muito – Arthur murmurou. — Todos tivemos nossos mártires...

— Mas nenhum de vocês a teve – Francis fungou. — Nenhum de vocês imagina!

— Você a ama, Francis, por isso a vê assim – Arthur se afastou para poder olhar para ele, ainda segurando seus ombros. — Ela te salvou como nação, e te destruiu como pessoa. Nós sabemos. Nós também amamos.

Francis não soube argumentar. Chorou mais um pouco, até se recompor.

Estava mais calmo, mas não se afastara de Arthur. Olhou-o atentamente, pensando no que pensara mais cedo. Passaram por tanta coisa juntos! Hoje mesmo ele estava lembrando de como fora viver com ele como se fossem pai e mãe brigando para dar a melhor educação aos filhos. Hoje mesmo ele estava sentado a uma mesa com ele, discutindo o que seria melhor para todos, sem nenhum indício de que já haviam guerreado até a morte.

Francis foi para a frente quase imperceptivelmente, à princípio. Arthur ficou imóvel, e com isso Francis completou o espaço restante.

Ele fechou os olhos durante o beijo, sem querer saber se Arthur fazia o mesmo ou não. Em alguns segundos, ele se afastou, só um pouquinho, e permaneceu de olhos fechados.

— Sinto o gosto do sangue dela nos seus lábios – murmurou. — Mas também sinto o gosto da nossa história.

Arthur, surpreendentemente, fez acontecer outro beijo. Dessa vez com direito a um abraço meio estranho, por estarem lado a lado no sofá. O francês retribuiu, mas também foram poucos segundos.

— Eu deveria te odiar – Francis disse, novamente baixo. — Mas o mar fez seu trabalho, afinal.

— O mar?

Não havia contado a metáfora para o inglês. Sorriu, e achou melhor deixar assim.

— Sim, o mar. Porque por mais que você tenha me tirado a brisa mais doce e forte que já passou por mim, as águas não deixaram de me empurrar para frente.

— Do que você está falando?

Ele não respondeu. Abraçou o inglês de súbito, com força, e deixou mais uma lágrima cair. Mas dessa vez não era pela sua santa, seu mártir; não.

Dessa vez era por perceber que até países conheciam o perdão.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.