Ulquiorra colocou seus coturnos, e saiu de casa. Estava vestindo ainda seus pijamas, mas sair de casa assim estava virando rotina. Era madrugada, e as luzes fracas e amareladas iluminavam as ruas desertas da cidade de Karakura —as três da manhã, não havia nenhuma alma viva na rua; as pessoas que voltavam tarde de festas geralmente estavam de carro.

Ulquiorra olhou para as suas tão adoradas botas se moverem pelo caminho já tão comum; Orihime começou a vir aqui desde a viagem á praia. Ele não sabia o por quê, mas sempre a flagrava sentada lá, de um jeito frágil. Ás vezes, ela chorava. Odiava vê-la assim, e ela odiava ver Ulquiorra a observando enquanto ela estava tão vulnerável, então o moreno a observava escondido, no maior silêncio possível, e de longe para que ele não pudesse ver suas lágrimas, e para que ela também não olhasse para seus olhos feridos.

Sua mente já fervia com pensamentos quando ele chegou. A praça da fonte estendia-se com suas flores multicoloridas na frente de Ulquiorra, e lá estava Orihime, como uma fada, sentada na beira da fonte. De onde estava, não conseguia ver a expressão de Inoue, mas via-se pela posição de seu corpo que estava triste e vulnerável. Por isso, Ulquiorra sentou-se em um dos bancos, que eram escondidos por um pé enorme de azaléias rosas, e ficou olhando para Orihime. Ela parecia um mosaico, com as flores e os galhos das plantas a cortando da visão de Ulquiorra.

Suspirou com paciência, bem baixinho para não ser escutado apesar da distância. Esperou um tempinho para ver se Orihime não havia ouvido, e meneou de leve a cabeça. Lembrava da primeira vez que viera aqui, quando ele achava Orihime bonita, mas não gostava daquele jeito dela. Havia aquela mesma fonte, aquela do Cupido. Lembrava-se que havia dado uma moeda para Orihime jogar no lago do Anjo do Amor, mas não soubera o que ela pedira. Provavelmente por Kurosaki Ichigo, o garoto que gostava de outra. Talvez por isso que ela viera até aqui, tão triste, porque descobrira por quem seu amado era apaixonado, e teve uma tremenda decepção quando descobriu que não era ela.

Ulquiorra se sentia um covarde por não ser capaz de ajudá-la; tudo que conseguia fazer era observá-la, impotente, como uma estátua de gelo.

♥♥♥

Orihime olhou para seu reflexo na água da fonte, para seus olhos brilhantes, e seu nariz vermelho na ponta, irritado. Ela fungou, limpando o líquido que escorreu por suas narinas. Suspirou. Tentou sorrir, mas o movimento em si não foi natural. Foi fraco demais. Tentou de novo, com mais força. Agora era artificial, como um fantoche.

Seu reflexo foi borrado por uma lágrima, que tremeluziu a água e formou ondas. Então ela chorou mais ainda, por seu reflexo destruído.

Olhou para o fundo da piscina, para o monte de moedas, de ofertas, de esperanças e desejos de amantes, afundados lá no piso frio, como náufragos. Pensou em seu desejo, quando veio aqui com Ulquiorra.

Eu desejo um amor verdadeiro, um que dure para sempre.

Bateu na água com a mão, se praguejando por ser tão estúpida.

♥♥♥

Hitsugaya lia os relatórios de seus funcionários, tentando afastar o nome “Hinamori” de sua mente. Ocupava-se com o trabalho, e as palavras sobre as novas fórmulas de remédio de fato invadiam a sua mente; no entanto, o nome “Hinamori” soava como um ruído de fundo. Ela estava afastando-se um pouco dele, saindo mais quando eles faziam maratonas de filmes em casa, ficando mais ocupada —ela saía toda noite, e contava mentiras repetidas todos os dia. Não era apenas Matsumoto, mas também Momo, que dizia que Toushiro era um workaholics. E ele, de fato, tinha a mania de afundar seus problemas no trabalho. Sentia-se seguro de frente a seus papéis, á suas fórmulas e suas pílulas e estatísticas. Para um garoto inexperiente, que pouco sabia da vida, esse era o único lugar em que ele realmente sabia das coisas.

Ele ouviu o ruído dos saltos de Matsumoto entrando na sala. Levantou o olhar levemente, para observar a mulher. Vestia um terninho feminino, e mexia no celular. Estava com um meio-sorriso nos lábios.

—Não te pago para mexer no celular, Matsumoto. —ele resmungou.

—Ora, Hit-chan, acabei de apresentar a nova pílula para os investidores. Deixe-me em paz, porque mereço! —Matsumoto se sentou pesadamente em sua cadeira, fazendo barulho. —Estou exausta!

—Você conseguiu o investimento?

Matsumoto tirou os saltos dos pés grandes, e colocou-os juntinho á cadeira.

—Disseram que iam pensar; mas falavam com um tom muito promissor!

—Ótimo. —Toushiro não desgrudou os olhos do papel, mas estava feliz por Rangiku o distrair dos pensamentos sobre Momo.

—O que você faria sem mim, Hit-chan? Você é péssimo com pessoas. Aposto que ia ficar todo gago na frente daqueles executivos gulosos! Nunca que iriam investir...

—Matsumoto, cale a boca! E não me chame de Hit-chan! —Toushiro exclamou, com um bem-feito tom de irritação. Não estava realmente brabo com Matsumoto, mas isso era praticamente uma rotina. O que seria Rangiku e Toushiro sem os berros?

—Você já viu as caras dos investidores? —Matsumoto começou, com um tom divertido nos lábios carnudos. —Eles te olham de um jeito assustador... Parecem que querem comer a sua bunda!

—Matsumoto!

—Não, é sério! —Matsumoto desbloqueou seu celular, e começou a tocar em sua tela. —E não é só comigo, não! Acontece com vários colegas homens meus também!

Toushiro suspirou, afundando sua testa na palma de sua mão. Estava rindo de pouquinho em pouquinho, de um jeito suspirado e baixinho, para que Matsumoto não tivesse a honra de ter uma de suas piadas sendo consideradas engraçadas.

—Uh! —Rangiku soltou. —Gin disse que o Izuru está um porre, e só fica dando suspiros apaixonados por aí. Ele quer saber se Momo está assim também. Tipo, o namoro dela com o Izuru não muda nada a nossa relação, mas pode ser com que pessoas mais próximas...

—Quê? O que você disse? —Hitsugaya perguntou; havia entendido perfeitamente o que Rangiku dissera, mas não queria acreditar. Tinha esperanças que tivesse ouvido errado.

—Quero saber se Momo também está um porre em casa, por causa do Izuru.

Toushiro respirou bem fundo, se controlando. Levantou os ombros, e ficou lá puxando e soltando o ar, em silêncio, por mais ou menos um minuto. Matsumoto ficou olhando para ele um pouco confusa e um pouco alarmada.

—Hitsugaya? —Percebia-se que ela estava preocupada, por causa do tom de sua voz e também pela ausência do apelido.

Ele inspirou fundo, fazendo suas narinas ficarem enormes.

—Está um saco, sim. —Toushiro finalmente respondeu, e a pressão esvaiu-se da sala, pelo menos para Rangiku. —Por que você não me chama de Hitsugaya todo dia? Eu gosto muito de que você me chame de Hitsugaya.

—E é por isso, Hit-chan — Rangiku disse, em um tom deliciosamente venenoso — que eu não te chamo de Hitsugaya.

♥♦♥

Toushiro ficou lá sentado, com aqueles pensamentos o torturando, mas incapaz de fazer nada. Pela primeira vez o trabalho não o ajudava em nada, e toda vez que ele decidia fazer alguma anotação, sua letra saía trêmula e borrada. Foi para casa uma meia hora mais cedo, porque foi quando percebeu que não conseguia fazer nada produtivo para a sua empresa naquele estado.

Sim, certamente estaria melhor em casa.

Só que não contava com um detalhe muito importante: Momo estava em casa. Sentiu-se um estúpido por não pensar nisso, e, quando a viu, quase saiu correndo pela porta.

—Shirou-chan! —Momo saudou, com uma alegria genuína. Ela estava lavando a louça do café da tarde, com um vestido de flores sobre um fundo preto. Depois, pareceu notar a expressão de Toushiro. —Está tudo bem? Você chegou um pouco mais cedo do trabalho... Está doente?

Toushiro abriu um sorriso doloroso, um arco cruel e irônico.

—Vocês sempre dizem que eu preciso tirar uma folguinha do trabalho... Pois bem, estou começando por meia horinha.

—Oh, Shirou-chan, que ótimo! —Momo parecia realmente feliz por ele, o que fez com que o estômago de Toushiro revirasse.

Ele desviou o olhar para as mãos de Hinamori, que esfregavam um pires sujo com a esponja. Eram mãos pequenas e delicadas, com unhas de francesinha.

—Pensei em irmos ao cinema hoje, sabe, de noitinha. —Outro sorriso cruel brotou dos lábios de Toushiro, estragando seu rosto, como se usasse uma máscara de demônio.

—Oh, hum, —Primeiro Hinamori ficou surpresa, depois envergonhada, e depois procurou uma desculpa para dar na memória. Toushiro ficou esperando pacientemente, já que queria saber qual seria dessa vez. —Vou com Malia para uma balada, sabe? Sinto muito, Shirou-chan, eu gostaria de ir com você, mas...

—Por que mente para mim? —Toushiro perguntou, em um tom de voz controlado.

Hinamori fechou a torneira, e olhou para ele.

—Como é?

—Não se faça de desentendida, Hinamori!

—Eu não faço ideia do que você está falando, Shirou-chan. —Hinamori secou as mãos na toalha, fingindo estar indiferente. No entanto, seus ombros tremendo a traíam.

—Você pensa que eu sou cego ou o quê? —Hitsugaya explodiu, por causa do cinismo da amiga. —Eu sei que você está saindo com o Kira!

Momo abriu a boca, pensando em se defender; seu lábio inferior tremeu.

—Nem tente. —Toushiro cortou. —Eu não quero mais mentiras, e não quero suas desculpas.

Momo fez um movimento incompreensível com os lábios, em seguida abaixou a cabeça, o cabelo caindo no rosto e ocultando seus olhos.

—Por que eu devia me desculpar, em, Shirou-chan? —Momo disse, com uma voz baixa e surpreendentemente rancorosa. —Sim, a mentira foi errada. Muito errada, até. Mas desde quando eu preciso dizer com que eu saio ou não? Quando você fala, parece que estamos namorando, ou algo do tipo. Que eu te traí. Você sempre me tratou assim, eu sei lá... Mas a vida é minha, e eu saio com quem eu quiser. Não estamos juntos, Toushiro.

Se ela tivesse acertado-lhe um tapa, com certeza Toushiro se sentiria melhor. As palavras o arrancaram de sua cabeça, e o jogaram na realidade com um balde de água fria. Seu chão simplesmente caiu. Ele lutou para as lágrimas não saírem ainda.

—É, você tem razão. —Toushiro falou, bem baixinho. —Mas isso não muda o fato de que você MENTIU PARA MIM, HINAMORI! —Ele agora berrava, mesmo sem querer. —Eu sou... Sou... Seu amigo, pelo menos, não é? Ou você nem me considerava um?

—É claro que te considero, Toushiro. —Hinamori estava chocada. —Sempre te considerei o meu melhor amigo.

—MENTIRA! —Toushiro explodiu. —Você não passa de uma piranha mentirosa!

—Não fale isso. Sei que errei em mentir para você, mas...

—CALA A SUA BOCA! Não aguento mais ouvir você falar!

♥♠♥

Hitsugaya caminhava com as mãos no bolso pelas ruas. Já havia escurecido, e o céu estava pintado de preto, e as estrelas e a lua projetavam um brilho prateado pelo céu. A raiva explosiva já havia passado, e agora tudo que sobrava era uma casca vazia, feita de tristeza. Havia um desespero aqui e ali, na verdade, e o medo de voltar para casa agora era enorme, e o atormentava. Toushiro olhou para os mosquitos atraídos pelas luzes amareladas dos postes, e olhou para as casas, com as luzes acesas, imaginando o que se passava lá dentro. O exterior da casa estava ótima, mas quem sabe os mistérios que moravam nela?

—Igual às pessoas. —ele sussurrou, pensando alto. Lembrava-se de uma frase do Fantasma na Ópera: “Ninguém será um verdadeiro parisiense se não souber usar a máscara da alegria quando estiver triste”. Não precisa ser um parisiense para usá-la, pois todos os povos do globo conhecem a máscara da alegria e a usam frequentemente.

Mas, agora, Toushiro não conseguia usá-la. Começou a chorar, e, embora ele limpasse os olhos várias vezes, não conseguia secá-los. Estava sempre vertendo e vertendo, como uma fonte. Hitsugaya se odiava, e odiava suas lágrimas.

Mas não odiava Hinamori. O calor do momento já havia passado, e agora ele via como fora idiota. Talvez por isso que Momo não gostasse dele, e saísse com Kira Izuru: porque ele era um idiota.

Decidiu que precisava ir para algum lugar; na verdade, precisava de alguém. Primeiro, pensou em Hinamori, seu sempre porto seguro, mas não podia pedir consolo por motivos óbvios. Depois pensou em sua avó, uma velhinha simpática —mas ela não estava nem ao menos no estado. E seu pensamento logo voltou-se para Rangiku. Ele percebeu como seu círculo de amigos era pequeno, então.

Então foi trilhando ao caminho para a casa de Matsumoto, com passos pequenos. Estava com muito medo, e nem sabia o por quê. Enxugou outra vez os seus olhos, que continuavam a chorar, e sentiu suas pernas ficando doloridas. Hitsugaya já estava cansado; não apenas cansado, mas exausto. E não estou me referindo à caminhada, mas sim à sua vida.

Finalmente chegou na casa de Matsumoto, e ficou lá parado, olhando a fachada da casa por uma meia hora. Transferia o peso de um pé para o outro, se balançando. Abraçava o corpo para sentir-se seguro e amado. Soluçou. E chorou mais um pouquinho. Ninguém deveria entrar nesse estado na casa de alguém.

Já ia virando-se para ir embora —não sabia o que fazer, mas perturbar Matsumoto com certeza não era o certo —, quando ouviu uma voz feminina.

—Hitsugaya-dono!

Não era Matsumoto.

Não era Orihime.

E, em uma possibilidade maluca, também não Momo.

Quem estava o chamando era Tier Halibel, sua secretária. Usava um vestido decotado azul, com estampas de praia, e sandálias de dedo. Nunca a tinha visto tão relaxada, o que fez com que se envergonhasse.

—Hitsugaya-dono, é você mesmo? O que está fazendo aqui? —Halibel perguntou, no momento em que Toushiro se virou, mostrando os olhos molhados, e o nariz entupido. —Oh, meu Deus, o que aconteceu com você?

Toushiro soluçou alto, quando Halibel o abraçou, envolvendo-o com os braços quentes. Ele ouvia as batidas do coração dele, constantes e reconfortantes.

—Eu não deveria chorar tanto por algo que estava tão na cara.

—Vamos ali para a casa da Nell. —Halibel envolveu a cabeça de Hitsugaya com os braços, como se pudesse protegê-lo da realidade. Seu toque era surpreendentemente delicado. E preocupado. Como o de uma mãe, ou uma irmã mais velha.

Eles mancaram até a casa, e Toushiro tropeçou várias vezes nos próprios pés moles, e dessa forma Halibel teve que o conduzir quase que sozinha.

—Desculpe, desculpe. —Toushiro dizia. —Isso é super idiota; me desculpe. Esse não o seu trabalho, você não precisa...

—Dane-se que esse não é o meu trabalho. —Halibel abriu a porta com uma jogada de ombro. —Você é meu amigo, e de onde eu venho nós ajudamos nossos amigos.

Ulquiorra e Loly estavam sentados no sofá da sala, vendo televisão. Loly parou no meio de uma frase, e olhou com os olhos esbugalhados para Hitsugaya e Halibel. Ulquiorra virou também, e ficou olhando de modo penetrante para os dois.

—O que diabos...? —ele começou.

—Estamos bem. —Halibel disse, muito prontamente. —Nell saiu, não saiu? Será que eu posso...

—Vá em frente. —respondeu Loly, balançando a cabeça.

Halibel pegou sua bolsa do balcão e os tropeçaram pelas escadas até o quarto de Neliel. Eles irromperam pelo quarto lilás, e afundaram na cama de casal. Os dois ficaram deitados ali, observando os mosquitos no teto. Halibel estava ciente do guarda roupa branco ao seu lado, da cômoda com o i-pad em cima, e do tapete rosa felpudo no chão. Segurava firmemente a mão de seu chefe, e pensava em como tudo aquilo era inusitado.

—E-eu...

—Não precisa falar nada, Hitsugaya-dono. Todos temos nossos problemas, e momentos ruins.

Ela sentiu o corpo do seu lado ficar rígido. Tenso.

—Mas é algo tão idiota... e tem pessoas que sofrem tão mais...

—As outras pessoas não importam, Hitsugaya-dono. A dor é somente sua, e você não pode compartilhá-la com ninguém. Cada um sente diferente.

Toushiro respirou, fungou e parou de chorar. Estava mais tranquilo agora.

Halibel se sentou, e buscou da bolsa um maço de cigarros e um isqueiro para ascender um. Não costumava fumar, mas sempre que as coisas se apertavam era bom ter um alívio. Ela colocou o cigarro na boca, e o ascendeu com o isqueiro. Olhava para Toushiro enquanto isso, e flagrava a vulnerabilidade de adolescentes. Guardou o maço e o isqueiro na bolsa, e soltou uma baforada.

—Não sabia que fumava. —comentou Toushiro, sentando-se na cama também, com as costas apoiadas na cabeceira.

—Ah, eu não fumo. —os dois riram. Depois de um tempo, Halibel continuou. —É que, quando as coisas apertam... Antes eu surfava para aliviar-me, mas aqui não tem praia nem nada. Além do que, eu não trouxe minha prancha.

—Então sou eu que deveria estar com esse cigarro na boca. As minhas coisas é que estão apertadas. —Toushiro sorriu fracamente, e Halibel ficou olhando para seus olhos vermelhos, e para as bochechas molhadas com as lágrimas de outrora.

—Você não tem idade ainda, querido. —Halibel ergueu o cigarro, gesticulando para ele. —E ver pessoas que gosto tristes, automaticamente me deixa em uma situação delicada.

—Hum. Desculpe.

—Mas não consolar meus amigos... Isso me deixa pior ainda. —Halibel sorriu, e colocou o cigarro na boca novamente.