My Happy Pill

Capítulo Especial III- Ulquiorra


Ulquiorra subiu até o seu quarto. Pensava em Orihime, em como a ruiva estava triste. Mas agora pensava em quanto ele conseguira a alegrar. Haviam se encontrado mais de uma vez desde então. Para mandar tudo ir se danar. Ela contara todas as dores de seu passado e, junto com ele, proferiu o mais profundo “dane-se” para todas elas.

Agora era hora de Ulquiorra contar o seu passado. Expurgar todas as suas dores. Mandarem todas irem se danar.

Ele pegou uma grande caixa preta, contendo todas as suas lembranças. Ficava escondida no mais profundo espaço em seu armário e ninguém nunca mexia nela. Ninguém. Exceto ele.

Ulquiorra marchou até onde Orihime se encontrava, esperando quase ansiosa em um banco perto de lindas flores amarelas na Praça do Cupido. Ela estava usando uma bata verde comprida e shorts. Estava linda iluminada pela lua. Sorria para ele.

—Pronto? —ela perguntou, quando Ulquiorra sentou-se no banco também.

Ele limitou-se a sorrir um pouquinho em resposta e abrir a grande caixa preta, forrada de veludo. Lá estavam fotos, cartas, cadernos e os mais diferentes tipos de recordações.

Ele olhou para Orihime, que observava a caixa com uma curiosidade mal disfarçada. Ela corou e desviou o olhar quando percebeu que estava dando bandeira.

—Tudo bem. —ele tranquilizou-a.

Orihime foi timidamente movendo a mão até um pequeno bilhete que estava guardado na caixa.

—O que é isso?

//¢//

A lua brilhava quase insignificante no dia que Ulquiorra foi encontrado.

O choro do bebê ecoava por toda a rua, mas foi o dono do orfanato que abriu a porta, se deparando com o bebê enrolado em um cobertor em sua porta. Ele suspirou, e pegou a criança no colo. Era comum que as pessoas deixassem as crianças na porta de seu orfanato, por vergonha de olharem os encarregados nos olhos. Por vergonha de abandonarem seus filhos, suas responsabilidades.

Por isso, ele nem se deu o trabalho de olhar para os dois lados, procurar a mãe da criança. Elas sempre corriam até ficar fora de vista, e depois iam diminuindo os passos gradativamente e chorando.

O homem entrou no orfanato com o bebê nos braços. Ascendeu as luzes, com a finalidade de olhar para a criança com mais atenção. Não podia ter mais que seis meses e era pequenino. O bebê era magro, mas nem por isso desnutrido. Ele não parava de chorar, o que fez com que o homem tivesse que embala-lo em seus braços.

Com o movimento, um papel caiu do emaranhado de panos do bebê. O homem foi se abaixando com cuidado, e enfim pegou o bilhete. Ele leu-o todinho, mas não entendeu uma só palavra.

Lo siento, pero te amo, mi hijo.¹

Estava em espanhol.

//¢//

Orihime buscou uma foto dele quando o mesmo era um bebê. E lá estava, deitado em uma berço, um bebê miudinho.

—Ulquiorra, é você?

—Sim, sim. Foi tirada alguns dias depois que minha mãe me deixou no orfanato. —ele falava a palavra “mãe” com um misto de amargura e confusão, como se não soubesse exatamente o que era uma mãe, ou como se não soubesse se deveria ou não odiá-la.

//¢//

Ulquiorra sempre foi um chorão. Desde muito pequenino mesmo, sua saúde era muito fraca. Por isso o nome: uno/ el que llhora em espanhol significa “aquele que chora”. Muitas pessoas tentaram adotar a criança, mas por conta dos seus problemas respiratórios —e tamanha gritaria irritante— sempre acabavam desistindo do mesmo. Além de que o menino tinha uma cara doentinha, muito pálido e com os olhos muito brilhantes, muito febris.

No entanto, a sua saúde não o impedia de sair às vezes, para os brilhantes eventos do orfanato. Todo natal havia uma celebração, onde várias pessoas misericordiosas da comunidade vinham no orfanato, as vezes fantasiados, e entregavam presentes para as crianças ou preparavam diversos tipos de entretenimento.

//¢//

Ulquiorra tinha diversas fotos de natais no orfanato. Tantas que até surpreenderam Orihime. Ela não sabia que o moreno era tão chegado a datas festivas.

—O Natal é o meu dia preferido. —falou ele, depois deu todas as fotos acumuladas de todos os natais, que estavam presas todas juntas com um elástico, para Orihime.

Ela viu uma por uma, vendo o crescimento de Ulquiorra. O viu cercado de gente, lá no fundinho ou na frente; no colo de alguém, ou com Neliel, que começou a aparecer lá pela sexta foto. O viu no colo do Papai Noel, embaixo da árvore ou com um presente na mão, todo sorridente. Parecia outra pessoa, um outro Ulquiorra.

Foi lá pela décima segunda foto que começou a notar que Ulquiorra estava várias vezes com um mesmo homem desconhecido. Às vezes, o homem utilizava roupa de passeio, ás vezes vestia-se de Papai Noel.

—Quem é esse cara, Ulquiorra? —Os olhos de Orihime brilhavam de curiosidade enquanto ela olhava para Ulquiorra.

Mas ele não percebia, pois continuava observando o homem. Ele tinha em torno de uns quarenta anos, e possuía cabelo grande e barba por fazer. Os olhos eram tranquilos e seu sorriso era alegre.

//¢//

O nome do homem era Kyoraku, e ele era riquíssimo. Era um dos maiores contribuidores do orfanato e ia a todos os eventos que ocorriam lá. Ulquiorra o adorava, e Kyoraku também gostava muito de Ulquiorra. Ele se sentia lisonjeado por, em meio a dezenas de crianças, ser o seu favorito.

Kyoraku era um homem divertidíssimo e visitava Ulquiorra pelo menos uma vez por mês. Eles brincavam e conversavam muito; o homem parecia sempre feliz e bem-humorado. Também era muito inteligente e influenciara o pequeno a ler. Comprava livros para ele e também diversos brinquedos.

Kyoraku era o mais próximo de pai que Ulquiorra já teve.

//¢//

—O que aconteceu com ele? —perguntou Orihime em uma voz sombria. —Você só se referiu a ele no passado... Ele morreu, não morreu?

Ulquiorra enterrou a cabeça nas mãos, assentindo.

—Quando eu tinha 14 anos, as visitas dele se tornaram cada vez menos frequentes. —ele murmurou —Quando fiz quinze, elas pararam de vez.

Orihime tirou as mãos do rosto de Ulquiorra com delicadeza, dedo por dedo. Ele ficou olhando para seus olhos cinzentos, tentando não chorar.

—Do que ele morreu, Ulquiorra? —ela perguntou baixinho, de modo hesitante, como se temesse que ele fosse se zangar com ela. Mas era bem o contrário: Ulquiorra a amava.

—Morreu de câncer no fígado. —Ulquiorra respondeu. —Ele já tinha cirrose há um tempo, então a doença progrediu. Diziam que ele bebia demais, e mesmo quando foi diagnosticado ele não parou.

Orihime apertou a mão dele. Era macia e o calor dela o confortou.

—Sinto muito, Ulquiorra.

—E sabe o que é mais engraçado? —Ulquiorra disse, quase transtornado. —Eu nunca vi ele bebendo.