P.O.V Da Sam

A chuva forte começou a castigar Seattle, e junto veio os trovões, os relâmpagos e a queda de energia. A babá-eletrônica começou a soar com o choro agudo da bebê, devia estar assustada com os estrondos, ainda bem que o aparelho era movido à pilhas. Eu precisava pegá-la no quartinho ao lado.

Freddie estava tão próximo, eu podia ouvir o som de sua respiração. O breu do quarto era rompido pelos raios que caiam lá fora, clareando o ambiente por frações de segundos.

Sombras sinistras se projetavam nas paredes, senti os pêlinhos dos braços eriçarem com o frio que tomou conta do cômodo, me apressei caminhando levamente atordoada, com medo de trombar com algo no caminho, alcancei a porta e disparei para fora, deixando o Freddie ali sozinho.

O choro de Hannah se intensificou, ouvi os gritos de Noah chamando pelo pai, dei de cara com a Ally no corredor, assim como eu, a garotinha parecia atordoada.

— Cadê o papai? - Perguntou se aproximando.

Os gritos do garotinho aumentaram, sendo abafados pelas trovoadas. Eu não sabia se corria para pegá-lo ou corria para tirar sua irmãzinha do berço.

— Seu pai está no quarto, pegue o seu irmão, ele está assustado. - Eu disse caminhando para o quartinho da bebê.

Ally fez careta e por fim, me obedeceu. Noah provavelmente devia estar encolhido na cama debaixo das cobertas, crianças costumam ter medo do escuro e de chuvas em peso como aquela, com trovoadas.

Quando tirei a pequena que estava aos prantos no berço, enrolada no manto, dei de cara com seu pai, carregando o filho, Ally estava ao seu lado, por mais que tentasse parecer indiferente ao que acontecia, eu me via nela quando tinha sua idade.

Uma garotinha orgulhosa, bancando a durona para não admitir que têm medo de tempestade.

Não nego, até mesmo como os meus atuais 22 anos, aquilo ainda me assustava um pouco.

— Teremos que recorrer às velas, esqueci de comprar baterias novas para o gerador. - Benson deu a péssima notícia.

Eu estava contando com o gerador, mas fazer o quê? Na minha casa, quando faltava energia, nem velas tínhamos para acender. Mas o estoque de cigarros da minha mãe nunca ficava vazio.

[...]

— Tô com medo, papai. Não gosto do escuro, o Bicho Papão vem nos pegar. - Noah se agarrou nas pernas do pai.

— Não existe isso, filho. É só uma lenda, o papai tá aqui, não vou deixar ninguém te pegar. - Garantiu.

Deixei Hannah dentro do bebê-conforto, Freddie acendeu três velas, pondo uma sobre a mesa, uma no balcão e a outra em cima da pia.

— Mas a Ally disse, o Bicho Papão é malvado, ele come criancinhas. - Choramingou.

— Para com essa mania de assustar o seu irmãozinho, Alyson. - Ralhou com ela.

— Não tenho culpa se ele acredita em tudo. Noah é um bobão. - Sorriu a pequena arteira.

— Nós vamos ficar aqui mesmo? - Perguntei.

— Por enquanto sim, você não ia preparar a mamadeira da Hannah? - Me olhou, claro, ele estava certo.

— Sim... Eu vou. - Murmurei.

— Tia Sam, quero leite. - Noah pediu.

— Está bem. Agora senta aí, e você? Quer alguma coisa? - Perguntei a Ally.

— Não. - Sentou ao lado do pai, era nítida sua carência pela atenção paterna.

— Vai querer alguma coisa, Freddie? - Olhei para o moreno que sorria para a caçulinha, brincando com os dedinhos dela, fazendo a bebê esboçar aquelas risadinhas fofas.

— Não, obrigado, Sam. Prepare algo para você se quiser, essa noite pelo visto vai ser longa. - Com certeza seria.

Minutos depois...

— Foi geral, eu devia ter comprado as baterias, como eu pude esquecer? Agora teríamos energia em casa e as coisas na geladeira não estariam descongelando. - Comentou preocupado.

— Acontece, na minha casa quando a luz faltava não tínhamos tanto prejuízo, aconteceu uma vez quando a TV velha acabou pifando, e na nossa geladeira nunca tinha fartura para estragar. - Falei.

— Que situação... Como foi a sua infância? - Perguntou curioso.

— Poderia ter sido melhor, apesar de não ter brinquedos e uma mãe ausente, eu não fui uma criança infeliz. Eu dava sempre um jeito para me divertir. - Respondi.

— Se não tinha brinquedos, o que fazia? - Aquilo chamou a atenção da Ally.

— Brincava com as crianças da vizinhança, a gente jogava bola, pulava corda, subia em árvores e tocávamos o terror perseguindo os gatos de uma senhorinha que era conhecia por 'A Velha dos Gatos'. - Contei a eles.

Freddie riu e a menina esboçou um pequeno sorriso.

— Você sempre foi do tipo peralta? Aprontava na escola e recebia castigos da sua mãe? - Ele me olhava divertido.

— Na verdade, ela me dava mais que um castigo se é que me entende, a mão dela sempre foi pesada... - Ri para não assustar as crianças.

Aposto que ele nunca ergueu a mão para repreender os filhos. Uma palmadinha de vez em quando não mata ninguém, no entanto, ele não fazia o tipo de pai que bate nos filhos...

— Minha mãe costumava me dar puxões de orelha, mas só quando estava realmente brava comigo. - Disse risonho.

[...]

P.O.V Do Freddie

Depois de muito custo, reunimos as crianças e as colocamos adormecidas no meu quarto porque a cama era maior sendo de casal. Carreguei os maiores, Sam deitou a minha caçulinha no meio, cubrimos as crianças e saimos do quarto, deixando a porta somente encostada.

A chuva intensa não cessava, embora os trovões tenham amenizado, um raio ou outro cortava o céu negrume sem estrelas.

Acendi mais algumas velas, espalhando-as pela sala de estar, sobre a estante, a mesinha do centro e coloquei uma sobre a bancada que fazia a divisão do cômodo.

— Que noite. - Sentei no sofá ao lado de Sam.

A loira usava um pijama com estampa de bolinhos, meias coloridas e pantufas do Bob Esponja.

Aquele visual descontraído, um tanto fofo e desleixado a deixava chamativa, não deveria ser sexy na minha visão, e por Deus, para mim aquela mulher tinha algo que me atraía como o néctar das flores atraiam abelhas em cheio.

— Tem algo errado em mim? É o meu cabelo, né? Tá parecendo um ninho de rato! - Passou as mãos pelos cachos volumosos.

— Não. - Neguei, segurando o riso. - Não têm absolutamente nada de errado em você. - Ressaltei.

"O problema sou eu..."

E de fato era, o problema era eu.

Eu não conseguia desviar meu olhar e nem meus pensamentos dela. Não só porque ela era linda como uma princesa, tudo nela me atraía. Até mesmo o simples ato de roer o cantinho da unha do dedo mindinho...

— Vou buscar uma Coca, você quer uma? - Beber o Vinho que eu tinha entocado em algum canto no armário estava fora de cogitação.

— Quero. - Ela aceitou de bom grado.

Eu havia colocado as latinhas no congelador, já que o mesmo demorava para se descongelar totalmente.

Fui até à cozinha, antes de pegar o refrigerante, derramei um pacote inteiro de salgadinhos numa tigela de plástico, serviria como um ótimo passatempo, comer 'besteirinhas' enquanto a energia da cidade não chegava...

Ter uma companhia feminina em casa, alguém para conversar, me deixava contente.

De alguma maneira era prazeroso ter a Sam ali comigo.

— Valeu. - Ela agradeceu pela Coca. - É estranho, não é? - Soltou de repente.

— O quê? - Tirei o lacre e a olhei.

— Você e eu... Aqui sozinhos, as velas e isso tudo... - Apontou para o nosso lanche.

Deixei escapar uma risada, concordando.

— Um pouco. - Sorri.

— Não é como se fosse um encontro... - Tomou um gole e suspirou, se deliciando com a bebida geladinha.

— Não mesmo... - Assenti.

— Por quê quer me levar ao aniversário do seu amigo? - Ah, droga.

— Porque você é uma boa companhia. Suponho que seja uma boa acompanhante. - É claro, seu tonto, que resposta é essa?

— Não tem medo do que as pessoas possam pensar? Seus amigos vão ver nós dois chegando juntos... E sua mãe quando deixarmos as crianças na casa dela, ela não vai estranhar? - Ela estava mesmo preocupada?

— Isso realmente importa? Opiniões alheias? - Indaguei.

— Você é um pai solteiro, sou a babá dos seus filhos, e vão pensar que estamos tendo algo... - Ela tinha um ponto coerente.

— E nós estamos tendo? - Qual era o meu problema?

Ela mordeu o lábio inferior, pensativa.

— Não. Somos amigos, certo? - Soltou por fim.

— Certo, somos amigos... - Acabei concordando.

Como eu deveria dizer que eu estava interessado nela? Não só em sua amizade... Eu realmente a queria como mulher.

Era oficial, eu estava começando a me apaixonar pela babá dos meus filhos.

Por quê Sam tinha que bater na minha porta toda atrapalhada e molhada, fazendo o meu mundo girar de ponta cabeça?