“ Tanto Lui quanto Madame Giry fizeram silêncio perante a imagem que se mostrava diante deles. Anna estava esquálida – pele e osso apenas, pálida, círculos negros se formando embaixo dos olhos vermelhos.

–Anna! – Lui exclamou, abraçando a menina com preocupação. Ele podia sentir os ossos do quadril dela batendo em suas coxas, seus braços certamente dar mais de duas voltas em sua cintura.

–Por Deus, Anna, quando foi a última vez que você comeu? – Mme. Giry questionou. Não houve resposta. Anna não pronunciou nenhuma palavra. Ela só queria que Lui a soltasse logo, para que ela pudesse voltar à paz de ficar sozinha. -Anna? – ela os encarava, olhos agitados, mas de seus lábios não saia som algum.

Anna tinha chorado tanto nos últimos dias que sua garganta ardia intensamente, tal como seus olhos. E tinha estado tão sozinha, pensara tanto... Não queria dizer coisa alguma, pois agora sabia que pouco importava o que ela sentia, o que ela achava. Tanto fazia.

Madame Giry trocaram um olhar desesperado perante o silêncio obstinado de Anna.”

Por fim, Mme. Giry mandou Lui ir chamar o Dr. Pierrau, médico do teatro para checar o estado de saúde de Anna. O silêncio se instaurou no cômodo assim que as duas ficaram sozinhas.

Mme. Giry pigarreou.

–Lui me disse o que aconteceu na outra noite, quando ele saiu com os irmãos de Chagny. – falou, tentando quebrar o gelo e mostrar à menina que tinha boas intenções.

Anna se limitou a assentir, com o olhar vago.

–Ele se arrepende profundamente. Lui sabe que errou, Anna, e nós dois só estamos aqui para tentar te ajudar. Você poderia se ajudar, também, se tirasse essa careta do rosto e colaborasse.

Mme. Giry não obteve resposta alguma por parte de Anna e decidiu não gastar seu latim, deixando que o silêncio tomasse conta do ambiente novamente.

Em questão de poucos minutos, Lui bateu à porta e entrou, acompanhado pelo médico.

–Lui, Mme. Giry – disse o senhor enrugado de cabelos alvos e olhos cristalinos -, se vocês pudessem aguardar do lado de fora, eu gosto de ter certa privacidade para examinar meus pacientes.

Com um breve aceno de cabeça, Antoinette se retirou do quarto, arrastando o jovem mascarado consigo. Ela esperou, impacientemente, em pé junto à porta, enquanto Lui sentou-se contra a parede, no chão do corredor.

–Você acha que está tudo bem com ela? – o menino sussurrou, preocupado, batendo a cabeça contra a parede.

–Sim, meu jovem, deve estar tudo bem. No máximo, ela deve ter algum leve transtorno psicológico... Depressão, bipolaridade, ou algo do tipo. Nada que não possa passar com a ajuda de um bom médico.

–Eu espero que ela fique bem. Me sentiria terrivelmente culpado, caso contrário.

–Basta ter fé, criança.

Lui assentiu, aquietando-se.

Dali a pouco, o Dr. Pierrau saiu do quarto de Anna com uma cara um pouco abatida, levemente abatida.

–Mme. Giry, será que posso falar com você? À sós? – ele pediu, e Antoinette concordou, pedindo com o olhar que Lui se retirasse. O menino, contrariado, se levantou e deu as costas para os dois, andando até o final do corredor e sentando-se lá.

–O que há com Anna, doutor?

–Mme. Giry, Anna obviamente está enfrentando uma depressão das bravas. Mas não é só isso que me preocupa. – Dr. Pierrau disse, cauteloso.

–Ah, não? Então, o que mais pode estar afligindo a menina?

–Como ela obviamente tem se privado de uma alimentação apropriada, Anna desenvolveu um nível razoavelmente avançado de anemia. E ela deveria estar se alimentando especialmente bem agora que tem que comer por dois.

–Comer por dois? Como assim...?

O Dr. Pierrau titubeou.

–Anna está grávida, Madame. E por causa da anemia e da depressão, posso afirmar que é uma gravidez de risco. Deve mantê-la em repouso e bem alimentada.

Antoinette ficou boquiaberta perante à notícia.

–Você.... Você já disse isso a ela? – perguntou ao médico.

–Não, Madame. – ele chacoalhou a cabeça – Quis conversar com você primeiro. A menina é órfã, tecnicamente não tem nenhum responsável legal... Mas imaginei que você fosse a pessoa mais próxima a uma figura de autoridade para ela. Então achei melhor conversar com a senhora antes de qualquer coisa, a decisão sobre como proceder deve estar somente em suas mãos.

Mme. Giry assentiu.

–Muito obrigada, doutor. – eles trocaram um aperto de mãos e o Dr. Pierrau a deixou sozinha para contemplar o que fazer em seguida, mas Lui logo saltou do lugar em que estava sentado, do outro lado do corredor, e correu em direção a Mme. Giry até estar ao seu lado.

–E então, o que há com Anna?

–Está anêmica. E depressiva. – Antoinette suspirou. –E grávida.

Os olhos castanhos do menino se arregalaram, apenas para se encherem de lágrimas logo depois.

–Eu vou ser pai? – perguntou, esquecendo de que não fora o único homem na vida de Anna.

–É o que parece. – Mme. Giry concordou, embora ela própria não tivesse tanta certeza. –Mas Anna ainda não sabe. E não acho que nós devêssemos contar pra ela ainda. Antes, precisamos nos assegurar de que ela ficará saudável novamente.

–Tudo bem, tudo bem. Vou pegar algo para ela comer agora mesmo. – Lui saiu em disparada pelo corredor, e Mme. Giry encarou a porta, sabendo que teria que informar Anna sobre seu estado de saúde.

–Anna, querida. – ela chamou, batendo à porta antes de entrar. –Precisamos conversar.

A menina estava deitada na cama, com a expressão de indiferença que havia adotado nos últimos tempos.

–Lui está trazendo comida, e você vai comer tudo o que ele trouxer. – Antoinette falou, sentando-se na cama ao lado de Anna. –Você está anêmica. Bem anêmica, pelo que Dr. Pierrau me contou. Tem que se alimentar e ficar em repouso, poupando suas energias. Mas Lui, Meg e eu podemos nos revezar para ficar com você, é improvável que você queira ficar sozinha por mais tempo do que já ficou nesses últimos dias.

–Eu não ligo de ficar sozinha. – Anna murmurou, obviamente de mau humor.

–Bem, vamos ficar com você mesmo assim, para ter certeza de que vai se alimentar direito. Espero que você não se importe.

Três batidinhas na porta anunciaram que Lui havia voltado, e dessa vez ele tinha trazido consigo uma bandeja com o jantar preparado por uma das exímias cozinheiras do teatro especialmente para Anna.

–Aqui, coma, minha criança. – Mme. Giry pegou a bandeja de Lui e colocou no colo da menina.