Mundo dos Sonhos

O almoço, o jogo e o beijo... Será?


O céu cinza daquela manhã de sábado, obrigou-me a ficar em casa sem fazer nada, pelo menos nada de interessante. Passei um bom tempo estudando para as provas da semana que ia começar, assisti a um filme que particularmente odiei, limpei a casa com minha mãe e dormir imaginando como seria o dia seguinte.

Incrivelmente o domingo amanheceu ensolarado, com raras nuvens no céu. Um belo dia. Logo cedo meu pai já me lembrou que tínhamos o almoço de aniversário da empresa e que a família inteira iria. Confirmei com a cabeça sem comentar nada. Ele estava tão empolgado com esse almoço, é uma espécie de festa da empresa. Nada de churrasco com os amigos de departamento, era sério e formal. Os chefes também estariam presentes com suas famílias. Papai acha que é uma boa oportunidade, só não sei do que. Prefiro não comentar, mas no final das contas é apenas um almoço, não creio que se possa tirar muita vantagem disso.

Minha mãe comprou uma roupa para eu usar. Achei extremamente desnecessário, pois meu armário está muito bem equipado com roupas que certamente caberiam para a situação. Mas não gosto de ser estraga prazer. Não era só o meu pai que estava ansioso para o almoço, minha mãe também estava em uma felicidade só. Na maior parte das vezes, o setor de Recursos Humanos não é convidado para eventos desse naipe. Essa foi a primeira vez. Acho que por isso os dois estavam em estado de nervos, com os sorrisos indo de fora a fora dos rostos.

Meio dia e meia minha mãe invadiu o banheiro para começar a se arrumar. Achei um exagero ela ir se arrumar tão cedo, mas deixei passar. Eu fui pensar em começar a me arrumar já era uma e dez, o que fez meus pais enlouquecerem. Novamente achei um absurdo, mas estava disposta a relevar tudo naquele dia. Fui para meu quarto e em pouco tempo já estava vestida e com o cabelo ajeitado. Minha mãe deu um suspiro de alívio a me ver vestida com uma calça preta de linho e com a blusa de estampas delicadas que ela havia me dado. Já eu, sabia muito bem que aquela era uma roupa nada adequada para assistir a um jogo de futebol, então providenciei rapidamente uma bolsinha prata, que estava perdida nos cantos do meu guarda roupas e coloquei uma regata com um shorts, extremamente esmagados lá dentro.

- Estou pronta! – exclamei descendo as escadas.

Meu pai olhou rapidamente no relógio e se deparou com exatas uma e meia. Achei que ele ia entrar em desespero, já que esse era o horário que o almoço estava marcado para começar, mas sua reação foi totalmente oposta.

- Dizem que é chique. – falou ele.

- O que é chique? – retruquei espantada.

- Não ser tão pontual. Também não é para chegar atrasado, mas alguns minutinhos falam que é sempre bom. – sua cara foi satisfatória e engraçada. Ele pegou as chaves e a carteira, e todos nós saímos.

Em menos de quinze minutos nós já estávamos no salão. Realmente deve ser chique atrasar, a final não havia quase ninguém ainda. Entramos e nos sentamos em uma mesa nem muito na frente, nem tão no fundo. Logo chegaram alguns amigos do meu pai e se sentaram nas mesas ao lado. Quase uma hora depois de chegarmos, o salão lotou. Eu já estava enjoada de comer as azeitonas e os queijinhos do couver até a hora que o almoço começou a ser servido. Olhei para o relógio e já eram duas e trinta e cinco. Primeiro foi servida uma salada muito caprichada e boa. Logo depois veio o prato principal: “cappeletti de ricota ao molho de camarões rosa”. Quando o garçom citou o molho meu estômago começou a revirar. Eu sou extremamente alérgica a esses bichinhos marinhos. Meu pai perguntou se teria uma segunda opção, mas o garçom disse que houve um pequeno problema, não citado por ele, e que a massa seria a única opção. Era para eu estar triste, mas ao ouvir isso um sorriso abriu em meus lábios. Não teria melhor oportunidade do que esta para escapar da festa.

- Pai! – sussurrei.

- Fala Mel.

- Eu estou com fome... Muita fome! – exagerei só um pouquinho. – Não vou aguentar até o fim do almoço.

- O quê? – se espantou elevando um pouco a voz, mas logo se aquietando.

- Calma! Vamos fazer assim, você e a mamãe ficam aqui, almoçam, batem papo com quem vocês bem quiserem e eu saio agora, falo que tenho um compromisso. Oras, você vai ficar com sua esposa e a filha adolescente vai ter que sair, quer situação mais normal do que essa?

- Mel, se você for, nó vamos também! – exclamou baixinho.

- Não! – agora que excedeu a voz fui eu.

- Não?

- Quer dizer, não quero atrapalhar o almoço de vocês. Estavam tão ansiosos para hoje! Fiquem, por favor, se não vou me sentir extremamente culpada por ser alérgica a camarão. Pai, eu realmente queria muito ficar, mas fazer o que, não é? – espero que ele não tenha percebido o sorrisinho em minha boca.

- Não estou gostando muito disso Mel, vou comentar com sua mãe para ver o que ela acha. – ele se endireitou rapidamente na mesa, deu uma garfada no cappeletti e curvou-se para minha mãe, ficando assim por uns segundos.

- Mel, sua mãe perguntou se você está com muita fome mesmo. – disse voltando-se a mim novamente.

- Muita. – enfatizei a voz.

- Está bem, o que você pretende fazer? – ele cedeu a minha ideia.

- Eu saio e vou para algum lugar comer. Oras pai, já estou acostumada com o centro de Bráscuba, vou até o shopping principal, não é longe daqui!

- Sei... Bem, são três e quinze agora. Vou te dar um dinheiro e você vai, come e volta, está bem? – Acho que aqui vai demorar para acabar, com certeza depois do almoço ainda vamos conversar. Bem, tente voltar até umas cinco e meia, certo?

- Claro pai, qualquer coisa eu ligo. – dei um beijo em seu rosto e levantei-me discretamente, despedindo-me de minha mãe também. Saí sorrindo por dentro.

Com sorte eu ainda assistiria boa parte do segundo tempo. Sorte mesmo foi do salão ser bem perto do estádio do Bráscuba. Em pouco tempo eu já estava lá. Entrei e a primeira coisa que fiz foi ir ao banheiro. Troquei de roupa e fui em direção ao campo. Chamam aquilo de estádio, mas para mim é mais um campo com arquibancadas de madeira improvisadas. Foi só quando eu passei em frente do alambrado que cerca o gramado que reparei que não estavam jogando ainda. O jogo também devia ter atrasado e ainda estava no intervalo, não no segundo tempo.

Fiquei um segundo ali até os jogadores retornarem ao campo. Um a um foi entrando até eu abrir um sorriso ao reparar na figura inconfundível de Floukin. Não fui a única a abrir um sorriso, pois minha felicidade foi correspondida na mesma hora em que ele me viu. Realmente, quando nossos olhos se cruzaram, algo de especial ocorreu. Bem que ele tinha falado que precisava de um segredo para jogar bem. Mas eu? Será que ele estava falando sério ou apenas brincando como um bom amigo? Não sei e não quero saber, quero viver o presente, sendo real ou não.

- Mel! Que bom que você chegou... Estava esperando que viesse. – disse com uma voz doce do outro lado do alambrado.

- Falei que vinha até o segundo tempo... – murmurei timidamente.

O juiz apitou chamando os jogadores para o centro do campo.

- Tenho que ir. – disse ele olhando para trás. – Aprecie. – deu um sorriso de certa forma malicioso.

E ele correu em direção ao centro do campo. Quando já estava a uma certa distancia, não me contive em responder.

- Convencido! – gritei.

Ele olhou para trás, jogou o cabelo e lançou-me o mesmo sorriso de antes. Como sempre, fiquei alguns segundos paralisada na cena, mas logo o juiz deu o apito para o começo do segundo tempo.

Subi na arquibancada e me espremi entre duas mulheres. Ouvi alguns comentários sobre o primeiro tempo, que foi calmo e sem muitas ofensivas. Pelo que pude perceber, esse segundo tempo prometia exatamente o contrário. O jogo estava zero a zero e ambos os times queriam terminar o jogo ainda no tempo comum. A bola não parava um segundo e os goleiros estavam trabalhando muito. Daniel é atacante e estava jogando muito bem. Como não assisti o primeiro tempo, não sabia se ele estava bem o jogo inteiro ou se começou a se destacar agora, depois da minha chagada. Houve umas três oportunidades de gols feitos para cada lado. Não acreditei quando Daniel perdeu um gol na cara do goleiro, mas sei que deve haver muita pressão e na hora da disputa, isso pesa muito.

Apenas cinco minutos para o final e nada. Todos já estavam crentes que a prorrogação era certa. Escanteio para o time de Bráscuba. A bola é lançada para a área e várias cabeçadas são dadas. Outro escanteio. Jogada ensaiada. A bola é apenas rolada e em um segundo chute certeiro, faz uma curva alta e cai dentro da pequena área. Chutam e trave. Daniel chuta e defendem. Um outro pega o rebote e finalmente é Gooool de Bráscuba.

Achei que a pequena arquibancada de madeira iria cair. Era um jogo simples, mas estava lotado. O grito de Gol soou pela boca da maioria e principalmente dos jogadores. A algazarra foi total e os últimos cinco minutos pareciam não passar. Apita o juiz e fim de jogo no campo de Bráscuba. Sim, eles estavam na final do campeonato e haviam vencido o time que mais desgostavam.

Os jogadores foram para os vestiários e quando voltaram, um alvoroço de gente entrou no campo para dar os cumprimento. Fiquei do lado de fora, esperando passar um pouco essa lotação. Reparei que os primeiros a abraçar Daniel foram seus pais. Nunca havia visto a senhora Floukin. De longe pude perceber que era uma mulher fina, com uma cabelo castanho curto e bem cortado. Depois de um tempo, vi que Daniel estava olhando para os lados, como se procurasse alguém. Resolvi entrar nessa hora.

Pisei no gramado e fui em sua direção. Ele estava de costas quando toquei em seu ombro.

- Mel! – disse ele se virando e fazendo uma cara, como se encontrasse o que procurara.

- Parabéns! O jogo foi muito b...

Mal pude terminar minha frase e já estava envolta em seus braços. De início fique paralisada, sem reação, mas quando percebi que ele estava preste a me soltar, retribui com a mesma força o tão aconchegante e entusiasmado abraço.

- Vo...Você jogou muito bem! – gaguejei certamente ruborizada, enquanto fomos nos soltando.

- Já te contei meu segredo. – fez questão de comentar percebendo meu estado.

Soltei um risinho e abaixei rapidamente os olhos, mordendo os lábios.

- Aiai... Agora é só a final e pronto, o campeonato é nosso. – disse ele levando a mão atrás da nuca.

- Vocês vão conseguir! – eu já estava voltando ao meu estado normal. – E aí, vão comemorar agora?

- Bem, essa foi só a semifinal, mas já marcamos uma pizza hoje a noite. – respondeu. – E... já que agora eu não tenho nada para fazer, que tal darmos uma volta?

- Ahn, uma volta? – indaguei olhando para o relógio. – Un, acho que temos um tempinho ainda.

- Compromissos?

- Bem, foi o que eu te disse, eu dei uma escapadinha do almoço. – ri, imaginando o que aconteceria se meu pai descobrisse.

- A sim... Prometo não demorarmos! – era impossível dizer “não” para aquele olhar.

Ele já estava trocado, então foi se despedir dos pais e dos amigos. Em pouco tempo já estava do meu lado novamente e partimos.

- Para onde vamos? – perguntei curiosa.

- Alguma sugestão?

- Bem achei que você tinha algo em mente! – retruquei um pouco espantada.

- Na verdade até pensei em um lugar. Podemos ir até o parque da lagoa, dar uma volta. Lá é bem gostoso de tarde. – ele me olhou rapidamente esperando uma confirmação.

- Boa idéia. Adoro aquele parque, sempre vou lá com meus amigos. – minha resposta fez com que seu sorriso abrisse mais.