Na manhã seguinte, meu pai me levou para escola. No caminho ele fez um interrogatório sobre o dia anterior, perguntou se eu havia me machucado, como aconteceu tudo, essas perguntas de sempre. Fui respondendo cada interrogação sem muitos detalhes, apenas o básico dos fatos. Ele ainda queria fazer mais perguntas, mas já estávamos parados na frente do portão da escola.

Encontrei Francisco e Joana sentados em suas carteiras na sala. Pareciam quietos de mais para meu gosto.

- Oi gente... – perguntei um pouco desconfiada.

- Mel! Você está bem? – disse Joana correndo em minha direção ao me ver.

- Está inteira? – certificou Francisco erguendo meu braço e dando uma volta em torno de mim.

- Ei, ei, espera aí... Calma! – falei sem entender.

- O ataque de ontem, ficamos preocupados! – comentou séria Joana. – Pensei até que você não viria a aula!

- Mas como vocês já estão sabendo? – indaguei espantada pelo fato das notícias voarem.

- A Sara acabou de nos contar! – respondeu Francisco. – Ela disse que ligou na sua casa ontem à noite, mas você já estava dormindo, então sua mãe comentou o que tinha se passado!

- Nossa! Sinceramente eu não esperava que todo mundo já estivesse sabendo... - espantei-me mais ainda. - Ah mãe... – sussurrei para mim mesma.

- Vem! – chamou Francisco me puxando pelo braço. – Vamos à outra sala, para você ver os outros, daí você já aproveita e conta tudo de uma só vez!

Não dei tempo nem de pensar, quando percebi, já estava na outra sala sendo abraçada por Sara, Rafaela e Roberto.

- Mel, fiquei preocupada quando sua mãe me contou! – exclamou Sara.

- E nós ficamos mais preocupados ainda quando a Sara nos contou! – completou Roberto dando uma risada ao final.

- Calma gente. Sim, eu fui atacada por um cão. Não, eu não sei o motivo por qual ele me atacou. Sim, eu fiquei com muito medo. Não, eu não ia escapar dessa. Sim, não faço a mínima idéia de como ainda estou aqui! – respondi as perguntas sem ao menos eles as falarem. Com certeza seriam essas mesmas.

Todos ficaram me olhando com uma cara espantada, até a feição de Rafaela mudar e uma risada ecoar pela sala. Logo em seguida todos foram contagiados pelo riso.

- Pode respirar Mel! - exclamou Roberto.

- Ai gente, desculpa... Mas é bem melhor para eu falar tudo de uma vez! – fiquei um pouco envergonhada, com medo que eles me interpretassem mal.

- Tranqüilo... Foi um resumo até que aceitável. – completou Francisco.

- É, agora até eu estou levando mais na brincadeira, mas na hora... – meus lábios estremeceram e a voz parecia não sair.

- Não precisa falar mais nada... Fica calma. – tentou me tranquilizar Joana.

- Ah, você só vai tirar uma dúvida minha, se puder claro – pediu Rafaela se aproximando um pouco mais de mim.

Confirmei com a cabeça enquanto todos se voltavam para a Rafa com caras interrogativas.

- A Sara comentou que sua mãe comentou que o Floukin estava lá... É sério? – ela fez uma cara de curiosidade.

Não sabia quem era pior. Minha mãe por ter alarmado tudo sem eu saber, Sara por não ter se contido e contado do incidente para a turma toda, ou Rafa por me ter feito ficar roxa na frente de todos.

- Bem... Ele estava sim. – respondi timidamente.

- O que ele estava fazendo lá? – completou Francisco.

- Bem, ele é meu amigo oras, eu iria ajudá-lo com uns assuntos de Física. – tentei esconder o nervosismo que aquela pergunta me causou.

- Francisco, a gente precisa falar mais com ele. Parece ser legal e ainda é gatinho! – exclamou Joana, tentando amenizar o clima para mim.

- Ah fofa, eu ainda não cheguei nesse estágio. – retrucou Francisco, fazendo uma voz feminina. – Quer falar com gatinho, chama a Rafaela! – esbravejou.

- É Jô, pode deixar que eu vou com você, mas tem que ser só nós duas, porque certas pessoas... – Rafa lançou um olhar fulminante para Sara. – Precisam se resolver antes de qualquer coisa.

Sinceramente, não dava para entender aqueles dois. Sara e Francisco não se resolviam. Uma hora estava a mil maravilhas, outra nem se falavam muito. Eu já tinha feito minha parte, agora estava só esperando para ver se iria dar certo ou se eu teria que ajudá-lo com um outro Alvo. O sinal tocou e então fomos para a sala.

Quando estava sendo ferozmente perseguida pelo cão, torci meu pé, mas acho que, como ele já está muito acostumado com isso, não gerou nada mais serio. Já estava tão bom, que não tive nenhum problema no jogo de Handball na aula de Educação Física.

No final das aulas, pedi para meus amigos não comentarem sobre o meu ataque. Eu não queria virar alvo de muitas perguntas. Guardei todas minhas coisas e fui em direção a carteira de Daniel.

- Hey! – disse para ele.

- Mel! Está tudo bem? – acho que nunca havia ouvido tanto essa frase na minha vida como neste dia.

- Está sim, como se nada tivesse acontecido. – respondi sorridente.

Com certeza eu já estava enjoada de tanto responder isso. Mas para Daniel é sempre diferente. Qualquer oportunidade ou motivo de conversa é muito bem vindo entre nós. Eu, pelo menos, sempre vou ter muito gosto disto.

- Vamos então? – disse ele levantando-se e ajeitando a carteira.

- Bem, é isso que eu vim te avisar... Eu não vou voltar de ônibus hoje! – respondi.

- Por que não? Seu pai vem te buscar? – indagou curioso.

- Não... De certa forma eu vou voltar de ônibus, só que não vou para Paineiras, vou para o centro de Bráscuba! – falei com uma voz empolgada.

- E eu posso saber o que você vai fazer lá tão empolgada? – perguntou abrindo um leve sorriso.

- Vou pesquisar algumas lojas de esporte... Quanto antes eu encontrar uma nova raquete, melhor! – exclamei animada.

- Ah, você vai ver raquetes! Bem, eu já estudei para a prova de amanhã... Se você quiser, é lógico, eu posse te acompanhar! – disse ele com uma voz também entusiasmada.

“Claro que sim!” Minha vontade era de gritar. Mas sempre sigo a razão e era um abuso pedir, então deixei um pouco vago, para ele se decidir.

- Daniel... Eu já estou abusando de sua companhia. – fiz uma cara de compreensiva. – Você vai ter que me aturar a tarde toda de novo!

- Eu é que estou abusando da sua companhia! A final, quem se auto convidou não foi você! – ele riu como sempre. – Mel, vai ser um prazer ir junto... Se você quiser. – ele fez questão de reforçar essa parte.

- Ai seu bobo! É claro que você pode ir! – abri um belo sorriso, ajeitando o cabelo atrás da orelha.

Fomos então para o ponto de ônibus dos circulares de Bráscubas, ficava do outro lado da escola. Este não era tão deserto quanto o dos ônibus de Paineiras, mas também não era cheio. Havia umas três pessoas sentadas no banco de cimento. Passou dois ônibus, porém só o terceiro era da linha desejada. Embarcamos e nos sentamos.

- Você já tem alguma idéia de onde começar a procurar? – perguntou olhando para mim e ajeitando a bolsa no colo.

- Bem, eu não sei muito bem. Na verdade, iria andar procurando lojas de esportes e pesquisando preços. – respondi. – Por acaso você tem idéia de algum lugar bom?

- Meu pai sempre me leva a uma loja que eu acho boa para comprar coisas de futebol. Lá tem de tudo para todos os esportes. Tenho até um vendedor fixo que, com certeza vai poder te ajudar também. – ele piscou o olho rapidamente como se confirmasse o que acabara de falar.

- Não é muito caro lá? Eu só tenho um pouco mais de duzentos e cinqüenta. – perguntei um tanto que preocupada.

- Tem de todos os preços... Fica calma Mel, nós vamos achar algo! – respondeu confiante.

Quando eu já estava começando a me desligar até do caminho que o ônibus estava fazendo, Daniel ficou de pé e cutucou meu braço.

- Vem Mel, é aqui que a gente desce.

Levantei-me e fiquei de pé ao seu lado. O ônibus parou e nós descemos na rua movimentada, típica de um centro de cidade grande.

- Não fica longe, é só andarmos reto até o próximo cruzamento, é uma loja de esquina. – explicou-me.

- Está bem. – murmurei acompanhando seus passos.

Já havia ido ao centro de compras de Bráscuba muitas vezes, mas confesso que nunca tinha prestado muita atenção naquela loja. Era uma grande magazine de esportes, com várias araras de roupas de time de futebol; camisetas e bermudas esportivas; bolas de diversos esportes postas nos cantos das paredes; realmente, de tudo um pouco.

Logo na entrada diversos vendedores vieram perguntando se precisávamos de ajuda, Daniel foi recusando todos e eu fui seguindo atrás dele loja adentro. Chegamos então a um balcão que ficava ao fundo da loja.

- Por favor, o vendedor Carlos está? – indagou Daniel para uma moça branquinha que atendia no balcão.

- Um momento. – respondeu a moça. – Vendedor Carlos, favor comparecer no balcão de trocas. – anunciou ela em um microfone, fazendo sua voz ecoar pela loja toda.

Em poucos instantes um homem magro, com um cavanhaque que lhe cobria o queixo se aproximou de nós.

- Floukin! Veio comprar chuteiras novas ou um belo par de caneleiras? – perguntou ele abrindo um largo sorriso.

- Oi Carlos! – retribuiu Daniel, se virando na direção da voz, também abrindo um sorriso. – Não, meu estoque futebolísticos está ótimo. Hoje eu trouxe uma amiga, ela procura uma raquete. - respondeu apontando para mim.

- Uhn, uma tenista, hein! Qual seu nome? – indagou Carlos se dirigindo para mim.

- Melinda. – respondi.

- Bem Melinda... – continuou ele. – que tipo de raquete está procurando? Temos um belo estoque aqui!

- Ahn... Eu tinha uma Wilson de Grafite, mas aconteceu um acidente e... – demorei um pouco para completar a frase. – E ela saiu um pouco, ou melhor, muito prejudicada!

- Perda total. – interferiu Daniel.

- Ah... Bem, Aqui... – começou o vendedor nos levando para um canto reservado a matérias de Tênis. – Aqui temos raquetes muito boas, de Grafite e Tungstênio, que são até mais avançadas que a sua ex-raquete. Temos também de Microgel que é um material muito procurado por tenistas e de Grafite simples, que é igual a sua. Fora essas, temos de alumínio, que são mais de iniciantes.

Fui olhando raquete por raquete. Era uma mais linda do que a outra. Meus olhos se prenderam fixamente em uma Babolat maravilhosa. Ela era amarela com listras pretas, parecia até uma abelhinha. Carlos viu me interesse por aquela e começou novamente.

- Ah, essa Babolat é linda mesmo, está com uma saída ótima e com um preço melhor ainda!

Essa parte com certeza me interessou, preço bom era o que eu realmente estava procurando.

- Preço bom? Isso me interessa. – ri.

- Bem, os Floukins são clientes meus há bastante tempo, se precisar, consigo um preço melhor ainda!

Estava começando a gostar realmente disso. Eu iria comprar a raquete dos meus sonhos.

- E quanto você pode fazer? – perguntei animada.

- O preço da promoção é de quinhentos e dez, mas para você, posso conseguir por uns quatrocentos e setenta!

Meu sorriso se fechou em um segundo. Meu dinheiro não pagava nem metade da raquete. Minha felicidade instantânea voltou a estaca zero.

- Não é um ótimo preço moça? – perguntou Carlos.

- Bem, deve até ser... Mas é que eu estava procurando uma coisa mais em conta, sabe? – respondi timidamente.

- Mas em nenhuma outra loja você vai conseguir essa raquete mais em conta do que aqui! – retrucou o vendedor rapidamente.

A idéia da raquete dos sonhos estava começando a se apagar. Realmente, eu não conseguiria preço melhor. Mas mesmo se o preço fosse melhor, teria que ser muito mais baixo do que isso.

- Desculpe, o preço está ótimo... Acho que vou procurar uma coisa mais simples. – tentei me explicar rapidamente. – Você não tem uma raquete mais em conta? Pode ser até usada.

- Não trabalhamos com raquetes usadas. Mais em conta do que esta, eu só vou ter as de alumínio, que são para principiantes. – disse ele.

- E só por curiosidade, quanto que sai uma raquete de alumínio? – indaguei.

- Bem, uma de alumínio boa, está saindo cento e cinqüenta.

- Cento e cinquenta? – confirmei. – Então está bom. Vou dar uma pensada, qualquer coisa eu volto.

- Mas Mel! – interferiu Daniel pela primeira vez. – Raquete de alumínio não é meio ruim para seu nível?

- É, mas é melhor do que raquete nenhuma. – respondi conformada.

Ele deu um sorriso compreensivo e gesticulou os ombros. Agradeci o vendedor e começamos a andar em direção a porta de saída.

- Ah Mel, espera aqui que eu esqueci de falar um negócio com o Carlos! – exclamou Daniel entrando novamente na loja.

Em pouco tempo ele já estava de volta com um sorriso largo no rosto.

- Por que você está sorrindo? – perguntei curiosa.

- Estou? – desfez o sorriso rapidamente. – Bem, nada não.

- Ah sim...

Rodamos mais um pouco pelo centro da cidade procurando lojas de esporte. Daniel ia me seguindo e de tempo em tempo olhava para ele e lá estava aquele sorriso de satisfação de novo em seus lábios. Não entendia o porquê, já que não estávamos trocando muitas palavras. Deixei-o quieto com sua felicidade.

- Poxa, está difícil! Você ouviu o que a mulher da última loja falou? – indaguei a ele.

- Sobre o fato de não ter muitas raquetes usadas a venda no momento? – murmurou Daniel.

- É! Se isso for realmente verdade, só me restam as raquetes de alumínio, que são as únicas que eu posso pagar! – respondi com um tom lamentoso.

- Mel, quer saber? Acho que nós procuramos bastante e já deu para perceber que aqui não vamos encontrar muita coisa. – ele, que estava atrás de mim, colocou as mãos em meus ombros e começou apertá-los, como se tentasse massageá-los. – Você está cansada, vamos pegar um ônibus e voltar para Paineiras. Depois você tenta resolver isso. Senão, vai estar esgotada para a prova de amanhã. – sua voz era suave com um fundo de preocupação.

-Bem, você tem razão. – disse me virando para ele. – Não adianta eu ficar louca com isso agora. Vou conseguir resolver. – fiz uma cara confiante. – Vamos voltar sim, você já deve estar cansado também e a última coisa que eu quero é te prejudicar! – abri um doce sorriso.

- Fica tranquila, vai dar tudo certo. – ele abriu o mesmo sorriso largo que passou a tarde inteira estampado em seus lábios.

Eu apenas retribui timidamente enquanto esperávamos o ônibus chegar. Não demorou muito e já estávamos sentados dentro dele. O trajeto de volta foi calmo. Aproveitei para tirar algumas dúvidas dele, sobre Física, que estavam pendentes desde o dia do incidente com o cachorro. Meu ponto chegou logo, que quase perdi a hora de me levantar. Em um pulo desci do ônibus e entrei em casa, acenando para Daniel.

Como pode ser tão inacreditável. Daniel Floukin é sem dúvida o cara mais perfeito que já encontrei em toda minha vida. Ele me entende, ele me defende, é sincero, engraçado, carismático e lindo. Nunca acreditei em contos de fada na minha vida, pois nunca fui criativa o suficiente para imaginar um príncipe, mas com certeza Daniel chegava bem perto, pelo menos para mim. Acho que cada um tem um príncipe ou uma princesa perdidos por aí, basta chegar o memento certo para se encontrarem. Daniel é o meu príncipe, mas eu ainda não tenho certeza se eu sou sua princesa. Tenho medo de descobrir, medo de tentar. Se eu não for e estragar tudo, estragar essa nossa amizade tão boa, não sei se vou superar. O melhor é deixar as coisas irem andando e, com o tempo, juntos vamos descobrir se é ou não é.

Cheguei em casa com as pernas tremulas de tanto andar. Aproveitei e jantei cedo. Depois, com a noite livre, fiquei a maior parte do tempo no quarto estudando. As provas do dia seguinte não eram tão difíceis, então deu para ficar mais tranqüila. Não dormi muito tarde para não correr o risco de perder o sono. Graças a Deus, a noite fluiu tranqüila e o sono chegou como um sopro acalmando meu corpo no colchão.