parte 2

Meus pais saíram para trabalhar e eu fiquei deitada no sofá a maior parte do tempo assistindo televisão. Depois de uma bateria de remédios que minha mãe deixara para eu tomar, já me sentia bem melhor. Durante meu dia de “folga” pude pensar sobre muitos assuntos, mas o que mais me irritava era de lembrar dele. Era extremamente irritante, principalmente pelo fato idiota da minha cabeça não conseguir esquecê-lo. Não entendia o porquê disto e a cada vez ficava mais revoltada comigo mesma.

- Por quê? – sussurrava para mim mesma inconformada.

No fim do dia mega empolgante, que incluiu um extremo sedentarismo, acompanhado de leves cochilos e muita televisão, eu já estava decidida.

- Não vou mais falar com ele, não quero mais sentir isso, não sei por que estou me sentindo assim, não quero saber e tenho raiva, muita raiva de quem sabe! - disse em um tom raivosamente engraçado, trancada no meu quarto, parecendo uma louca falando com o espelho.

Naquela noite os pesadelos voltaram. Porém desta vez não foi nada definido, estava tudo muito confuso. Via chamas, ou algo que parecia com chamas. Elas me rodeavam e, na hora que parecia que eu iria entender o que se passava, a voz gritou nos meus ouvidos. Corri que nem uma desesperada para longe das chamas.

No feriado pude dormir até mais tarde. Já estava me sentindo bem melhor, em todos os aspectos inclusive. Aproveitamos o dia, meus pais e eu, para irmos fazer as compras do mês. Adorava sair com eles, seja lá para onde fosse. Fazer compras mensais era uma rotina fiel que sempre seguíamos, era como se fosse uma tradição. Desde que eu me lembro como gente, nunca quebramos isso.

De noite, meu pai aproveitou alguns ingredientes especiais que comprara e fez a famosa “Macarronada do papai”, batizada por ele mesmo, receita de família. Só que para minha infelicidade, minha mãe chegou a mesa com um prato de canja de galinha e disse que, para meu próprio bem e o bem geral do meu estômago, era melhor eu não comer a macarronada. Nessa eu infelizmente tive que concordar.

O dia seguinte chegou e isso significada que era um dia ensolarado cujo eu teria que ir a aula. Para mim o fato de ir para a escola não era ruim, até me agradava. A única coisa que não me agradava, era pensar que eu iria encontrar certa pessoa quem eu não queria.

Segui a rotina de sempre até chegar à escola. Entrei e fui a caminho da minha sala. Ao virar o corredor, avistei a figura de Daniel encostado em um pilar com seus fones de ouvidos postos nas orelhas. Respirei fundo, fixei meus olhos em um ponto oposto ao que ele estava e apertei o passo. Relaxei no momento em que passei por ele, mas meu corpo enrijeceu totalmente quando senti um apertão no meu punho que me puxou rapidamente uns dois passos para trás.

- Mel, preciso falar com você. – murmurou Daniel puxando meu braço até eu estar novamente em sua frente.

- Desculpe, mas eu não tenho nada para falar com você! –falei me virando em direção da sala de aula.

- Por favor, me escuta! – exclamou.

Parei por um instante, dei um suspiro profundo e voltei-me novamente para ele.

- Não deveria ouvir se quer uma palavra sua, então, por favor, me deixa entrar tranquliamente naquela sala de aula – disse apontando para a porta. – E assistir minhas aulas em paz, sem precisar ficar mais brava.

Ele olhou para mim com um ar triste, mas que por hora não me comoveu. Impediu-me novamente de entrar e começou.

- Olha... – disse ele tirando os fones de ouvido. – Eu quero muito me desculpar de você! Tenho certeza que não tem noção de como me arrependo de ter sido tão...

- Grosso, mal educado, insensível! –exclamei sem acreditar que quebrara minha própria promessa, falando com ele.

- É! Tudo isso e mais um pouco. Eu fui ridículo aquele dia!- disse mordendo os lábios. - Ridículo por ter descontado em uma outra pessoa uma mágoa minha, interna, que não cabe a ninguém mais ter que se preocupar... E mais ridículo ainda por ter feito você ficar tão brava comigo.

Eu apenas fiquei olhando e lembrando de como minha raiva me consumira.

- Desculpa... – disse ele como um suspiro.

- Olha, realmente eu não sei por que fiquei tão brava. Eu mal te conheço, troquei só algumas palavras com você, sendo que na maior parte eu fui ignorada. – Você não sabe o quanto eu fiquei com raiva disso, não sei se sentia mais bronca do que você fez ou de mim mesma, que não conseguia controlar o que eu sentia. – disse novamente incomodada por quebrar as regras impostas por mim mesmas há dois dias. -Realmente agi como uma idiota ficando com tanta raiva. – falei tão rápido que quase tropecei nas palavras. – Se não quisesse conversar comigo, era só falar... Mas o que importa agora é que eu não vou mais te incomodar e, por favor, não me incomode também.

Dizendo essas últimas palavras dei as costas para ele e entrei na sala, julgando como encerrada minha “convivência” relâmpago com Daniel Floukin.