Parte 2

Entrei e dois amigos vieram até mim, dar as boas vindas. Eram Francisco e Joana. Eu até que tenho bastantes amigos, mas esses dois eu poderia considerar como meus melhores amigos, sem dúvidas. Francisco era mais alto do que eu, uma pele levemente bronzeada, cabelos escuros e porte atlético. Já Joana era um tanto que mais baixa, branquinha, não por falta de Sol, mas acho que por natureza mesmo. Cabelos cacheados como os meus, mas que se deferiam pelo fato de serem castanhos claros e não pretos como as minhas madeixas. Ambos se aproximaram com dois sorrisos posto e um de cada vez, me abraçou.

- Melinda, que saudades! – disse Francisco, que foi o primeiro a chegar até mim. – Não agüentava mais ter que ficar conversando com a Joana – disse ele em tom engraçado fitando os olhos raivosos da Jô, que se aproximava.

- Mel, deixa esse louco para lá... Eu é que tenho que agüentar ele – retrucou com o mesmo tom de olhar. – E você menina como está?

Joana não poderia falar que estava com saudades de mim, já que havíamos nos visto com muita freqüência durante as férias.

- Ah gente, está tudo bem, nada de novo pra contar, foram férias comuns como sempre são... – soltei um suspiro que foi engraçado até para mim. –E vocês o que me contam?

Percebi uma troca de olhares entre os dois. O da Jô chegava até a condenar, mas o de Francisco era glorioso, de certo modo curioso.

- Vamos gente, contem logo! – apressei, quando percebi que a troca de olhares iria durar mais do que eu esperava.

- O Francisco ficou com a Sara. – murmurou Joana, meio curvada para mim.

Meu olhar cresceu como se eu fosse dar um grito de alegria, mas me contive obviamente. Fiquei tão feliz com essa notícia. Há tempos que eu já tentava ajudá-lo neste caso, ou melhor, neste Alvo. É assim que nós, Francisco e eu, chamamos nossos possíveis pretendentes. A Sara era um Alvo e agora era realidade. Nunca conseguimos atingir um Alvo que dizia respeito ao Francisco, mas agora com a Sara...

Explodi em voz baixa.

-Francisco, isso é ótimo, não estou nem acreditando que realmente deu certo! Quando que foi?

- Sexta passada. – disse ele com os olhos brilhantes. – Sexta, finalmente ela cedeu aos meus encantos. – falou em tom irônico, novamente olhando para Joana.

Joana já foi um dos Alvos de Francisco, pra falar a verdade, foi o primeiro Alvo em que nós trabalhamos. Falando assim, parece até que Francisco é um conquistador que sempre tem um objetivo a ser atingido. Mas não é. Quando ele estava gostando da Joana, ele estava pra valer, mas ela era só amiga dele, ou melhor, muito amiga dele, o que dificultou um pouco. Passado esse rolo todo, concluí por mim mesma, que na verdade o que o Francisco sentia pela Joana era uma forte e verdadeira amizade, que foi confundida por com outro sentimento. Demorou um pouco para as coisas voltarem ao normal entre eles, mas felizmente voltaram e agora o negócio era com a Sara.

A Sara é muito minha amiga também, gosto muito dela. Ela tem uma personalidade bem complicadinha, uma verdadeira menina de lua, mas sua ingenuidade e carisma ganham a todos. Meu círculo de amigos mais próximos, não se fecha aí, tem também a Rafaela e o Roberto. Os dois, junto a Sara, não estudam na nossa sala, eles estão no segundo ano B. Mas esse fato não interfere no nosso convívio, sempre nos encontramos nos intervalos e na hora da saída. Fora os passeios que programamos de tarde durante a semana.

Ficamos ali por um tempinho. Dei uma volta na sala, cumprimentando os outros colegas, até tocar o sinal. Era o início da primeira aula.

Entrou na sala, um senhor baixinho, com o cabelo em poucos tufos por de trás da orelha, e uma careca quase bem perceptível. Sua figura se completava com os óculos redondinhos e um sapato bem lustroso. Era o professor Emanuel. No ano passado nós já tivemos aula com ele, dava História da Arte. Esse ano, fiquei sabendo por boatos, que ele iria dar História do Brasil, coisa que me deixou meio cabisbaixa, pois adoro História, mas o professor Emanuel parecia não ser tão empolgante quanto o que eu esperava.

Enquanto ele ajeitava as coisas na mesa, nós nos acomodávamos em nossas carteiras. Um batido na porta interrompeu o quase silêncio que pairava na sala.

- Com licença professor Emanuel... Posso entregar as apostilas? – disse a inspetora, com uma pilha enorme de brochuras na mão.

- Claro! - respondeu ele, indo à direção da porta, para de algum modo tentar ajudá-la.

Fileira por fileira ia se levantando, pegando uma apostila e assinando uma espécie de lista de comprovação.

No momento em que a inspetora terminou, ela se voltou a porta para sair da sala, porém no momento em que tocou na fechadura, novamente se escutou um batido na porta. Ela a abriu como já iria fazer mesmo e deparou-se com alguém. Esquivando-se da pessoa partiu pelo corredor, permitindo então, que o Professor Emanuel fosse até a porta.

- Pode entrar! – disse o professor àquele que esperava lá fora. – Mas não se acostume, não toleramos atrasos de mais de cinco minutos a primeira aula. – completou com um ar de desaprovação. - O senhor é novo aqui, não quero que leve um sermão logo no primeiro dia, entre.

- Obrigado... – respondeu a voz que estava do lado de fora.

Então cruzou a soleira da porta um garoto alto, com cabelos pretos jogados de forma ajeitada sobre a testa, olhos que de cara percebi serem azuis, pois tenho certeza que eles se voltaram rapidamente, como um reflexo ao passarem por mim. Estranhamente seu rosto parecia-me conhecido, mas relevei essa idéia. O garoto esbelto se acomodou umas três fileiras de onde eu estava sentada e então o professor começou a apresentação.

- Bem, vejamos... - começou ele. – A maioria de vocês eu já conheço. – comentou isso olhando fixamente para o rosto de cada um por alguns segundos, até parar no rosto do menino que havia chegado atrasado. – O senhor. Como se chama?

- Daniel... – disse em alto e bom tom. – Daniel Floukin.

Na hora meus lábios se curvaram levemente para cima e eu tentei engolir em seco o riso que teimava chegar a minha boca. Floukin não era um sobre nome muito comum, na verdade seria um bom nome para um gato, semelhava-se muito com Floquinho.

O professor confirmou sua apresentação com a cabeça e continuou seguindo na sua procura de novos rostos desconhecidos. A cada nova pausa, era feita mais uma apresentação, até que todos os alunos novos já haviam sido apresentados. Não eram muitos, decorei facilmente o nome de todos. Sempre tive muita boa memória, para tudo.

- Todos os senhores e senhoritas já estão apresentados, então agora eu me apresento. – disse ele se voltando para todos da sala. – Sou o professor Emanuel para aqueles que não me conhecem. Vou dar História do Brasil esse ano para vocês.

Retorci o olho sem que ninguém percebesse. Os boatos eram verdadeiros, teria que agüentar minha matéria preferida ser aplicada por esse professor sem graça que insistia terrivelmente em nos tratar por senhor e senhorita.

Tentei me distrair um pouco até que a aula realmente começasse. Virei-me para conversar com a Joana, mas me deparei com uma imensa e profunda discussão que ela tinha com Francisco sobre o sistema capitalista. Eu não estava nem um pouco a fim de me juntar a eles, então fiquei observando a sala de aula. Reparei que um dos alunos novos, o Daniel Floukin, estava muito compenetrado escrevendo em um caderninho. Achei engraçado isso, pois ele parecia tão à vontade escrevendo seja lá o que fosse, que nem parecia estar dentro da sala de aula, que no momento se encontrava em um falatório moderado. Fiquei por uns instantes observando-o atentamente até que novamente fui traída por minha distração. O professor chamara meu nome e neste mesmo instante os olhos azuis se voltaram para os meus, que o mais rápido possível tentaram desviar.

- Melinda Dupon!? – repetiu o professor.

- Aqui professor... - falei com uma voz tímida.

Sinceramente, não consigo entender porque ele insiste em me chamar pelo nome completo na chamada. Só há uma Melinda na sala, não precisa diferenciar. Em outros casos, como o dos Lucas, que incrivelmente eram três, ou dos Danieis, que agora eram dois – olhei rapidamente para o novo aluno – ele perfeitamente poderia e deveria usar o sobrenome.

A aula em fim começou. Não foi tão ruim como eu esperava. Tivemos aula dupla de História, seguida de Literatura. No intervalo, encontramos primeiramente Sara e Rafaela. As duas meninas, a primeira alta, com cabelos lisos e castanhos, e a segunda mais baixa, com uma franjinha que lhe cobria a testa e um corte chanel, se aproximaram de nós, no caminho da cantina. Elas estavam empolgadas em nos ver. Rafaela nos cumprimentou como sempre, com um largo sorriso no rosto, indo de um em um em pequenos pulinhos e dando um forte abraço. Sara, a mais tímida de certo ponto, deu um abraço em Joana e um em mim, parando do lado de Francisco e apenas lançando- lhe um olhar. Não entendi muito bem, mas conhecendo os dois, ficariam nesse estado até que alguém tomasse outra iniciativa. Decidi que não iria mais interferir nesse caso, deixando que eles agora tomassem o rumo que bem entendessem.

Entramos na fila para comprarmos um lanche e logo depois chegou Roberto com uma maçã na mão. O vermelho da maçã de Roberto curiosamente combinava com o vermelho de sua regata, que lhe caia muito bem. Ele também é de um tom bronzeado, com cabelos castanhos claros. Seu porte lembra muito o de Francisco, porém Roberto é mais baixinho. Segundo ele, não conseguia comer muita coisa durante a manhã, por isso sempre optava em comer uma fruta, diferente de nós, gulosos que sempre atacávamos a cantina.

Depois de muita conversa, o sinal tocou e nos dirigimos para a sala de aula. O dia se completou com aula de Matemática 1, Gramática e Química 2. Não achei nada bom começar a segunda-feira assim, principalmente pelas aulas depois do intervalo. A Química já estava me latejando as têmporas, quando finalmente o sinal tocou. Despedi-me rapidamente dos amigos de sala e segui no corredor, passando em frente do segundo B, onde rapidamente olhei para dentro e acenei. Sempre era assim para sair da escola. Não podia perder ônibus e este, para colaborar, nunca passava no horário certo, sempre desregulava alguns minutos para antes ou para depois. Como eu não tinha bola de cristal para milagrosamente adivinhar a boa vontade do motorista naquele dia, tinha que sair correndo literalmente.