Mundo dos Sonhos

A Pintura, a encomenda e a menina.


Logo cedo acordei e fui para escola. Na última aula, tivemos Artes e o professor explicou um trabalho muito interessante para nós.

- Vocês vão receber uma tela e, em duplas, vão pintá-la. Um irá fazer metade de um desenho e o outro, sem saber qual a idéia do parceiro, irá terminá-lo. – ele ficou em silêncio por um instante. – Formem as duplas!

Estávamos em três, então falei para Francisco e Joana formarem uma dupla. Fui em direção de uma outra colega minha, quando ouvi meu nome.

- Mel! – soou atrás de mim.

Olhei para trás e vi Floukin segurando uma tela na mão.

- Quer fazer dupla? – perguntou.

- Ahn. – demorei um segundinho olhando para ele. – Claro!

Então colocamos a nossa tela no cavalete e pegamos pincéis e tinta.

- Pode começar. – eu disse. – Não faço a mínima idéia do que fazer.

Ele me olhou como se também não tivesse a mínima do que desenhar, mas mesmo assim pegou os materiais e começou. Com traços leves e rápidos, começou a dar forma à figura. Por sinal ele desenhava muito bem, diferente de mim, que ainda estava na base dos palitinhos. Estava distraída, olhando para outras telas, quando Daniel me cutucou.

- Mel, terminei minha parte.

Voltei meus olhos para a nossa tela e curiosamente a metade do desenho que ele havia feito me parecia muito familiar. De certo modo, me lembrava de alguma coisa, alguma coisa que eu tentei desenhar.

Fiquei ali por um tempo brigando com os pinceis e imaginando o complemento para o desenho já começado. Depois de um bom esforço, consegui concluir nosso trabalho.

-E aí? – perguntei para ele.

Ele se virou para olhar nossa tela e fez uma grande cara de espanto. Seus olhos ficaram fundos e dispersos por um instante até eu acordá-lo do pequeno transe em que estava.

- Ficou tão ruim assim? – fiz uma cara de apreensão.

- Na... Não! Ficou bom. – tentou dizer ele. – Mas da onde você tirou essa idéia?

- Sei lá, talvez de um sonho. – ri. – Tenho tantos mesmo!

- Tem muitos sonhos? – perguntou ele sério.

- Bastantes, às vezes com mais frequência, outras com menos. - murmurei

- Ah sim... – ele balançou de leve o cabelo e observou a pintura por mais um tempo. – Bem, vamos entregar o trabalho para o professor, assim saímos mais cedo.

Confirmei com a cabeça enquanto ajeitava o material que nos tínhamos usado. Ele, por sua vez, pegou cuidadosamente o nosso quadro e foi em direção ao professor.

- Já terminaram! – ouvi o professor dizer. – Quem é sua dupla?

- Eu e Melinda, senhor. – ouvi Daniel responder.

- Sim, pode deixar ali. – e o professor apontou para um canto, com algumas telas encostadas.

Enquanto ele colocava o quadro no lugar indicado, fui rapidamente falar tchau para Francisco e Joana, que tentavam entrar em um acordo.

- Não Francisco, eu ainda não pintei metade! – esbravejou Jô.

- Lógico que já pintou! É minha vez. –disse ele tirando o pincel das mãos dela.

Fiquei rindo da situação, pareciam duas crianças brigando pela última bolacha do pacote. Quando Francisco iria começar a dar as primeiras pinceladas, aproximei-me.

- Gente, eu já estou indo... Tchau pra vocês!

- Indo embora? – perguntou Francisco se virando para mim e deixando uma gota de tinta cair no braço de Joana.

- Olha isso Francisco! Cuidado seu desastrado! – disse Jô fazendo drama da gotinha.

- Ah, isso sai com água. – disse e olhei para ela. – E já estou indo embora sim. – respondi para Francisco.

- Acabou rápido hein! – falou ele.

- Não tive que fazer muita coisa. – lancei um olhar rápido para Daniel, que já estava na porta da sala de Artes. – Bem, eu tenho que ir. Até amanhã, não se matem até lá!

Comecei a rir da cara de enfezados que eles fizeram, mas não dei bola para isso e fui ao encontro de Floukin.

Quando estávamos chegando ao ponto, um ônibus apontou no final da estrada. Corremos acenando para que parasse. Demos sorte, pois se perdêssemos esse, o próximo a passar seria apenas o que geralmente tomamos, então não iria ter adiantado nada termos acabado antes o nosso trabalho.

Entramos e sentamos-nos. O ônibus estava vazio, só tinha mais umas três pessoas, fora o motorista e o cobrador. Ficamos em silêncio por um tempo quando, como sempre, interrompi esse momento.

- Ahn, então... - comecei. - Se eu te perguntar uma coisa, por favor, não fica bravo?

- Prometo que vou tentar!

- Ok. É... Nossa! Sinto até vergonha em perguntar isso, mas a curiosidade é maior... - senti minhas bochechas ficarem rosadas. – Por que você volta de ônibus se poderia muito bem voltar de carro ou de condução escolar?

Não acredito que falei aquilo, as palavras saíram mais rápido do que eu esperava. Traiçoeiras como sempre. Enquanto ele, ao ouvir, deu uma boa risada e não se conteve em fazer um comentário.

- Pode deixar, vou descer no próximo ponto. – disse se levantando. – Não sabia que não podia pegar ônibus, mais uma vez, desculpe-me pela gafe.

Ele fez uma cara tão engraçada, principalmente nas últimas palavras, que até esqueci o que ia dizer.

- A... Hei, Não! – infelizmente gaguejei. - Não é isso que quis dizer!

- Não? – fez uma cara forçada de desentendido. – Será que você teria a boa vontade de explicar para esse passageiro de ônibus, o que você quis dizer então? – sentou-se novamente.

- Como você é bobo. – ri da situação. – O que eu quis dizer, foi que você poderia voltar muito bem de transporte escolar, como os outros alunos que moram em Paineiras ou então seu pai vir te buscar, como fez ontem!

- Primeiro, meu pai trabalha, não dá... Ontem foi uma exceção. – Segundo, não gosto de Transporte escolar, é uma Van que leva um monte de aluno das casas para a escola e vice-versa. Qual a diferença do ônibus?- perguntou.

- O preço! – murmurei rindo.

- Lógico só isso mesmo... – ele riu também.

- Mas você poderia pagar tranquilamente, não é? Usa o ônibus porque gosta de andar de ônibus? – indaguei.

- Não é porque meu pai tem dinheiro que eu preciso agir que nem os outros. – ele me fitou. - Mas também não sou muito fã de andar de ônibus... Não me trazem as melhores lembranças.

Ele então olhou pela janela e ficou imerso em seus pensamentos. Era uma boa deixa para eu perguntar o motivo o qual ele não gostava muito de ônibus, mas quando dei por mim, eu também estava dispersa nos meus próprios pensamentos, lembrando-me de coisas que já me aconteceram e que, curiosamente não vinham muito na minha mente, exceto agora.

Ficamos por alguns instantes assim até que dessa vez ele interrompeu o silencio.

- O engraçado, é que nem sei o motivo pelo qual volto de ônibus. Simplesmente a idéia ocorreu esse ano.

- Que bom que ocorreu. – olhei para ele e sorri rapidamente, desviando logo o olhar.

- É, que bom. – sussurrou para si mesmo, com um sorriso nos lábios.